Discurso durante a 57ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a matérias publicadas na imprensa brasileira que fazem alusão ao episódio da expulsão do jornalista americano Larry Rohter, do The New York Times.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Comentários a matérias publicadas na imprensa brasileira que fazem alusão ao episódio da expulsão do jornalista americano Larry Rohter, do The New York Times.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/2004 - Página 14923
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, NOTICIARIO, IMPRENSA, ESPECIFICAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, AUTORITARISMO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CASSAÇÃO, VISTO PERMANENTE, JORNALISTA, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA, MOTIVO, ACUSAÇÃO, CONDUTA, CHEFE DE ESTADO, DESRESPEITO, LIBERDADE DE IMPRENSA.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a imprensa brasileira abre grande espaço, nesse final de semana, para a repercussão do que consideram, os jornais e a sociedade, o grave e ditatorial ato do Presidente Lula, que resolveu “Expulsar o jornalista americano Larry Rohter, do The New York Times, usando uma lei do tempo da ditadura militar significa desembainhar uma espada sobre a cabeça de todos os correspondentes estrangeiros baseados no Brasil e, no limite, o cerceamento à própria atividade profissional dos jornalistas brasileiros”.

A revista Veja, logo na abertura da edição desta semana (datada de 19-05-2004), observa que “se o presidente Lula se sentiu atingido pela reportagem de Larry Rohter, que tomasse as medidas judiciais ao alcance de qualquer cidadão. Ao cassar o visto do jornalista, Lula confundiu sua pessoa com o Estado brasileiro, como se a figura do presidente fosse um dos elementos desse Estado. Como bem lembrou o advogado Sergio Bermudes, não é. Elementos do Estado são o povo, a soberania e o território.”

Leio, para que, como parte integrante deste pronunciamentos, as matérias a que faço alusão passem a constar dos Anais do Senado da República. Tais matérias seguem abaixo:

O triunfo do erro

O episódio da cassação do visto do correspondente do jornal The New York Times no Brasil, Larry Rohter, representou um golpe contra um dos pilares da democracia: a liberdade de imprensa. Ao contrário do que escreveu na Folha de S. Paulo o porta-voz da Presidência da República, o André Singer, um dos idealizadores da funesta decisão do governo, trata-se de um princípio que garante, sim, a possibilidade de que um jornal ou revista publique notícias ou opiniões cujos atingidos considerem irresponsáveis. Para dar conta das eventuais ofensas, existe o recurso à Justiça comum, à qual cabe julgar se houve dano, determinar sua extensão e estabelecer a reparação correspondente. Expulsar o jornalista americano usando uma lei do tempo da ditadura militar significa desembainhar uma espada sobre a cabeça de todos os correspondentes estrangeiros baseados no Brasil e, no limite, o cerceamento à própria atividade profissional dos jornalistas brasileiros. Ao fazer isso, o governo avoca a si o direito de dizer quais são os assuntos que podem ser abordados e quais não. Sob esse ponto de vista, a cassação do visto de Larry Rohter nada mais é do que uma forma de censura.

A liberdade de expressão e de imprensa é assegurada pela Constituição brasileira promulgada em 1988. Ela ganhou pela primeira vez a moldura de um imprescindível instituto democrático em 1791, com a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Não surgiu por favor dos poderosos, e sim por obra dos que se entregaram à luta pelo direito de opinião e de informação. Um dos primeiros foi o poeta inglês John Milton. Em sua Areopagítica, de 1644, ele defendeu a idéia de que um autor podia ser processado criminalmente. Mas Milton deixou claro que eles não podiam ser cerceados ou seus escritos censurados, pois, nas sociedades civilizadas, a verdade sempre triunfaria sobre o erro. Se o presidente Lula sentiu-se atingido pela reportagem de Larry Rohter, que tomasse as medidas judiciais ao alcance de qualquer cidadão. Ao cassar o visto do jornalista, Lula confundiu sua pessoa com o Estado brasileiro, como se a figura do presidente fosse um dos elementos desse Estado. Como bem lembrou o advogado Sergio Bermudes, não é. Elementos do Estado são o povo, a soberania e o território - e nenhum deles foi ameaçado pela reportagem do correspondente do New York Times. A decisão do governo é, assim, o triunfo do erro sobre a liberdade de expressão.

