Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Palestra proferida a jovens estudantes da Escola Comunitária de Campinas, no dia 13 do corrente, na Comissão de Educação do Senado Federal.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Palestra proferida a jovens estudantes da Escola Comunitária de Campinas, no dia 13 do corrente, na Comissão de Educação do Senado Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2004 - Página 15298
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ENCONTRO, ORADOR, ALUNO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, MUNICIPIO, CAMPINAS (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), OBJETIVO, APRENDIZAGEM, CIDADANIA, ETICA, ELOGIO, HISTORIA, ATUAÇÃO, COMUNIDADE.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CONFERENCIA, AUTORIA, ORADOR, ANALISE, ETICA, CIDADANIA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu queria fazer hoje, aqui, o registro de um encontro que tive, no dia 13 de maio, na sala da Comissão de Educação do Senado Federal, com jovens estudantes da Escola Comunitária de Campinas (SP).

Pelo segundo ano consecutivo, os estudantes da Escola Comunitária de Campinas vêm a Brasília a fim de ter noções de cidadania em contato com integrantes do parlamento. Nas duas ocasiões falei a eles. Neste ano, o tema foi Ética e Cidadania.

Vieram a Brasília mais de cem jovens, com idade em torno dos quinze anos, na companhia de seus professores. Essa é uma iniciativa fantástica. Temos que dar aos jovens brasileiro uma noção dos graves problemas nacionais e dos caminhos para a sua solução

A Escola Comunitária de Campinas nasceu em 1977 por iniciativa de um grupo de educadores que defendia uma proposta pedagógica diferenciada, fundada numa concepção filosófica e política bastante ousada. Queriam que o aluno não fosse um simples receptor de informações.

Para levar adiante o seu projeto educacional, os professores perceberam a necessidade de uma estrutura administrativa autônoma e democrática, onde todos - alunos, pais, mestres - estivessem envolvidos com o processo.

Um grupo de pais, que conhecia e acreditava firmemente no trabalho desses educadores, decidiu dar suporte ao projeto pedagógico.

Assim, fundaram, em 7 de novembro de 1977 nascia a Escola Comunitária de Campinas, que, em março do ano seguinte, funcionaria em prédio alugado. Apesar de todas as dificuldades e incertezas, havia um comprometimento sério com a nova proposta da equipe liderada por Amélia Pires Palermo.

No ano de 1.979 foi adquirido um terreno situado à Rodovia D. Pedro I, quilômetro 123. Após a compra, a Comissão de Obras elaborou um projeto arquitetônico.

Entre as missões da Escola, estão o cuidado para que seus alunos participem inteiramente do processo ensino-aprendizagem e que se desenvolvam como pessoas, a partir do conteúdo das diversas ciências e dos valores e atitudes trabalhados. Do mesmo modo, faz também com que os pais participem do processo educacional dos seus filhos.

Atualmente aquele educandário possui cerca de 1.600 alunos, distribuídos nos cursos de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Uma equipe pedagógica composta por 106 educadores e responsável pela formação desses educandos.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

Quero pedir a transcrição nos anais do Senado Federal da palestra que fiz para os jovens estudantes da Escola Comunitária de Campinas, cuja íntegra vem a seguir:

Meus amigos, inicialmente, quero saudar os professores e alunos da Escola Comunitária de Campinas que se encontram em Brasília para participar do Estudo Ética e Cidadania.

É uma honra palestrar num evento que congrega jovens estudantes. Todos vocês terão em breve o desafio de levar adiante a luta pela justiça social neste nosso Brasil. Portanto, é bom que desde já discutam essa questão.

Trata-se de um tema muito vasto, mas eu tentarei ser sucinto. A defesa intransigente da ética e a luta pela cidadania plena para os brasileiros são assuntos que sempre ocuparam o centro das minhas preocupações. Sem Ética, não temos Cidadania. Sem Cidadania, não existe Ética.

Este evento tem como objetivo fazer com que vocês, jovens estudantes, se transformem em cidadãos críticos e comprometidos com a comunidade. Isso é ótimo. Só quando tivermos uma maioria de cidadãos participantes poderemos esperar o surgimento de uma nação mais justa.

Sempre estive muito envolvido com os movimentos estudantis e comunitários. Comecei muito jovem da vida política participando de diretórios nas escolas onde estudei. Acho que é justamente nos debates escolares que se destacam aqueles que mais tarde terão a incumbência de levar em frente a atividade política.

Inicialmente, quero dizer umas poucas palavras sobre cidadania.

As noções de cidadania têm uma história. Elas vêm se desenvolvendo ao longo do tempo. Basta lembrar que a escravidão era legal no Brasil até 120 anos atrás. As mulheres brasileiras conquistaram o direito de votar há 60 anos e os analfabetos há pouco mais de uma década.

Chamamos a isso de ampliação da cidadania.

Mas a verdade é que há muitos direitos (civis, políticos e sociais) garantidos em lei mas que nem sempre se realizam como direitos reais. Assim, a cidadania nem sempre é uma realidade efetiva.

Todos vocês sabem que no Brasil - na nossa época - ainda existe trabalho-escravo.

Todos vocês sabem que embora o trabalho infantil seja proibido há muita criança sendo explorada.

A efetivação da cidadania plena e a consciência coletiva dessa condição são indicadores do desenvolvimento moral e ético de uma sociedade. Quanto mais avançado é um país, mais aqueles que o habitam têm assegurados os seus direitos.

Não basta apenas que os direitos dos cidadãos estejam definidos nas leis e na Constituição. O grande desafio para uma nação é o de universalizar os direitos reais, permitindo a todos a cidadania plena, cotidiana e ativa.

