Discurso durante a 59ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a demarcação da área Raposa/Serra do Sol, no Estado de Roraima.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Considerações sobre a demarcação da área Raposa/Serra do Sol, no Estado de Roraima.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2004 - Página 15300
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REPUDIO, FALTA, DEMOCRACIA, PROCESSO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR), POSSIBILIDADE, PROVOCAÇÃO, CONFLITO, GRUPO ETNICO, EXPULSÃO, PRODUTOR RURAL, EFEITO, INFERIORIDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, REGIÃO, CRITICA, INTERFERENCIA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PAIS ESTRANGEIRO.
  • SUGESTÃO, REALIZAÇÃO, PLEBISCITO, POPULAÇÃO, INDIO, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR).
  • APRESENTAÇÃO, CONCLUSÃO, RELATORIO, COMISSÃO EXTERNA, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, APREENSÃO, DECISÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), OPOSIÇÃO, LEGISLATIVO, JUDICIARIO, DEMONSTRAÇÃO, AUTORITARISMO, GOVERNO FEDERAL.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr.Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a esta Tribuna para, novamente, tratar da questão, de suma importância para o Estado de Roraima e para o País, relativa à demarcação da área Raposa/Serra do Sol.

Durante as inesgotáveis discussões que tenho tido a oportunidade de participar, na Câmara e no Senado, sobretudo nas reuniões das Comissões Externas das duas casas, comissões estas voltadas para o exame das demarcações de terras indígenas, pude constatar diversas anomalias no processo de condução da demarcação da área Raposa/Serra do Sol.

Inicialmente, gostaria de destacar, assim como já fiz em outras oportunidades, o modo antidemocrático com que tem sido conduzido o processo. De fato, o processo de demarcação, cujo ato culminante é a homologação feita pelo Presidente da República, tem sido marcado pela falta de diálogo com os principais interessados na demarcação, os índios e não-índios de meu Estado.

Como já é de conhecimento de todos, a Raposa/Serra do Sol é composta por cinco etnias, e a grande maioria dos indígenas componentes dessas etnias são contrários à demarcação contínua da área. Vale lembrar que a grande maioria deles já se encontra em grau avançado de integração com a sociedade circundante não-indígena e participam, naturalmente, dos processos políticos, ocupando cargos públicos eletivos, como o de Vereador e de Vice-prefeito, participando, assim, ativamente da formação da vontade política das municipalidades em que laboram; participam, também, dos processos econômicos, ocupando-se do comércio, da agricultura e da pecuária. Ademais, participam do próprio processo de aculturação a que todo cidadão comum do País participa, pois os indígenas ingressam no processo educacional franqueado pelos Entes Federados da mesma forma que um jovem de Brasília ou São Paulo ingressam. Os índios, a que faço referência, ou seja, os aculturados, e que habitam a Raposa/Serra do Sol, assim como nós que moramos nas capitais, querem escola de qualidade e perspectivas de futuro no que diz respeito ao engajamento profissional no competitivo mercado de trabalho.

Sobram, portanto, razões para que os índios que habitam a Raposa/Serra do Sol não queiram que a demarcação seja contínua. O grau de aculturamento que atingiram já os habilita a dizer o que querem com relação aos seus destinos. Sabem eles, perfeitamente, que a demarcação contínua da Raposa/Serra do Sol criará um clima indesejável de animosidade entre as próprias etnias instaladas na área que, como se sabe, estão em estágios diferentes de aculturamento, constituindo grupos culturais particularizados. Juntar índios de etnias diferenciadas, com padrões culturais particularizados, numa mesma área, significará a criação de um verdadeiro barril de pólvora.

Em face dessa realidade, por que não realizar um plebiscito entre os índios para, democraticamente, averiguar a vontade deles? Será por receio de que a vontade dos índios da Raposa/Serra do Sol poderá, num eventual plebiscito, ser contrário a interesses escusos e inconfessáveis de entidades ou instituições que só querem do Brasil as suas riquezas, sem qualquer compromisso com seus habitantes?

Ademais, sabem os índios dos males sociais que serão causados pela retirada de não-índios da área. O plantio de arroz, além de outros grãos, na Raposa/Serra do Sol, há muito ocupa lugar de destaque na economia do Estado de Roraima, gerando empregos e renda para centenas de famílias. A expulsão desses agricultores de suas terras, para fins de demarcação contínua da Raposa/Serra do Sol, representará um desastroso evento para a já combalida economia de Roraima. Desprovidos de indenização pela perda da terra - o que pode ser historicamente comprovado - os agricultores da Raposa/Serra do Sol serão abandonados à própria sorte, assim como já aconteceu com milhares de outros cidadãos que tiveram que abandonar suas terras em virtude de demarcações e não obtiveram qualquer justa compensação estatal em virtude disso. Certamente, a estabilidade social do Estado sofrerá um duro golpe.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mesmo diante da evidência dos fatos, a homologação contínua da Raposa/Serra do Sol parece, para alguns setores do Governo, inevitável. Órgãos como o Ministério da Justiça e a Funai têm defendido, publica e reiteradamente, a demarcação contínua da área em apreço. O Presidente da República, a quem cabe homologar a reserva, titubeia em face das pressões exercidas por ONGs internacionais.

