Discurso durante a 57ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Proposta de choque social com ações que possam contrapor ao reajuste irrisório do salário mínimo.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. ORÇAMENTO. POLITICA SALARIAL.:
  • Proposta de choque social com ações que possam contrapor ao reajuste irrisório do salário mínimo.
Aparteantes
Arthur Virgílio, Sergio Guerra.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/2004 - Página 14739
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. ORÇAMENTO. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • CRITICA, INFERIORIDADE, VALOR, SALARIO MINIMO, DEFESA, MOBILIZAÇÃO, CLASSE POLITICA, PROVIDENCIA, RETIRADA, POPULAÇÃO, MISERIA, PRIORIDADE, PROGRAMA, POLITICA SALARIAL, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA.
  • SUGESTÃO, GRATUIDADE, MEDICAMENTOS, APOSENTADO, DEFESA, AUMENTO, SALARIO, PROFESSOR, VALORIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, AMPLIAÇÃO, VALOR, PROGRAMA, RENDA MINIMA, CRIAÇÃO, EMPREGO, OBRA PUBLICA, SANEAMENTO BASICO.
  • DEFESA, AUMENTO, VALOR, FUNDO ESPECIAL, ERRADICAÇÃO, POBREZA.
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, EMENDA, LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTARIAS (LDO), ALTERAÇÃO, METODOLOGIA, ELABORAÇÃO, ORÇAMENTO, PRIORIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • ANUNCIO, ABSTENÇÃO, ORADOR, VOTAÇÃO, INFERIORIDADE, VALOR, SALARIO MINIMO, EXPECTATIVA, NEGOCIAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROGRAMA, EFETIVAÇÃO, MELHORIA, JUSTIÇA SOCIAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta Casa corre o risco de, na próxima semana, sofrer um constrangimento ou outro ainda maior.

O constrangimento será a votação de um salário mínimo de R$260,00. Sem dúvida, esse será um embaraço. Entretanto, há um risco maior: a televisão transmitir a Oposição saltando de alegria por ter conseguido aprovar um salário mínimo de R$275,00 - um pão e meio a mais por dia. Esse será um constrangimento ou o constrangimento também de apoiar um salário mínimo de R$300,00 por mês: quatro pães a mais que a proposta do Governo. Uma maneira, Sr. Presidente, de evitarmos esse constrangimento é deixarmos claro à opinião pública e ao povo de que o salário mínimo, qualquer que ele seja, vai ser pequeno. Mas as condições de vida e a qualidade de vida do povo poderão melhorar se vier, junto ao salário mínimo, um pacote que permita um choque social no Brasil. Como parte do Partido dos Trabalhadores, como parte da base de apoio ao Governo, eu gostaria de vir e votar um salário mínimo que dê responsabilidade nas contas e que impeça a volta da inflação, mas que traga alguns benefícios como, por exemplo, garantir que todo aposentado terá direito a remédios gratuitamente. Uma coisa, Senador Sérgio Guerra, é um salário mínimo de R$260,00 com remédio gratuito; outra, sem remédio gratuito. E sabemos que a maior parte dos que recebem salário mínimo são aposentados pela Previdência Social. Ao lado de um Programa de Remédio, que o Governo assuma o compromisso de mandar para o Senado, ainda este ano, o projeto de lei do Fundeb que está na Casa Civil desde dezembro. O Fundeb, aumentando o salário dos professores, melhorando a educação, ajudará a qualidade de vida dos pobres deste País, dos que ganham salário mínimo ou menos que isso, por intermédio de seus filhos. Que o Governo assuma o compromisso, por exemplo, de aumentar o valor da bolsa-família, da bolsa-escola de, pelo menos, R$75,00, que é a média atual mensal, para R$100,00; que assuma o compromisso de levar adiante o Brasil alfabetizado, de tal maneira que em quatro anos não tenhamos nenhum adulto analfabeto neste País; que assuma o compromisso de fazer funcionar corretamente a Sudene no Nordeste, de tal maneira que os pobres nordestinos tenham alguns incentivos que lhes permitam viver com qualidade de vida melhor do que aquela que permita o salário mínimo, seja de R$260,00, de R$275,00 ou de R$300,00. Que o Governo traga para esta Casa um programa que permita o emprego de um milhão de pessoas ganhando um salário mínimo, mesmo de R$260,00, para colocar água e esgoto nas moradias daqueles que ganham um salário mínimo. Uma coisa é um salário mínimo com água encanada em casa, outra coisa é um salário mínimo sem água encanada em casa.