 

Diogo Mainardi

Abstinência da razão

"A vida pública nacional é uma mistura

de hipocrisia, conchavo e acobertamento.

Pior ainda é essa gente que nos governa"

Não sei se o desempenho de Lula é afetado pelo consumo de álcool. Pode ser que sim, pode ser que não. Não descarto inclusive que tenha um efeito benéfico sobre ele. Se Lula parar de beber, nada garante que não decrete moratória na mesma hora. O correspondente do New York Times não disse que o presidente bebe demais. Não disse que o álcool afeta seu desempenho. Não disse que essa é uma preocupação nacional. A única referência nesse sentido está contida no título da reportagem. Lula só leu a primeira linha, aquela com letras bem grandes. O que o correspondente do New York Times disse foi apenas que alguns políticos e jornalistas começam a se perguntar se o hábito de beber do presidente não estaria afetando sua capacidade de governar. Não há nada de errado em se perguntar uma coisa dessas. Errado seria não se perguntar. Nas rodas de políticos, nas redações de jornais, em reuniões de empresários e no cineminha do Alvorada, é comum ouvir essa preocupação. Pode ser injusta, pode ser ofensiva, mas está lá, correndo à boca pequena.

Lula disse que um presidente não tem de responder a sandices como a do correspondente do New York Times. Claro que tem. Não é sandice nenhuma. Pelo contrário. Considerando que a imprensa não se cansa de retratá-lo com um copo na mão, é perfeitamente legítimo o interesse em saber quantas doses de uísque ele toma, e se isso pode prejudicar seu desempenho. Na realidade, não há nenhuma pergunta que não possa ser feita a um político. E não há nenhuma pergunta que um político possa se recusar a responder. Lula não admite isso. Acostumou-se com uma imprensa que está sempre a seu serviço, domesticada, oferecendo cumplicidade. O espanto do presidente foi tão grande que a melhor reação que lhe ocorreu foi anular o visto do correspondente do New York Times e chutá-lo para longe do país. É a atitude mais ignóbil da história do Brasil democrático. Lula agiu como a rainha de copas de Alice no País das Maravilhas, que manda cortar a cabeça de quem a contraria.

O presidente pode deportar quem ele quiser, mas isso não altera o fato de seu consumo de bebidas alcoólicas ser um tema político relevante. Em primeiro lugar, o gosto por uma cachacinha foi usado como peça de propaganda eleitoral, reforçando sua imagem popular, contraposta à do pedante Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, rendeu-lhe votos. Em segundo lugar, coloca-o na mão dos políticos. Quem espalha aos jornalistas que o presidente bebeu nesta ou naquela reunião reservada são os deputados e senadores dos partidos aliados. Qual o motivo? Não seria para enfraquecer o governo e, dessa forma, forçar a liberação de emendas e a nomeação de seus apadrinhados para órgãos públicos? O copo de uísque do presidente, nesse caso, teria um preço elevado para o contribuinte.

O New York Times feriu o orgulho pátrio. Políticos e jornalistas saíram em defesa do presidente, condenando a reportagem. Os mesmos políticos e jornalistas que, em privado, trocam comentários maliciosos sobre o assunto. A vida pública nacional é uma mistura de hipocrisia, conchavo e acobertamento. Pior ainda é essa gente obtusa e truculenta que nos governa. Guido Mantega disse que o New York Times obedece a interesses econômicos estrangeiros. Luiz Gushiken alertou contra ameaças à soberania nacional. José Genoíno sugeriu expulsar o correspondente do jornal, idéia prontamente acatada pelo presidente. Como sempre, descambamos para o nacionalismo autoritário. Como sempre, caímos na bananice. Como sempre, erramos do começo ao fim.