Em outras palavras, é preciso lutar muito para que os avanços sociais - assegurados pelas leis - se realizem plenamente na vida diária.

Vejamos outros exemplos.

A lei diz que todos os cidadãos têm direito a uma vida digna. Mas a verdade é que muita gente passa fome em muitas regiões brasileiras. Aí está o Programa Fome Zero para provar o que estou dizendo.

A lei diz também que o ensino público e gratuito é assegurado a todos os jovens. Mas eu pergunto: isso ocorre de fato?

Todos têm direito a uma vida tranqüila. Mas a violência não pára de crescer nas grandes cidades e as pessoas vivem acuadas, com medo.

Na questão dos direitos políticos, porém, o país avançou bastante nos últimos anos. Hoje a Constituição garante a todos a liberdade de expressão e todos podem falar o que quiserem sem medo de serem punidos. Mas isso não ocorria há vinte anos.

Vocês são jovens e pouco sabem sobre a história recente deste país. Mas faz apenas vinte anos não gozávamos de liberdade plena. Tivemos que lutar muito para obter a liberdade.

As mais variadas sociedades organizadas do Brasil trabalharam juntas na transição para a democracia. Estou me referindo a entidades como Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,

Associação Brasileira de Imprensa, Ordem dos Advogados do Brasil e a UNE. O partido que comandou essa luta pela democracia foi o PMDB.

A situação política melhorou, mas a situação social, não. Certamente, todos vocês sabem que o Brasil está entre as nações de pior distribuição da riqueza. O Brasil é um país muito injusto. Eu me pergunto: por que grande parcela da população brasileira vive na pobreza e na miséria? Por que muitos não podem ser considerados cidadãos de verdade?

Meus amigos:

De outro lado, a Ética vem sendo muito debatida em nosso país nos últimos anos. Esse debate se intensificou muito quando do afastamento por impeachment do então presidente Fernando Collor. De lá para cá, o país despertou para a discussão sobre os fundamentos éticos da vida social e política.  

A ética é o que dirige as ações do homem, norteando a conduta individual e social. A ética define o que é virtude, o que é bom ou mal, certo ou errado, permitido ou proibido.

A ética é universal porque estabelece condutas morais válidas para todos os membros de uma sociedade.

A ética não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre discutindo aquilo que se considera ético.

Ético é tudo que ajuda a tornar melhor o ambiente em que vivem os homens.

A ética não se confunde com a moral. A moral é a regulação dos valores e comportamentos considerados legítimos por uma determinada sociedade, um povo, uma religião, uma certa tradição cultural.

Há morais específicas para grupos sociais, como, por exemplo, um partido político. Portanto, há muitas e diversas morais.

A moral é um fenômeno social particular, que não tem compromisso com a universalidade, isto é, com o que é válido e de direito para todos os homens.  

A ética é uma reflexão crítica sobre a moralidade. Mas ela não é puramente teoria. A ética é um conjunto de princípios e disposições voltados para balizar as ações humanas.

A ética existe como uma referência para os seres humanos em sociedade, de modo tal que a sociedade possa se tornar cada vez mais humana.

A ética não é um conjunto de verdades fixas, imutáveis. A ética se move, historicamente, se amplia e se adensa. Para entendermos como isso ocorre, basta lembrarmos que, um dia, a escravidão foi considerada natural.

Por que a ética é necessária e importante? A ética tem sido o principal regulador do desenvolvimento histórico-cultural da humanidade. Sem ética, ou seja, sem princípios humanitários fundamentais comuns a todos os povos, a humanidade já teria se despedaçado até à auto-destruição.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela ONU (1948), é uma demonstração do quanto a ética é necessária e importante. Mas a ética não basta como teoria, nem como princípios gerais. Nem basta que as Constituições dos países reproduzam esses princípios (como a Constituição Brasileira o fez, em 1988). É preciso que cada cidadão e cidadã incorpore esses princípios como uma atitude prática diante da vida cotidiana, de modo a pautar por eles seu comportamento.

Por isso, digo mais uma vez: temos que lutar permanentemente para garantir os direitos dos cidadãos.

Por isso, digo mais uma vez: temos que lutar pela prevalência dos valores éticos.

Ao longo da minha vida profissional, venho sempre lutando contra a corrupção. Considero que a corrupção é um dos maiores problemas deste país. A corrupção rouba recursos da educação e da saúde. A corrupção eterniza a injustiça.

Para que se imponha definitivamente a ética no centro da consciência política desse país, temos que lutar incessantemente pelo fim da impunidade.

Infelizmente, como se sabe hoje, as pessoas que praticam grandes crimes contra o patrimônio público raramente são punidas.

A impunidade destrói as bases de uma sociedade.

Se as punições recaem sempre só sobre os mais fracos, perde-se a esperança. Se, de outro lado, ganha corpo na sociedade o sentimento generalizado de que os mais ricos estão acima da lei, as pessoas se tornam céticas.

Fala-se muito hoje em dia em Ética na Política. Tenho quarenta anos de vida pública, passados quase todos no Poder Legislativo. Posso dizer que nunca a sociedade cobrou tanto da classe política. O que o povo mais exige de seus parlamentares e administradores, hoje em dia, é justamente o respeito aos princípios da Ética.

Na minha opinião esse é o tema mais importante da nossa agenda nacional porque, pelo que se sabe, a grande maioria dos problemas brasileiros têm origem na falta de Ética nas relações sociais e políticas.

A grande novidade no campo da ética na seara política é que o povo brasileiro não aceita mais conviver pacificamente com a corrupção.

Acho que estamos no começo de um caminho que nos levará a uma situação melhor. Temos muito caminho pela frente, mas já começamos a avançar.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2004 - Página 15298