Tudo isso não custaria mais do que R$6 bilhões a mais no Orçamento de 2005 e até mesmo no Orçamento deste ano. Seis bilhões equivalem a 1,5% dos recursos do Orçamento brasileiro do setor público. E isso é fácil de fazer. Para fazer isso, bastariam duas coisas: uma seria aumentarmos o valor do Fundo de Erradicação da Pobreza, que foi criado a partir do Senado - e o Senador Antonio Carlos Magalhães que se encontra presente foi o mentor do programa. Se dobrarmos o valor do Fundo de Erradicação da Pobreza, será possível oferecer tudo isso aos trabalhadores. Ainda que o salário seja de R$260,00, a qualidade de vida será melhor do que com R$275,00 ou mesmo com R$300,00.

A outra coisa: acho que chegou a hora - e vou apresentar essa emenda na Lei de Diretrizes Orçamentárias -, no Brasil, de começarmos a fazer o Orçamento a partir do que os pobres brasileiros precisam e não como é hoje. Hoje, primeiro reservamos o dos bancos, o do Congresso, o do Judiciário, o de todos os incluídos e, no final, deixamos o que sobra para o salário mínimo e não sobra mais nada para o resto.

Quero concluir, Sr. Presidente, dizendo que, como membro do Partido dos Trabalhadores, eu me reservo o direito de me abster no dia da votação do novo salário mínimo, se ele vier R$260,00 (duzentos e sessenta reais), R$275,00 (duzentos e setenta e cinco reais) ou R$300,00 (trezentos reais) - pois não vejo grande diferença - se o Governo não enviar também, negociado de hoje até o dia da votação, um enfoque social que traga benefícios reais, e não apenas benefícios em Reais para o trabalhador.

Espero, com isso, abrir o debate dentro do meu partido, para que possamos evitar os dois constrangimentos de que falei: o constrangimento de um salário ridículo de R$260,00 (duzentos e sessenta reais) ou o constrangimento de pessoas saltando e se vangloriando, como salvadores da pátria, por terem conseguido aumentar um pãozinho e meio por dia, ou 4 pães por dia, no salário do trabalhador!

Concedo um aparte ao Senador Sérgio Guerra.

O Sr. Sérgio Guerra (PSDB - PE) - Senador Cristovam Buarque, o Senado brasileiro esperava, há algum tempo, a palavra de V. Exª. Eu pessoalmente fui seu aluno e sou seu amigo e admirador. Sei que V. Exª é alguém que não empresta sua inteligência a causas nas quais não acredita. Nunca foi assim! A sua vida pública e a sua vida de cidadão sempre foram afirmativas, seguras e bastante criativas. A abordagem que V. Exª faz agora é extremamente lúcida e nos remete a uma preocupação muito forte, que é a preocupação que todo brasileiro deve ter neste instante: com a incapacidade objetiva demonstrada de enfrentar as questões de fato, as questões reais. O Brasil não pode adiar um choque na área social. É impossível conviver com esta situação, com este padrão de demagogia, esta falácia, esta aritmética do milagre econômico ou de seu sucedâneo, da maravilha do crescimento econômico, seja lá do que for: falar que o Brasil vai crescer e não encarar o desafio central, ou seja, de que milhares de brasileiros estão morrendo de fome. Apenas se tem notícia dessas eloqüências, dessas grandes metas sociais que não se confirmam na prática, de programas como o Fome Zero que não existem, de toda uma pirotecnia, de uma cenografia que o País não tem mais o direito e nem pode continuar a ouvir. Penso que é preciso dar solução e não continuar nessa pobreza total que caracteriza o debate brasileiro de agora. As esperanças que o Presidente Lula despertou - e foram tantas - estão sendo remetidas ao ar, virando pó, porque seu Governo insiste numa discussão estéril, sobre nada, sobre a palavra de um jornalista... E hoje o Ministro José Dirceu foi dizer que o Brasil está ameaçado por uma grande turbulência internacional e fala num pacto! Pacto de quê? Antes de fazer um pacto no País, o Governo precisa fazer ele próprio sua redefinição, seu ajuste, para que possa produzir o mínimo de resultado. E, se não produzir nada na área social, sofrerá imenso desgaste e, com ele, o Brasil inteiro, por não enfrentar os problemas no seu conteúdo. É verdade que R$260,00, R$270,00, R$300,00 não são salário mínimo; são salário nenhum. É mera remuneração para a pobreza, para manter essa população miserável. O enfrentamento da situação de fato, esse ninguém faz. Não está sendo feito em lugar algum, nem no Nordeste nem em alguma área de pobreza do País. Hoje o Senador Ney Suassuna falou sobre a agricultura nordestina. Disse a palavra “deprimente” no seu discurso, porque voltou ao Nordeste, andou pelo interior do seu Estado e viu a pobreza total. E falamos sobre isso do Nordeste faz 20, 30, 40 anos sem remédio, sem solução. Então, ficamos nesta discussão: 230? 240? É preciso que alguém com sua lucidez, sua independência afirme o que afirmou: não vai votar salário nenhum se não houver compromisso de resolver ou melhorar o problema social.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Muito obrigado, Senador Sérgio Guerra, por lembrar que, embora hoje, com o tempo, ficamos parecendo ter a mesma idade, eu já tive o prazer de ser seu professor na Universidade Católica de Pernambuco um bocado de anos atrás.

