Discurso durante a 56ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Conflitos entre fazendeiros e índios no município de Espigão do Oeste, Estado de Rondônia.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA. POLITICA MINERAL.:
  • Conflitos entre fazendeiros e índios no município de Espigão do Oeste, Estado de Rondônia.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2004 - Página 14593
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA. POLITICA MINERAL.
Indexação
  • REGISTRO, SITUAÇÃO, MUNICIPIO, ESPIGÃO D'OESTE (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO), PROBLEMA, RESERVA INDIGENA, GARIMPAGEM, DIAMANTE, VINCULAÇÃO, CONFLITO, ARMAMENTO, INDIO, DESEMPREGO, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), OBSTACULO, RESOLUÇÃO, CONFLITO, DENUNCIA, ADULTERAÇÃO, MAPA, TERRAS INDIGENAS, PRESENÇA, DIAMANTE, PROIBIÇÃO, LEVANTAMENTO DE DADOS, PROVOCAÇÃO, FALTA, CONHECIMENTO, POSSIBILIDADE, EXPLORAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, EXPLORAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, CRIAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXTRAÇÃO, RECURSOS MINERAIS.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente. Quem está no art. 17 é porque já falou muito durante a semana, não é?

Agradeço, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de voltar ao tema abordado ainda há pouco pelo nobre Senador Mozarildo Cavalcanti, Presidente da Comissão que investiga as questões fundiárias, sobretudo em reservas indígenas em nosso País. Estamos também fazendo um trabalho sobre a situação crítica em que se encontra o Estado de Rondônia, mais precisamente o Município de Espigão d’Oeste, onde várias pessoas já foram ouvidas. Tivemos esta semana o depoimento muito importante da Prefeita Lúcia Teresa, de Espigão d’Oeste, e do Sr. Walter Bloss, que foi o depoimento mais difícil tanto da Comissão Externa da Câmara dos Deputados quanto da Comissão do Senado da República.

Sr. Presidente, o juiz titular da Comarca de Espigão d’Oeste, Rondônia, Dr. Leonel Pereira da Rocha, declarou na Câmara dos Deputados e na Comissão do Senado que considera a região onde se encontra a reserva Roosevelt, da etnia Cinta-Larga, onde se está localizada a jazida de diamante, uma terra sem lei. Tornou-se, depois do embate no garimpo de diamantes, uma verdadeira terra sem lei.

De acordo com o magistrado, na reserva indígena Roosevelt índios da etnia Cinta-Larga estão fortemente armados com armamento pesado. “Enquanto os índios continuarem armados”, observa, “os conflitos continuarão”.

“Lá se mata, se sabe quem mata, mas não se punem os assassinos”, disse o Juiz durante audiência pública na Comissão da Amazônia e Integração Nacional realizada recentemente na Câmara dos Deputados e repetiu na Comissão do Senado, para debater os recentes conflitos que resultaram na morte de 29 garimpeiros na reserva Roosevelt dos Cinta-Larga, tudo em função da cobiça, Sr. Presidente, pelos diamantes. Lá havia garimpeiros de São Paulo, do Espírito Santo e de vários outros Estados brasileiros. Tudo foi também em função do desespero decorrente da falta de emprego em nosso País. Esses garimpeiros pais de família, entraram na reserva mesmo sabendo da ilegalidade. Tanto para os índios quanto para os garimpeiros o garimpo ainda é ilegal. Enquanto o Senado da República, enquanto a Câmara dos Deputados, enquanto o Governo Federal não regulamentarem a situação, tendem a continuar esses atos de violência na região.

Não estamos aqui para condenar. É claro que quem matou, quem assassinou deve ser condenado pela Justiça. Mas, fora isso, não estamos aqui para incriminar, para condenar garimpeiros ou índios. Todos, na verdade, estão com a razão. Os índios não têm dinheiro. A Funai não tem dinheiro. Os garimpeiros estão desesperados, porque não têm emprego. E continuam os conflitos por aí afora.

Leonel Pereira, nosso Juiz de Direito da Comarca de Espigão d’ Oeste, relatou aos Parlamentares da Comissão que a Fundação Nacional do Índio -Funai, nunca se interessou - e isso é muito grave - em colaborar com a Justiça local. Segundo ele, recentemente cinco ofícios foram encaminhados à Fundação, solicitando o depoimento de índios, em função das mortes, mas nenhum foi respondido. “A Funai não responde nada”, reclamou o Juiz.

O presidente do Sindicato de Garimpeiros de Rondônia, Paulo Roberto Borges de Oliveira, também questionou a atuação da Funai na reserva. Para ele, a instituição impede o cumprimento de mandados de prisão e interfere no andamento das investigações. Afirmou: “A Funai criou um país dentro de um país” - na verdade, vários países, que são as etnias indígenas no Brasil - “onde a Polícia Federal e o Poder Judiciário não conseguem entrar”. 

