Discurso durante a 56ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcrição de editorial do jornal O Estado de S.Paulo que critica a expulsão do jornalista americano Larry Rohter, publicado na edição de hoje.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Transcrição de editorial do jornal O Estado de S.Paulo que critica a expulsão do jornalista americano Larry Rohter, publicado na edição de hoje.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2004 - Página 14607
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, EDITORIAL, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), NOTICIARIO, IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, CANCELAMENTO, VISTO PERMANENTE, JORNALISTA, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) -

Cassação do Visto de Rohter Foi Monumental
Erro (Mais Um) do Governo Lula

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a fim de que o historiador do futuro possa ter ao alcance elementos de avaliação do incidente causado pela cassação do visto do jornalista Larry Rohter, leio, para que conste dos Anais do Senado da República, a matéria a respeito, publicada na edição de hoje do jornal O Estado de S. Paulo, incluindo um editorial. Da mesma forma, seguem outras matérias a respeito. São os seguintes os textos.

"Monumental estupidez", diz o Estado sobre expulsão

São Paulo - Ao cancelar o visto do jornalista do The New York Times, o Planalto acabou tratando de forma duplamente calamitosa um assunto que, além de não justificar o alarido a seu respeito, tinha se esgotado. A afirmação é do jornal O Estado de S. Paulo, em editorial na edição desta quinta-feira, sob o título ”Monumental estupidez”.

Leia a íntegra do editorial:

A decisão de cancelar o visto - o que equivale à expulsão - do jornalista Larry Rohter, do The New York Times (NYT), como punição pela reportagem sobre o que o Planalto denominou, eufemisticamente , de "hábitos sociais" do presidente Lula - além de ser, como disse um ministro do STF citado nos jornais de ontem, "uma monumental estupidez" -, indica que ele e o seu círculo íntimo foram tomados por um surto de petismo profundo - os componentes autoritários entranhados no DNA do partido.

O desconforto com os princípios da "democracia burguesa" - tidos como úteis para a ascensão política e um estorvo quando colidem com um projeto ideológico de poder - combinou-se, nesse caso, com outra típica faceta petista: o antiamericanismo. Isso ficou patente no disparate propagado domingo pelo ministro da Comunicação, Luiz Gushiken, de que a matéria do NYT estaria a serviço do supremacismo do governo Bush.

No editorial anterior sobre o caso, o Estado ressaltou que o próprio Lula, conforme se divulgou, recomendara que não se reagisse "com o fígado" a um fato afinal corriqueiro nas democracias, onde a imprensa considera a vida privada dos governantes de interesse público - e nem por isso eles acham que a sua honra pessoal e a dignidade nacional são atingidas quando a mídia aborda aspectos polêmicos de seu comportamento. Mas Lula mudou (ou foi levado a mudar) de idéia. E o Planalto acabou tratando de forma duplamente calamitosa um assunto que, além de não justificar o alarido a seu respeito, tinha se esgotado.

Primeiro, a expulsão do jornalista, com base numa lei da ditadura militar feita para remover do País estrangeiros que lhe causassem problemas, igualou o Brasil aos regimes liberticidas, do Zimbábue de Robert Mugabe a Cuba de Fidel Castro, que merecem dos democratas de todas as tendências apenas absoluta repulsa. Segundo, se o Planalto efetivamente achou que a reportagem trouxe "grave prejuízo à imagem do País no exterior", somou supina ignorância à truculência. Artigos sobre "hábitos sociais" de chefes de Estado não produzem esse efeito: a imagem da Rússia, por exemplo, não mudou porque Boris Yeltsin aparecia no noticiário claramente embriagado.

Tampouco a mídia "repercute", como se diz nas redações, matérias como a de Larry Rohter sobre Lula. Raramente elas são retomadas por órgãos diferentes daqueles que as publicaram. Já a expulsão de um correspondente do The New York Times é notícia no mundo inteiro - e o fato que a motivou estará em todas as emissoras, jornais, revistas e sites na internet que se ocuparem da história - em prejuízo irrecuperável, agora sim, da imagem do Brasil. Ou seja, o Brasil se torna destaque internacional por banir um jornalista do mais respeitado jornal do planeta porque ele escreveu um artigo sobre o consumo de bebida alcoólica do presidente. Não se falará das falhas da matéria, nem se discutirá se ela é "leviana e mentirosa", como quer o Planalto. Mas Lula será estigmatizado - em prejuízo do Brasil.