Concedo um aparte ao Senador Arthur Virgílio, se o Presidente me permitir.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Cristovam Buarque, o Senador Sérgio Guerra tocou no ponto: o Governo precisa se redefinir. Para mim, a crise não está no exterior. Está aqui. O Governo precisa acertar na microeconomia, falar uma linguagem confiável quando se referir às agências reguladoras, precisa executar até o final projetos bons no enunciado e fracassados na execução, tipo microcrédito e a questão do primeiro emprego. Todas as medidas micro estão a dever. O Governo precisa acertar no administrativo, começar a fazer a máquina andar. Precisa parar de mandar medida provisória para atravancar a pauta do Senado. O Governo precisa reformular o papel do Presidente da República, que não pode mais sair falando pelos cotovelos, falando tudo que lhe vem à cabeça, depois arcando com conseqüências graves do que fala, e estamos vendo as crises artificiais que são hiperbolizadas por essa incontinência verbal do Presidente que, aliás, é acompanhada por muitos dos seus ministros. E José Dirceu fala em crise mundial. Qual é a crise? A crise do crescimento mundial? Isso é crise? Ele estava tão à vontade quando o Presidente Fernando Henrique enfrentou a crise asiática, a crise russa, a crise argentina, a crise do Japão, a crise dos Estados Unidos. Ele estava tão à vontade, acreditava que bastava vontade política para resolver qualquer problema no país. Hoje em dia - é bom avisar ao Ministro, que é inexperiente nesse campo mesmo - não há crise alguma. Está havendo uma relocação de capitais internacionais, em função da expectativa do crescimento e em função do fato de que os juros americanos vão aumentar. Isso é uma amostra anunciada. Vão aumentar também os juros japoneses, certamente. E vão aumentar os juros na Europa, da União Européia, porque também lá há uma expectativa de crescimento maior, ou seja, o Brasil terá certas dificuldades circunstanciais, está tendo, mas o Brasil só tem a ganhar com seus clientes, com mais dinheiro no bolso, só tem a ganhar com uma perspectiva de comércio muito mais intensa, ou seja, o apavoramento do Governo não é diante de uma crise sistêmica, não; é diante do crescimento econômico. O Governo está reagindo mal diante do seu primeiro teste. E o primeiro teste, graças a Deus, não é nenhuma luta intransponível; é o crescimento econômico. Então, quero dizer a V. Exª que vejo no seu mandato algo muito alvissareiro, pela independência de que ele se reveste. A Oposição tem defendido os R$275,00 por entender que o Governo não é dono da verdade; o Ministro Palocci fala em R$256,00; Lula fala em R$260,00. E, qualquer coisa acima disso, lá vem o maniqueísmo, que é irresponsabilidade. V. Exª dirá que tenho razão. Perguntarei ao Presidente Lula: Senhor Presidente, o máximo são R$260,00? Se propuser R$260,10 serei irresponsável? Sua Excelência vai dizer-me que não. Então perguntarei: por que Vossa Excelência não propôs o máximo para conseguir o mínimo? Por que não propôs R$260,10? Pare de ser dono da verdade. Essa história de proprietário da verdade só está dando confusão e trazendo desgaste para o Governo. A meu ver, o Governo está valendo-se de pesquisas camaradas. Quanto a observamos o interior das pesquisas, vemos que há uma queda qualitativa a cada momento. Apenas 7% dos eleitores brasileiros - na última pesquisa Censo da qual o Governo gostou tanto, apesar dos resultados medíocres - se dispõem a votar em um candidato por ser recomendado pelo Presidente Lula. É um quadro grave. É bom alertar o Ministro José Dirceu. Precisamos dizer-lhe: V. Exª entende bastante dessa coisa de deputado para cá, senador para acolá, ministério para um, diretoria para outro, mas de economia, não. Não há crise alguma no mundo. Está havendo um rearranjo. Este está só alavancando o Brasil. A médio prazo, pode ser muito bom, basta o