Um dos garimpeiros ouvido na Comissão, que diz ter presenciado o massacre ocorrido na reserva, denunciou a participação de funcionários da Fundação em atividades que acirram os conflitos entre índios e garimpeiros.

Sr. Presidente, essa situação tem que acabar. O Governo brasileiro tem que, urgentemente, colocar um fim a essa situação.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Valdir Raupp, V. Exª me permite um aparte?

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Valdir Raupp, quero interferir no pronunciamento de V. Exª para dizer que a iniciativa de V. Exª, no sentido de requerer que a Comissão Temporária Externa do Senado Federal fosse até Rondônia investigar esse lamentável episódio que resultou na morte de mais de duas dezenas de garimpeiros. Isso confirma o acerto da iniciativa do Senado em criar a Comissão. Inicialmente, a finalidade era verificar os problemas em Roraima, depois foi a Mato Grosso do Sul, onde constatou uma ação típica de guerrilha, em que se invadiram quatorze pequenas propriedades, queimaram-se sedes de propriedades, expulsando os proprietários. Eram índios que viviam ali, lado a lado, sem maiores problemas. Ao mesmo tempo, em Santa Catarina, índios que viviam ao lado dos pequenos agricultores mataram o presidente do sindicato rural. Quer dizer, estão ocorrendo em vários Estados da Federação fatos sobre os quais a Nação deveria ser alertada. A Comissão também visa a cobrar do Senado uma postura que já deveria ter sido tomada há muito tempo. Justamente por ficarmos meio anestesiados, hoje 12% do território nacional estão demarcados para reservas indígenas para abrigar uma população indígena que corresponde a 0,2% da população brasileira. Mas a questão nem é a de haver muita terra para poucos índios. É que, coincidentemente, as terras indígenas estão em cima de reservas minerais. A eclosão do conflito é questão de tempo. Trata-se de uma “bomba relógio” que explodirá a qualquer momento. A ida da Comissão do Senado a Rondônia, por requerimento de V. Exª, é muito oportuna e vai colaborar para que nós possamos fazer um diagnóstico mais amplo de toda esta questão e possamos, daqui do Senado, produzir uma legislação que ponha a questão indígena nos trilhos e que, principalmente, o Governo brasileiro assuma o comando da política indigenista brasileira.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - Obrigado a V. Exª, nobre Senador Mozarildo Cavalcanti. Neste momento, eu quero parabenizar V. Exª pelo brilhante trabalho que vem fazendo frente à Presidência de Comissão tão importante. Nós não queremos - nem V. Exª, nem eu, nem ninguém - nenhum mal para os índios. Nós queremos é uma convivência pacífica entre índios e homens brancos. A demarcação da reserva é necessária. Aliás, tenho recebido denúncias de que agentes ou chefes de postos da Funai espalhados pelo Brasil alteram mapas dentro de escritórios - e estou falando isto porque recebi denúncia por escrito - mudam divisas das reservas e depois começam a brigar com apoio das ONGs - Organizações Não Governamentais, para que a reserva seja ampliada, gerando conflitos entre índios, garimpeiros ou donos de pequenas ou grandes propriedades. Quando se fala que a Funai é muitas vezes responsável por conflitos, eu concordo.

Ainda o juiz Leonel Pereira lembrou que relatório da Polícia Federal, elaborado em 2001, denunciou que havia no local do garimpo 2 mil homens. “Na época”, diz ele, “uma mega-operação foi realizada na reserva, mas em pouco tempo a exploração de diamantes foi reativada”.

O juiz defende a intervenção federal como única forma de coibir atividades ilegais e novas mortes na região.

Segundo o presidente do Sindicato dos Garimpeiros de Rondônia, existem registros documentais que dão conta que em 1950 a exploração de diamantes já ocorria na região. Quer dizer, há mais de 50 anos já há exploração de diamantes nessa reserva.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, segundo Humberto Medina e Eduardo Scolese, do jornal Folha de S.Paulo, a Funai teme que um novo conflito, envolvendo índios e garimpeiros ocorra na terra indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima, lá, Senador Mozarildo, na sua região.

Mapas de recursos minerais do Ministério das Minas e Energia registram ocorrências de diamantes na região. Para a Funai, a informação pode provocar uma corrida de garimpeiros ao Estado, inflando ainda mais o atual foco de tensão na reserva.

Em abril, justamente por causa da exploração de diamantes, ao menos 29 garimpeiros foram assassinados por índios na Reserva Roosevelt, em Rondônia.

Segundo o Ministério de Minas e Energia, em algumas regiões do País, incluindo Rondônia e Roraima, a ocorrência do mineral coincide parcialmente com as reservas indígenas. Essa é uma questão que nos tem intrigado muito porque as grandes reservas de diamante e de ouro estão plantadas dentro das reservas indígenas.