Não se sabe, no momento em que este comentário é redigido, como o Planalto chegou a essa vergonhosa decisão - a não ser que ela se deu à revelia do ministro da Justiça, que está em Genebra e lá foi informado da decisão do seu ministério pelo correspondente do Estado, Jamil Chade, e não disfarçou a surpresa nem a contrariedade. (Mais tarde, em entrevista à imprensa, o ministro Thomaz Bastos, incorrendo numa gafe, chegou a dizer que o Ato Institucional n.º 5 não está mais em vigor e o jornalista americano pode recorrer à Justiça brasileira, que poderá revogar a decisão do Planalto.) Mas tudo indica que as duras críticas da imprensa e dos políticos, sem distinção, ao trabalho de Rohter, bem como as manifestações gerais de solidariedade a Lula, foram tomadas no governo pelo seu valor de face e como endosso prévio a qualquer retaliação ao jornalista. Na realidade, a mídia brasileira e a oposição foram inclementes com a matéria e generosas com o presidente por levarem em consideração, tacitamente, a peculiar biografia de Lula e o interesse nacional.

Em relação a ele prevaleceu uma atitude de complacência que dificilmente se aplicaria a um presidente oriundo das elites tradicionais - ou seja, o avesso do que o Planalto a todo instante considera "preconceito". Por isso também a eleição de Lula foi cantada em prosa e verso no exterior, inclusive pelo The New York Times. E em relação ao País prevaleceu o senso de responsabilidade política - o mesmo que desde a primeira hora vem poupando o Executivo de ataques mais contundentes, dada a convicção de que, no atual estado de coisas, a ninguém interessa a derrocada do governo Lula.

E pensar que o presidente poderia ter dado a volta por cima chamando o jornalista para um drinque no Alvorada. “

13/05/2004 - 17h44m

Ministro do STJ diz que não se pode submeter liberdade de expressão a 'razões de conveniência'

Jornal Hoje Globo Online

Rio e Brasília - Ao conceder liminar em hábeas-corpus apresentado pelo senador Sérgio Cabral (PMDB - RJ) em favor do correspondente do The New York Times Larry Rohter, o Ministro Peçanha Martins, do Superior Tribunal de Justiça, afirma que "no Estado democrático de direito não se pode submeter a liberdade às razões de conveniência ou oportunidade da administração".

O Ministro argumenta que o Brasil é um Estado democrático e que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva contribuiu com intensa participação política para a instauração da democracia plena no país e se conduz com honra e dignidade. Além disso, afirma o ministro, a imprensa é um dos pilares da democracia e é livre no país a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação.

O Ministro ressalta que o jornalista teve cancelado o visto de permanência no País por ter assinado reportagem dita leviana, mentirosa e ofensiva à honra do presidente e questiona se o Ministério da Justiça poderia fazê-lo. Segundo Peçanha Martins, o ato de concessão ou revogação de visto de permanência no País de estrangeiro, em tese, está subordinado aos interesses nacionais (art. 3º da Lei n. 6.815/80). O visto é ato de soberania e, assim, o relator questiona se, uma vez concedido, poderia ser revogado pelo fato de o estrangeiro ter exercido um direito assegurado pela Constituição - o de externar sua opinião no exercício da atividade jornalística. Peçanha questiona ainda se tal ato administrativo estaria isento do exame pelo Judiciário.

No entendimento do Ministro, "no Estado democrático de direito não se pode submeter a liberdade às razões de conveniência ou oportunidade da administração." E aos estrangeiros, como aos brasileiros, são assegurados direitos e garantias fundamentais pela Constituição descritos no artigo 5º, entre eles o de liberdade de expressão. Por isso, o ministro entendeu que deveria conceder o salvo-conduto, previsto no artigo 201 do Regimento Interno do STJ, até a análise do mérito do habeas-corpus.

Se o STJ não tivesse concedido o hábeas corpus, Larry Rohter - que está na Argentina - teria oito dias para sair do Brasil quando voltasse ao País. Agora, ele poderá aguardar no Brasil o julgamento do mérito da questão.

Rohter escreveu um artigo no qual afirmava que o presidente Lula estava ingerindo bebida alcoólica em excesso e que esse hábito prejudicava seu desempenho no governo.