Brasil mostrar solidez. Como vai mostrar solidez? Sabendo criar um clima confiável para o investidor. Então, é bom parar de falar tolices sobre a questão microeconômica. É bom mostrar uma economia movimentada também pela ação administrativa. V. Exª, que tem capacidade de criar, traz algo muito sugestivo. É muito interessante o que V. Exª diz. Quero afirmar que sua idéia o Governo certamente refugará. Vai alegar várias razões. Devo dizer-lhe que o problema nem está nos R$260,00. Há uma diferença entre o que proponho, com muita segurança técnica, para os R$275,00. Quinze reais é pouco, mas entendo que é possível. Tenho a minha convicção e já a sustentei na Comissão. Pena que o pessoal do Governo não foi lá para defender sua posição. Veja, Senador Cristovam Buarque, a verdade é que o que está pegando mesmo são as promessas mirabolantes. Poderia dizer R$260,00 e vão ser R$260,00, e vamos enfrentar o desgaste, porque depois o Brasil melhora. Sua Excelência poderia dizer isso. Mas não. É que as pessoas na rua estão se lembrando do Presidente que queria e dizia que ia fazer, era o homem que batia no peito e fazia tudo, o mágico Lula, enfim, que ia dobrar o valor de compra real do salário mínimo em quatro anos. No ritmo que ele vai - 1,7 num ano; 1,2, no outro - foi o contrário, de ganho real, precisaria de outro mandato, não; precisaria de 57 anos para, nesse ritmo, dobrar o valor de compra do salário mínimo. Eu diria que V. Exª está tratando com seriedade, também procuro agir assim esse tema, e vejo um Governo acuado entre o que ele imagina que são as suas possibilidades e as promessas mirabolantes das quais ainda não se desobrigou. Podia, pela televisão, pedir desculpas e dizer: errei, pequei, porque ganhei votos sem merecê-los. Mas não faz a autocrítica e quer o Brasil inteiro se adapte ao new look: um dia, aparece com o cabelo de uma cor; outro dia, com outra; um dia, aparece com um coração de uma cor; outro dia, aparece com um cérebro de outra cor; um dia, aparece com uma ideologia assim; outro dia, com uma ideologia assada, e quer que as pessoas se adaptem cada vez mais ao “Lula Look”. Entendo que é preciso abordar com a seriedade e sinceridade que V. Exª tem essa questão do salário mínimo, que é nevrálgica para o povo. Parabenizo V. Exª, porque é de fato uma contribuição importante discutirmos outras formas de se compensar o trabalhador do mínimo e mais, até aqueles que não são trabalhadores do mínimo; aqueles que são os desvalidos tradicionais de um País que se tornou injusto quando aqui distribuíram as primeiras sesmarias. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Agradeço ao Senador Arthur Virgílio.

Sr. Presidente, para concluir, lembro que não apenas os países citados pelo Senador Arthur Virgílio, mas muitos outros estiveram em crise naquela época, como a Rússia, a Tailândia e a Coréia do Sul, e todos têm algo em comum. Passada a crise, eles retomaram o funcionamento normal das suas sociedades porque eles tinham dado o choque social com antecedência em seus países.

A Argentina que há três anos pensávamos que ia se acabar como país, em cinco anos, terá superado, sem dúvida alguma, a situação que o Brasil está hoje. A Rússia, que há pouco era um país que se desfazia, já está hoje em situação melhor. A Turquia, que até há pouco tempo era atrasado em relação a nós, hoje já tem sinais melhores. Por quê? Porque deram choque social.

Concluo, Sr. Presidente, lembrando que, se não houver um fechamento de questão que me force, pela disciplina partidária, a votar como o Partido determina, não votarei em R$275,00, R$300,00 ou R$260,00 se esse salário mínimo não vier acompanhado de um choque social para trazer as vantagens verdadeiras para o trabalhador e para aquele que nem trabalhador brasileiro conseguiu ser ainda devido ao desemprego.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/2004 - Página 14739