Discurso durante a 56ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa do sistema de cotas para ascensão à universidade pública. Solicitação de apoio ao projeto de lei de sua autoria, que prevê cotas somente para estudantes que cursem a escola pública desde o ensino básico.

Autor
Antero Paes de Barros (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MT)
Nome completo: Antero Paes de Barros Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Defesa do sistema de cotas para ascensão à universidade pública. Solicitação de apoio ao projeto de lei de sua autoria, que prevê cotas somente para estudantes que cursem a escola pública desde o ensino básico.
Aparteantes
Cristovam Buarque, José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2004 - Página 14598
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, ACESSO, UNIVERSIDADE, ESTUDANTE, ESCOLA PUBLICA, COMPARAÇÃO, ESCOLA PARTICULAR.
  • SOLICITAÇÃO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PERCENTAGEM, VAGA, UNIVERSIDADE FEDERAL, ALUNO, ESCOLA PUBLICA, DEBATE, MELHORIA, EDUCAÇÃO, BRASIL.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, DESVINCULAÇÃO, GASTOS PUBLICOS, EDUCAÇÃO, SAUDE, CALCULO, PAGAMENTO, DIVIDA PUBLICA, ESTADOS, PROPOSTA, FACILITAÇÃO, ACESSO, UNIVERSIDADE, ESTUDANTE, PRIORIDADE, CURSO SUPERIOR, LICENCIATURA, DEFESA, OBRIGATORIEDADE, ENSINO MEDIO.

O SR. ANTERO PAES DE BARROS (PSDB - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, vamos nos empenhar, mas gostaríamos que fosse prorrogada a sessão, porque considero extremamente relevante o tema de que vamos tratar neste momento.

Primeiramente, quero cumprimentar o Presidente Lula, porque o Governo brasileiro anunciou a criação de um sistema que destinará 50% das vagas nas universidades federais a alunos que concluíram o segundo grau em escolas públicas. Esse anúncio foi feito na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Segundo o Presidente, isso significa nada menos que 60 mil vagas, sendo que o sistema de reservas ainda vai promover a igualdade racial no acesso à universidade pública.

Espero que esse programa funcione na prática.

Mas, apesar de cumprimentar o Presidente, tenho pequenas restrições ao que Sua Excelência propõe e também quero registrar que esta Casa já deliberou duas vezes sobre esse projeto.

Na realidade, esse projeto foi um dos meus maiores compromissos na campanha eleitoral de 1998. Apresentei-o no Senado no dia 4 de maio de 1999. No dia 22 de junho de 1999, ele foi aprovado por unanimidade na Comissão de Educação; no dia 2 de setembro de 1999, foi aprovado pelo Plenário do Senado da República; agora, está na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.

Portanto, esse projeto já passou pelo Senado, e deveríamos utilizá-lo em nome da economia processual. São pequenas as diferenças que tem em relação à proposta do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Esse projeto teve origem no pedido que recebi de um taxista, que disse, já me chamando pelo cargo que eu iria disputar, como é de costume: “Senador, ajude-me”. “Por quê?”, perguntei. Ele respondeu: “Sou taxista, ‘tiro de férias’ - ele usou essa expressão - em torno de R$800,00 por mês e me considero um homem frustrado, derrotado”. “Mas o que é isso? Por quê?”, perguntei. Ele, então, disse: “Porque a minha filha passou no vestibular de medicina e não tenho condições de pagar a universidade. O que o senhor pode fazer por mim?” Vi aquele homem que enfrenta a noite, trabalhando como taxista, quase chorando. Olhei para ele e não podia fazer nada. Eu disse que, infelizmente, achava difícil poder fazer algo.

Com certeza, o projeto não vai resolver o problema desse taxista, mas pode resolver o problema dos filhos de outros. Portanto, a idéia nasceu desse debate com um cidadão que não tinha conhecimento sobre educação.

Conversando com alguns companheiros do PSDB, resolvi apresentar um projeto sobre reserva de vagas nas universidades públicas para alunos que fizeram o Ensino Fundamental e Médio exclusivamente na escola pública.