Governo

Afasta de mim esse cálice

Impulsividade de Lula e assessores

tresloucados transformam uma questão

prosaica criada por reportagem do

New York Times em uma grande crise

Leandra Peres  

Na semana passada, o governo conseguiu provar que é capaz de transformar até seus melhores momentos em crises de grandes proporções. Isso requer um certo esforço. Depois que o jornal The New York Times, o diário mais influente dos Estados Unidos, publicou reportagem de meia página, em sua edição de domingo 9, dizendo que o consumo de bebida alcoólica pelo presidente Lula virara "preocupação nacional", o governo viveu um raro momento de unanimidade. Até os adversários se levantaram em defesa do presidente. "Conheço o Lula há trinta anos e não vejo nenhuma razão para o jornal fazer tal suposição", afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que classificou a reportagem de "leviana". "O presidente tem nossa total solidariedade. A reportagem é injusta e maldosa", disse o governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin. Na terça-feira, quando o interesse pelo assunto já estava minguando e quase ninguém mais parecia interessado no mexerico, o Palácio do Planalto anunciou a decisão de expulsar do país o autor da reportagem, o jornalista Larry Rohter, 54 anos, que trabalha no Brasil desde os anos 70.

Com a reação autoritária e exagerada, o governo virou o jogo contra si de forma espetacular. Até os aliados reagiram mal. "Não foi a melhor resposta", disse o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, que, junto com outros senadores, formou uma comitiva para apelar ao presidente para que retrocedesse. Em vão. Numa cena que só a esquizofrenia petista parece capaz de exibir, até o assessor de imprensa de Lula, o jornalista Ricardo Kotscho, deu entrevista dizendo que, por disciplina, acatava a decisão do governo, mas confessou abertamente que não concordava com ela. Os principais jornais do mundo ignoraram a peça de Rohter e não comentaram os hábitos etílicos do presidente. Por obra e graça da reação descabida do governo, o assunto acabou ganhando dimensão planetária. Na terça-feira, segundo um levantamento preparado pelo próprio Planalto, o assunto saíra sem muito destaque em apenas sete jornais, a maioria da América do Sul. Na quarta, após a decisão de expulsar o jornalista, a notícia estava em 26 jornais. Até no Khaleej Times, dos Emirados Árabes Unidos. No dia seguinte, aparecia em 38 títulos, inclusive na Xinhua, a agência de notícias da China, para onde Lula embarcará nos próximos dias. Em todas as reportagens estrangeiras ouvia-se o eco de uma indagação constrangedora - e ela não tinha nada a ver com a questão de quanto e com que freqüência Lula bebe. A indagação era bem pior: será que o Brasil retrocedera ao estágio de uma republiqueta latino-americana dirigida por um ditadorzinho caprichoso e impulsivo?

Sintomaticamente, nenhum ministro veio a público defender o governo. José Dirceu, que fala até do que não deve, silenciou. Antonio Palocci ficou calado com receio de trair em público sua convicção de que a medida foi absurda. O ministro Luiz Gushiken foi o mais empolgado defensor da expulsão por ver, delirantemente, na reportagem de Rohter a peça de uma vasta conspiração da Casa Branca contra o Brasil e Lula. A análise de Gushiken não é apenas lisérgica. Ela embute uma visão de mundo em que não parece existir lugar para a imprensa livre e independente. O New York Times seria o último jornal americano a fazer algum tipo de dobradinha com o governo de George Bush. O jornal faz oposição sistemática e declarada ao ocupante da Casa Branca. Nos últimos meses, em reportagens e artigos de seus colunistas, entre outros adjetivos pejorativos, descreveu George W. Bush como "iletrado", "desorientado", "maria-vai-com-as-outras", "bélico" e "o maior responsável pela onda de antiamericanismo que se espalha pelo mundo". Gushiken insistia na quarta-feira: "No Japão, se um jornalista ofendesse o imperador também seria expulso". Outro defensor da expulsão do jornalista foi o porta-voz da Presidência André Singer. Na quinta-feira, em artigo publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, Singer teceu uma antologia de disparates e, como quem acredita em miragem, disse que o governo tinha de restaurar um "ambiente de responsabilidade" no país.

O Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em viagem à Suíça, deu entrevista dizendo que só falaria do caso quando voltasse ao Brasil e tomasse pé dos detalhes. Era puro disfarce. Na verdade, desde o primeiro momento, o ministro empenhou-se nos bastidores em negociar uma saída honrosa para ambos os lados. Ao saber que o escritório de advocacia Pinheiro Neto fora contratado pelo New York Times para tratar do assunto, Thomaz Bastos entrou em ação. De Berna, na Suíça, ligou para seus velhos colegas do Pinheiro Neto e começou uma negociação que duraria três dias. De início, combinou-se que os advogados escreveriam uma petição ao Ministério da Justiça solicitando a reconsideração do cancelamento do visto do jornalista americano. A petição foi escrita em São Paulo, submetida aos advogados do jornal em Nova York e ao ministro em Berna. Nada menos que seis versões percorreram o circuito São Paulo-Nova York-Berna. Na última versão, o ponto que interessava ao governo era o item 7.