O registro de ocorrência de diamantes, porém, não significa que haja uma jazida relevante. Indica apenas que já foram encontrados diamantes na região. Para ter uma noção mais clara do potencial, é preciso fazer um levantamento técnico - uma atribuição do Governo Federal, por meio da CPRM - Serviço Geológico do Brasil.

Depois desse estudo, poderia iniciar a fase na qual os técnicos chamam de “pesquisa”, que é feita por empresas interessadas na extração, mediante autorização do Governo Federal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no início dos anos 80, o governo parou de fazer levantamento sistemático do potencial de recursos minerais. Em áreas indígenas, esse levantamento não foi realizado por outro motivo: proibição tácita da Funai, que proibiu há muito tempo esses estudos dentro das reservas. O órgão se defende e diz que permite estudos científicos nas áreas, vetando apenas as prospecções.

Isso significa que a discussão sobre a regulamentação da exploração de minérios em terras indígenas está sendo feita “no escuro”. O Governo não sabe exatamente qual o potencial de recursos minerais disponíveis.

O Ministério de Minas e Energia é favorável à exploração, desde que os índios tenham participação. Um projeto nesse sentido tramita no Congresso desde 1996.

Apesar da falta de detalhamento sobre o potencial a ser explorado em terras indígenas, o DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral, ligado ao Ministério de Minas e Energia, já registrou vários pedidos para exploração nessas áreas, principalmente na região amazônica.

O Governo sabe, apesar da falta de estudos aprofundados, que nas áreas do alto rio Negro há potenciais focos de extração de estanho. Sabe também que em regiões do Amapá e de Roraima há muito ouro.

De acordo com o Secretário de Minas e Metalurgia do Ministério de Energia, o Brasil tem apenas 10% de sua área mapeada em detalhes. “A pesquisa que o governo fazia, a pesquisa básica, foi realizada até o início dos anos 80. Depois não houve mais recursos.” O dinheiro vinha de um fundo setorial, o FNM - Fundo Nacional de Mineração. Segundo Azevedo, os investimentos anuais em pesquisa chegaram a US$55 milhões. Agora, são apenas de US$3 milhões. Ele afirmou, no entanto, que o governo está retomando os investimentos.

O Governo ainda não definiu se vai editar uma medida provisória para regulamentar a exploração de minério em terras indígenas ou se vai propor o andamento do projeto que está parado há 8 anos no Congresso Nacional.

Faço aqui um apelo às autoridades federais, à Ministra das Minas e Energia, ao Diretor do DNPM, a toda a equipe do Governo Federal, para que se empenhem para aprovar esse projeto no Congresso o mais rápido possível, ou que o Governo mande uma medida provisória regulamentando essa questão do garimpo em terras indígenas, a questão da extração mineral em terras indígenas, sob pena de termos em breve mais conflitos. Porque os garimpeiros não vão parar, estão desesperados, sem emprego, a cobiça é muito grande. Os índios também aprenderam a ganhar dinheiro. Já tem índio capitalista. Há caciques nessa reserva em Rondônia que são verdadeiros capitalistas.

Segundo depoimentos nesta Casa e na Câmara dos Deputados, um cacique comprou uma casa por R$4 milhões em Espigão d´Oeste. Não conheço, em Rondônia, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nenhuma casa de R$4 milhões, nem mesmo na capital, nem em Ji-Paraná, nem em Vilhena, nem nas principais cidades de Rondônia. Eu acho que no Norte do Brasil não vamos encontrar nenhuma mansão, nenhuma casa de fazendeiros, de industriais que valha R$4 milhões. O cacique comprou uma casa em Espigão d´Oeste por R$4 milhões. Os índios hoje já são capitalistas também. Essa coisa não vai acabar tão fácil se não houver uma intervenção séria, pesada, do Governo Federal.

Segundo informações do Ministro Jorge Armando Félix, da Segurança Institucional, o Governo sinalizou que pretende regulamentar a exploração de minérios em áreas indígenas. E é isso que esperamos o mais rápido possível. O interesse é compartilhado pelo Ministério da Justiça, que disse que há estudos conjuntos com a Segurança Institucional para propor a regularização de atividades de mineração nas reservas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acreditamos que a melhor solução para resolver o conflito na reserva Roosevelt, em Rondônia, está na participação de uma empresa do Governo Federal, da Caixa Econômica Federal, a contratação dos garimpeiros para a exploração dos diamantes, tendo eles a participação nos lucros, com os índios recebendo os royalties que lhes são de direito.

Todos poderão trabalhar nessas reservas, explorando, desde que haja uma regulamentação, que vai ser boa para os garimpeiros, que vai ser boa para os índios, que estão sem dinheiro também na maioria das reservas brasileiras, e que vai ser boa para o Governo. Quem sabe uma empresa estatal, operando junto com os índios, com os homens brancos, poderá render divisas para sustentar a Funai em todo o território brasileiro.

Sr. Presidente, muito obrigado pela generosidade e pela compreensão do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2004 - Página 14593