Antes de apresentá-lo, o ex-Ministro Cristovam Buarque foi uma das pessoas que procurei, que à época estava num escritório em Brasília, para discutirmos a idéia, e houve muitos questionamentos acerca do projeto.

Qual a diferença entre o meu projeto e o do Governo? Creio que a diferença é favorável ao nosso, por beneficiar realmente os mais pobres. O meu projeto garante as vagas para os que fizerem os Ensinos Fundamental e Médio na escola pública. Ou seja, exige que o aluno tenha freqüentado escola pública desde o Ensino Fundamental. Se estabelecermos só o Ensino Médio, pode haver agora uma correria dos alunos das escolas particulares para as públicas. E, se estabelecermos desde o Ensino Fundamental, atenderemos a critérios já propostos pelo Senado da República, pelo Presidente desta Casa, Senador José Sarney.

O Senador Cristovam Buarque, ao falar nesta Casa sobre a abolição, lançava, ontem, um desafio ao Senado e dizia uma das maiores verdades que este País precisava ouvir: na distribuição de renda do Brasil, os pobres, os salários mais baixos têm cor, têm a cor negra.

Quem está presente na escola pública são os que não conseguem pagar a escola privada. Quando apresentamos o projeto, classificamos claramente que o que existe no Brasil é um apartheid social, porque o ensino brasileiro é uma coisa de classe. Parece que é organizado na estrutura da luta de classe: o filho do carpinteiro é carpinteiro, o do pedreiro é pedreiro, o do doutor é doutor. O ensino brasileiro, sempre o melhor ensino, é ofertado a quem pode pagar. Não foi assim no passado. Temos que lutar para que não seja assim no futuro. Os Ensinos Fundamental e Médio de melhor qualidade são oferecidos a quem pode pagar uma escola particular. Já nas melhores universidades, que continuam sendo as universidades públicas, entra mais facilmente quem pôde cursar as melhores escolar dos Ensinos Fundamental e Médio, que são escolas privadas.

Algumas críticas que foram feitas ao projeto, com as quais parcialmente até concordo, diziam que essa decisão iria estabelecer uma migração para a escola pública. Mas é o que queremos. A escola tem que ser pública, democrática e de qualidade. Quem é o proprietário do conhecimento, Mão Santa? Para quem vou pagar a conta sobre a raiz quadrada? Para quem vou pagar a conta de um mais um ser igual a dois? Quem é o proprietário desse conhecimento? Esse conhecimento tem que ser socializado; e, se tem que ser socializado, tem que ser público.

Não haverá revolução na educação brasileira sem que o filho do jornalista, do dentista, do professor voltem a cursar a escola pública, porque os que estão hoje na escola pública são os desempregados, os favelados, os beneficiados pelos programas do Governo, cujos pais não têm, mesmo fazendo sacrifício, condições de pagar a iniciativa privada, e esses não têm acesso para gritarem na defesa da educação brasileira.

Não tenho dúvida alguma de que essa migração vai ser ótima, pois vai melhorar a educação no ensino fundamental. Esse projeto precisa fazer com que o Governo brasileiro adote medidas para melhorar o Ensino Médio, para que aumente a cobertura do Ensino Médio.

Tenho um projeto, Senador Cristovam Buarque, que está para ser relatado na Comissão de Assuntos Econômicos. Nesse projeto, estou diminuindo a dívida dos Estados, estou excluindo do pagamento da dívida dos Estados os recursos vinculados constitucionalmente à educação e à saúde. Ao excluí-los, estou estabelecendo o seguinte: o Estado vai deixar de pagar 13% sobre os 25% da educação e vai deixar de pagar 13% sobre os 12% da área da saúde. Mas estipulamos que o Estado que vai ter o benefício do não pagamento da dívida pública para a União deve estabelecer 20% para serem aplicados na educação, nos Ensinos Fundamental e Médio.

Na verdade, temos que ampliar o nosso respeito pela educação. Há pouco, dizia a jornalistas que me perguntaram sobre o assunto que só vamos ter uma educação de mais qualidade quando, no Brasil, tivermos pelo professor o respeito que se tem no Japão. No Japão, só se presta reverência a duas autoridades: ao imperador e ao professor.