12/05/2004 - 15h11m

Governo dos EUA critica expulsão de jornalista do New York Times

Reuters

Washington - Os Estados Unidos afirmaram nesta quarta-feira que a decisão do governo do Brasil de expulsar o correspondente do New York Times, Larry Rohter, do país é uma medida que viola a tradição de liberdade de imprensa brasileira.

- Obviamente, o artigo do New York Times não representa o ponto de vista do governo dos Estados Unidos - afirmou o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Richard Boucher, em sua conferência à imprensa diária. - Mas quero dizer que a decisão de cancelar o visto do jornalista que escreveu o artigo não está de acordo com o forte compromisso do Brasil com a liberdade de imprensa.

           Invocado, Lula rejeitou conselhos de assessores e decidiu pela expulsão

           Ilimar Franco

           BRASÍLIA. Foi do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a polêmica decisão de cancelar o visto do jornalista Larry Rohter, do “New York Times”. Indignado com o que considerou uma agressão pessoal e um desrespeito à instituição da Presidência da República, Lula não ouviu conselhos nem ponderações de que a decisão seria duramente criticada por desrespeitar a liberdade de imprensa. A posição do presidente Lula já estava tomada desde a segunda-feira, mas alguns integrantes do governo conseguiram segurar seu anúncio à espera do resultado das gestões do embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Roberto Abdenur, junto à direção do jornal americano.

           -- Estávamos na expectativa de que o jornal oferecesse alguma espécie de reparação. Isso já havia ocorrido antes. Foi difícil segurar o presidente diante do relato de que o representante do jornal tinha se limitado a dizer ao embaixador “I am sorry” (Eu sinto muito) -- relatou um integrante do governo.

           A expulsão é apenas a primeira reação do governo brasileiro. A Advocacia Geral da União está desde ontem preparando um processo de indenização por danos morais que o presidente pretende ingressar na Justiça americana contra o “New York Times”. Segundo um interlocutor do presidente, além de ele ter considerado a reportagem agressiva contra as instituições do país, sentiu-se pessoalmente abalado com as referências a seu pai -- de que abusava dos filhos -- e irritado com a tentativa do repórter de apresentá-lo como incapacitado para exercer o cargo.

           Desde domingo que o governo debate a reação à reportagem e Lula cobrava uma atitude drástica, mas assessores conseguiram frear seu ímpeto inicial na expectativa de que a direção do jornal oferecesse algum tipo de retratação. Na noite de domingo o presidente Lula, irritado, reclamou do conteúdo da nota oficial divulgada pelo porta-voz da Presidência, o jornalista André Singer. Para ele, faltava indignação:

           -- Isso aqui é uma explicação, não é uma decisão de governo. Quem tem que explicar a reportagem é o jornalista e não a nota oficial da Presidência.

           Alta cúpula do governo reuniu-se com Lula na terça

           Estavam em seu gabinete na terça-feira, quando a expulsão foi decidida, os ministros José Dirceu (Casa Civil), Luiz Gushiken, (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica), Celso Amorim, (Relações Exteriores), Álvaro Costa, advogado-geral da União, e Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto, ministro interino da Justiça. O advogado-geral da União fez um relato das medidas que poderiam ser adotadas e Amorim informou sobre a gestão feita pelo embaixador.

           A gestão diplomática tinha fracassado e o presidente não aceitou uma medida convencional, como a de abrir um processo numa corte americana, por considerá-lo moroso e de desfecho incerto. Não houve quem o demovesse de propor a expulsão. Naquele momento apenas os assessores da área de comunicação ainda pediam cautela. Integrantes do governo ficaram constrangidos com a medida drástica adotada. Cobrado sobre a existência de alternativas, Gushiken desabafou:

           -- O presidente quer. O presidente quer. Não tem outro caminho!

           Ontem de manhã, diante da repercussão negativa da decisão imaginava-se que pudesse haver algum tipo de recuo. Mas ao meio-dia os principais assessores no Palácio do Planalto reconheciam que o presidente estava irredutível. Começou-se então a trabalhar para reduzir os danos.