Nesse trecho, o jornalista Larry Rohter diz que "jamais teve a intenção de ofender a honra" do presidente e reafirma seu "profundo respeito pelas instituições democráticas brasileiras, incluindo a Presidência da República". Em seguida, a carta afirma que Rohter limitou-se a "veicular comentários" e não fez "nenhum juízo de valor" sobre os hábitos de Lula. Lamenta que a repercussão da reportagem tenha causado constrangimento ao presidente e, como costuma acontecer nesses entreveros internacionais, joga a culpa nos tradutores ao dizer que, na sua opinião, a versão do texto para o português não foi fidedigna - "o que pode ter causado a ampliação do mal-entendido". Na noite de sexta-feira, Lula decidiu aceitar a carta do jornalista, concordou em rever sua decisão e deu o assunto como encerrado. O desfecho do episódio mostra que, felizmente, Lula não tem apenas assessores tresloucados a aconselhá-lo. Márcio Thomaz Bastos esforçou-se com sucesso para não manchar sua biografia de jurista e democrata com a nódoa do banimento de um jornalista. O último caso parecido ocorreu em 1970, no auge da ditadura, quando o general Emílio Garrastazu Médici expulsou um correspondente da agência de notícias France Presse que publicara no exterior a lista dos presos políticos que um grupo guerrilheiro queria libertar em troca da soltura do embaixador suíço seqüestrado. Até a semana passada, nunca um governo democrático no Brasil expulsara um jornalista.

A decisão de Lula de considerar o assunto página virada esvaziou o lado agudo da crise. Outras facetas do episódio, porém, permanecem inalteradas. A principal é a de que claramente os mecanismos de decisão do governo Lula têm vários parafusos soltos. O governo conseguiu armar uma tempestade em copo d'água a partir de uma questão que poderia ter sido resolvida com elegância e até um pouco de humor. Que tal terem convidado Rohter para tomar uns drinques na Granja do Torto? Se fosse o caso de ser ferino, os assessores do presidente poderiam ter dito ao correspondente americano que um de seus ex-colegas, o notório Jayson Blair, também seria bem-vindo. Como se sabe, Blair é o jornalista que durante anos publicou matérias fantasiosas e inteiramente inventadas no New York Times, o que o levou a ser demitido e o jornal à maior crise de credibilidade da sua história. O Planalto, porém, agiu como se a reportagem tivesse pinçado um nervo exposto ao sugerir que a bebida interfere no discernimento do presidente Lula e que isso é uma preocupação nacional. Que não é preocupação nacional é fato. Os brasileiros de maneira geral davam a esse tema o mesmo grau de preocupação que destinam à diminuição do tamanho dos biquínis nas praias. Na elite, entre políticos e empresários, o assunto sempre foi comentado em tom de mexerico, sem que aparecessem histórias factuais que sustentassem essa versão. Também não existe nenhuma evidência de que a bebida consumida por Lula interfira na sua atuação como presidente.

Lula chegou ao topo da carreira política sendo em todas as fases uma pessoa que os brasileiros definem como "bom de copo". Para uma imensa parcela da população brasileira, isso equivale a um elogio tão formidável quanto "bom de cama". Como presidente, Lula tem bebido menos do que sua média histórica, que, como todos os seus companheiros e amigos sabem, ultrapassa sensivelmente o que se convencionou chamar de "beber socialmente". Além de beber bem menos agora, o presidente se preocupa com sua imagem. "Não sou nenhum alcoólatra, todos sabem que bebo prazerosamente. Bebo e fumo", comentou Lula na quinta-feira, ao receber a comissão de senadores que lhe pediu para voltar atrás na vendeta contra o jornalista americano. Em seguida, Lula tocou no ponto central: "Ninguém pode dizer que tomei uma decisão de governo porque bebi ou não bebi".


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/2004 - Página 14923