Tenho em mão alguns dados, alertando que são referentes a 1999, quando da apresentação do projeto. Estou recorrendo, na verdade, ao meu arquivo. Em 1999, a situação era esta: as universidades públicas ofertavam cerca de 600 mil vagas por ano; 440 mil alunos da rede privada concorrem, 330 mil passam nas universidades públicas; 1,3 milhão de alunos da rede pública concorrem, 270 mil passam. As chances, sem o projeto, são: os alunos da rede pública têm uma chance em 144; os alunos da rede privada têm uma chance em nove.

Uma das críticas é que o projeto elimina a meritocracia. Mentira, não elimina. Com o projeto, os alunos da rede pública terão uma em 41 e os da rede privada terão uma em 14. Esse é outro detalhe importante a ser aperfeiçoado no projeto do Governo, que deve definir 50% das vagas em todos os cursos e em todos os turnos. 

Li uma matéria na revista Veja que afirma que o Di Gênio é gênio porque descobriu que os cursos noturnos das universidades publicas não têm uma grande freqüência e, por isso, começou a abrir vagas na universidade privada.

Portanto, digo que deveremos estabelecer essa obrigatoriedade ao ensino fundamental, como também a obrigatoriedade de ter cursado o ensino médio e definir 50% por curso e por turno, para que esse projeto possa realmente ter os efeitos que desejamos.

Antes de conceder o aparte ao Senador Cristovam Buarque, na minha opinião, senão a maior, seguramente uma das maiores autoridades do País, lembro que, em 1980, 48,2% dos que freqüentavam a universidade pública vinham de escolas públicas. Segundo dados da Fuvest, em 1999, quando fiz o projeto, eram 19,2%. Essa curva está decrescendo, eram 48, em 1980, caiu para 19. Os da escola privada, em 80, eram 38 e, em 2000, passaram para 75,3%.

Ouço o Senador Cristovam Buarque e, posteriormente, o Senador José Jorge.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Sr. Presidente, como vou abrir mão do meu direito de falar e da minha inscrição para que esta sessão não se prolongue por muito tempo, sinto-me no direito de pedir esse aparte para aqui fazer justiça, Senador Antero, lembrando quando V. Exª me procurou. De fato, em 1999, ou 2000, no máximo em 2001, V. Exª me procurou para discutir a sua idéia. Eu não tinha nenhum cargo público. Quero aqui dizer que sempre fui um defensor da quota para negros e, naquele momento, ainda tive dúvidas sobre a sua idéia. Hoje, estou absolutamente convencido de que V. Exª foi pioneiro numa idéia que pode ajudar a revolucionar a educação brasileira, porque, depois de passar pelo Ministério e ver a disputa ferrenha entre universidade, ensino superior e básico, e o desprezo que terminamos dando ao ensino básico, vejo a importância da sua idéia. Tenho sido aqui uma voz, às vezes, muito independente, até crítica ao meu Governo, mas nisso quero aqui manifestar o meu apoio à proposta do Ministro Tarso Genro, dizendo que vale a pena considerar a maneira como V. Exª estabelece a quota desde o ensino fundamental, não apenas no ensino médio. Isso vai provocar uma revolução na maneira como o Governo Federal olha para a educação básica. E, desde já, quero lhe propor um trabalho nosso, grande, de equipe, para aprovar esse projeto, porque ele terá muita resistência, muito lobby contrário das universidades, das escolas particulares, mas juntos poderemos ajudar a levar essa idéia de V. Exª, que o Presidente, por meio do Ministro Tarso Genro, agora traz para esta Casa. Que fique registrado que o nome de V. Exª subscreve essa idéia muito antes do Poder Executivo, como aconteceu - ontem já mencionei - com a Lei da Abolição, que chegou aqui pela Coroa, mas antes foi defendida nesta Casa por muitos Parlamentares.