A posição do Ministério da Justiça e da FUNAI nos causa indignação. O titubeio do Presidente Lula nos causa receio e apreensão.

Muitos índios e não-índios do meu Estado, contrários à homologação da Raposa/Serra do Sol, têm reclamado, de maneira justa, de que o Governo só tem dado ouvidos a uma minoria interessada na demarcação contínua. Esta situação reproduz a falta de diálogo com diversos setores e atores sociais do Estado de Roraima, alijando-os do contraditório que deve, necessariamente, permear a decisão política consistente na homologação da reserva.

Isto demonstra o modo antidemocrático com que a questão Raposa/Serra do Sol tem sido equacionada pelos agentes do Governo. Por isso mesmo, volto a afirmar: um eventual decreto homologatório da Raposa/Serra do Sol, nos moldes de uma demarcação contínua, que desconsidere a voz dos que são contrários a esse modelo de homologação, será um decreto maculado pela eiva do autoritarismo.

Nós vivemos num Estado Democrático de Direito, reza a nossa Constituição. Isto significa dizer que as decisões políticas devem atender à vontade das pessoas que serão diretamente afetadas pela mesma decisão. Contrariar este postulado da democracia é investir contra a coluna dorsal de nossa Constituição e, conseqüentemente, investir contra a própria sobrevivência do Estado Brasileiro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se não bastassem as manifestações contrárias da maioria da população índia e não-índia do meu Estado, outros poderes já começam a consolidar o entendimento de que a demarcação da Raposa/Serra do Sol não seja realizada de maneira contínua.

As Comissões Externas do Senado e da Câmara, destinadas a avaliar a demarcação da Raposa/Serra do Sol concluíram, em uníssono, que referida demarcação deve excluir determinadas áreas, representativas de cerca de 10% dos um milhão e setecentos mil hectares previstos na Portaria 820/98.

Ademais, recente decisão do Tribunal Regional Federal da 1º Região, no dia 14 de maio deste ano, sustou em parte os efeitos da Portaria acima referida, mantendo a decisão do Juiz Federal Helder Girão Barreto, que havia concedido liminar contra a demarcação contínua. A Desembargadora do TRF da 1º Região, Dra. Selene Maria de Almeida, mandou excluir, da área pretendida, as sedes dos Municípios, estradas federais e estaduais e suas faixas de domínio, vilas e suas áreas de expansão, rede de energia elétrica, terras utilizadas no cultivo de arroz e títulos emitidos até 1934.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os relatórios das Comissões Externas da Câmara e do Senado, bem como a decisão acima aludida, demonstra, cabalmente, que o Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça e da Funai, tem laborado no sentido oposto do que pensam o Legislativo e o Judiciário.

Daí poder-se afirma que, se o decreto homologatório desconsiderar a opinião dos demais poderes, legislativo e judiciário, militará contra ele mais uma macula de autoritarismo.

Desconsiderar uma opinião solidamente construída no seio do Parlamento, será um sinal claro de que o Governo governa autoritariamente ou antidemocraticamente, pois toma suas decisões sem atentar para as discussões das Casas do Congresso Nacional, composta por membros eleitos pelo povo e que, em seu nome, exerce o Poder Legislativo e outras atribuições ligadas à fiscalização do Executivo.

Quanto ao judiciário, ainda que não haja decisão definitiva de mérito, não pode o Governo desconsiderar a tendência de os Juízes de acolherem, nas suas decisões, a razoabilidade de que a demarcação da Raposa/Serra do Sol exclua determinadas áreas consideradas de fundamental interesse para o Estado de Roraima, a bem da democracia e de outros princípios caros à nossa Constituição.

Para finalizar, gostaria de fazer menção ao que falou o Ilustre Chefe do Ministério Público Federal, o Procurador Cláudio Fonteles. Segundo o Correio Brasiliense de hoje, no primeiro encontro com Luta após sua posse, Fonteles avisou ao presidente que, se o Governo homologar a reserva Raposa/Serra do Sol, de forma descontínua, o Ministério Público vai contestar na Justiça. Entendo esta manifestação, na linha do que venho argumentando, infeliz e descabida. Na mesma linha de outros órgãos do Governo, o Procurador-Geral engrossa, com essas palavras, os que querem que o autoritarismo passe a ser a regra no País, em substituição à democracia consagrada em nossa Constituição.

É o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2004 - Página 15300