Rio, 13 de maio de 2004

13/05/2004 - 09h05m

"New York Times’ diz que artigo de Rohter é preciso e vai se opor à expulsão

Juliana Braga, Globo Online

Rio - O jornal “The New York Times” publicou nesta quinta-feira uma reportagem sobre a polêmica envolvendo o repórter Larry Rohter na qual afirma considerar as informações do artigo escrito pelo correspondente como precisas. No texto, publicado na edição impressa e eletrônica, a administração do NYT diz que vai se opor à expulsão de Rohter, que no momento viaja pela Argentina e deve ser informado sobre o prazo para deixar o Brasil assim que voltar ao país.

“Baseado em consultas realizadas com o Conselho Legal do Brasil, acreditamos que não há base para a revogação do visto do senhor Rohter e vamos tomar as medidas cabíveis para defender seus direitos”, afirmou uma porta-voz do jornal, Catherine J. Mathis.

Daniel Okrent

‘A reportagem é isenta’

Helena Celestino

O ombudsman do “New York Times”, Daniel Okrent, considerou inapropriada a decisão do governo brasileiro de expulsar o correspondente do jornal no Brasil, Larry Rohter. Ele contou que recebeu cartas de leitores brasileiros sobre o assunto mas não sabe avaliar se a credibilidade do jornal ficou abalada por causa da reportagem sobre os supostos problemas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com bebida. Fazendo questão de deixar claro que a sua opinião não é necessariamente a mesma da direção do jornal, ele considerou isenta a reportagem de Rohter mas fez críticas ao fato de o repórter não ter explicado melhor as intenções das fontes ao atacar o presidente Lula.

O que o senhor achou da decisão de expulsar o correspondente do “New York Times” do Brasil?

Daniel Okrent: Eu acho que é inapropriada do ponto de vista dos padrões americanos, segundo os quais a imprensa é livre mesmo quando não faz o que o governo acha que ela deveria fazer.

Qual é a sua opinião sobre a reportagem de Larry Rohter?

Okrent: Minha opinião pessoal -- e eu quero ressaltar que é a minha opinião e não a do “New York Times” -- é de que a reportagem é isenta. Quando digo isenta, refiro-me ao fato de que ela não é baseada em fontes anônimas, o repórter faz citações diretas do que as pessoas falaram, ele cita um número suficiente de pessoas, o que me faz acreditar que o assunto existe. O que para mim não ficou claro é se este existe uma intenção política por trás do que as pessoas disseram do presidente.

Isso é um dos problemas. Ele cita três fontes: um político de oposição semi-aposentado, um ex-assessor de um presidente deposto por corrupção e um colunista de variedades.

Okrent: Eu acho que, por isso, a reportagem deveria ter contextualizado melhor porque essas pessoas estavam dando essas opiniões sobre o presidente. Eu não tenho essas informações, de que um é de oposição, o outro estava ligado a um presidente corrupto. Isto deveria ter sido mais bem explicado.

O que o senhor achou da edição da reportagem? No jornal, ao lado de um título dizendo que o consumo de álcool do presidente virou uma preocupação nacional, está publicada uma foto de Lula olhando para um copo de cerveja, numa festa popular...

Okrent: Acho problemático. Acho que isso só deveria ter sido publicado se o editor estivesse absolutamente convencido de que o presidente tem problemas por causa de bebidas. Se não, se não estava absolutamente convencido, se existiam dúvidas a esse respeito, a foto não deveria ter saído, pois poderia levar os leitores a fazer uma interpretação errada -- queria ressaltar o talvez, talvez os leitores pudessem fazer uma interpretação errada.

Como foi decidida a publicação da reportagem? O editor discutiu os problemas éticos que poderia ter? Conversou com o correspondente sobre as fontes?

Okrent: Isso eu não posso responder, não estou envolvido com a decisão de publicar ou não as reportagens, só vejo o jornal pronto. Não sei se houve alguma discussão.

O senhor acha que a credibilidade do “New York Times” foi afetada?

Okrent: Eu não posso responder a isso, porque não estou no Brasil. Recebi algumas cartas de leitores brasileiros sobre o assunto, mas realmente não consigo avaliar se a credibilidade do jornal foi afetada.

O senhor acha que o jornal publicaria uma matéria deste tipo sobre o presidente de um país desenvolvido, digamos, sobre Jacques Chirac? Ou vê algum tipo de preconceito por ser um presidente de um país em desenvolvimento?

Okrent: Eu acho que o mesmo artigo sobre Jacques Chirac teria sido publicado, se fosse o caso. Não acredito que tenha havido preconceito.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2004 - Página 14607