O SR. ANTERO PAES DE BARROS (PSDB - MT) - Agradeço o aparte de V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Efraim Morais. PFL - PB. Fazendo soar a campainha.) - Senador Antero Paes de Barros, interrompo V. Exª para prorrogar a sessão por mais 30 minutos. Peço a V. Exª a conclusão de seu pronunciamento, evidentemente após ouvir o Senador José Jorge.

O SR. ANTERO PAES DE BARROS (PSDB - MT) - Agradeço o aparte do Senador Cristovam Buarque e quero aqui enfatizar que tenho me colocado como Oposição, como crítico do Governo, mas, neste momento, estou aqui aplaudindo a iniciativa do Governo.

Longe de mim a batalha pela titularidade e pela iniciativa. Perto de mim a batalha pela consolidação da idéia. Não tenho dificuldade em abrir mão da iniciativa para que a idéia seja vitoriosa, apenas acho que o processo legislativo aqui está adiantado e, aproveitando o caminhar do projeto, basta votá-lo na Câmara dos Deputados para que o Presidente sancione. Assim, teríamos uma economia de tempo extraordinária com o Governo podendo sancionar imediatamente essa lei, para que ela possa viger, inclusive, já para o vestibular, para a forma classificatória do ingresso na universidade, a partir de julho.

Senador José Jorge, V. Exª tem a palavra.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Antero Paes de Barros, gostaria de dizer que acompanhei na Comissão de Educação a aprovação do projeto de sua autoria. Hoje pela manhã, inclusive, ao chegar e lhe encontrar, lembrei-me e disse a V. Exª que seu projeto tinha sido reapresentado pelo Governo. Lamento que o Governo não tenha aproveitado sua iniciativa, embora já esteja avançada, já tendo sido aprovada no Senado. Como o Senador Cristovam Buarque falou, penso que esse projeto será de grande importância para a educação brasileira. Sabemos que o ensino médio no Brasil fica meio sem pai nem mãe. No caso do ensino fundamental, há o Fundef, os Governos estaduais e os professores que sempre foram heróis; o ensino superior tem a grande mídia, mas o ensino médio não tem nada. Creio que esse projeto, além do aspecto social, é importante para a melhoria da qualidade do ensino médio, porque muitas pessoas que irão estudar em escola pública, principalmente no interior, pessoas mais influentes na sociedade, lutarão para que a escola melhore. Congratulo-me com V. Exª pelo reconhecimento do seu projeto. Sabemos que iniciaremos uma grande discussão nesta Casa em torno desse projeto, com a colaboração de V. Exª, do Senador Cristovam Buarque e dos demais Senadores. Muito obrigado.

O SR. ANTERO PAES DE BARROS (PSDB - MT) - Agradeço o aparte de V. Exª.

Percebendo a preocupação de V. Exª com relação ao ensino médio, quero dizer que há outro projeto em tramitação. Não será apenas um projeto que resolverá o problema da educação. Medidas devem ser tomadas para resolver o problema. Há um projeto de minha autoria em tramitação nesta Casa, também datado de 1999 - e o Senador Cristovam Buarque também apresentou um projeto semelhante - que objetiva facilitar o acesso à universidade pública para os professores, pois esse é o maior problema do ensino médio.

Cito como exemplo o meu Estado, que tem uma cobertura em torno de 40% do ensino médio, o que é muito baixo. Isso ocorre porque faltam principalmente professores de Física, Química, Biologia e Matemática no interior. Creio que o Governo brasileiro tem que se dedicar a esse aspecto e criar as condições excepcionais para que as pessoas que queiram cursar essas cadeiras - eu diria até todas - tenham prioridade absoluta no acesso à universidade pública e que o acesso ao ensino médio seja, como no ensino fundamental, universalizado.

Universalizando o acesso ao ensino fundamental, poderemos dizer que, no futuro, não haverá analfabetismo no Brasil. Essa conquista do Ministro Paulo Renato tende a fazer com que o analfabetismo seja zero no Brasil. Contudo, precisamos também universalizar o ensino médio.

Agradeço os apartes, em especial, à Senadora Lúcia Vânia por ter cedido o seu tempo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2004 - Página 14598