Discurso durante a 60ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apreensão com os conflitos recentemente ocorridos na Reserva Indígena Roosevelt, envolvendo garimpeiros e índios da etnia cinta-larga.

Autor
Paulo Elifas (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Elifas Paulo da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Apreensão com os conflitos recentemente ocorridos na Reserva Indígena Roosevelt, envolvendo garimpeiros e índios da etnia cinta-larga.
Publicação
Publicação no DSF de 21/05/2004 - Página 15567
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • APREENSÃO, OMISSÃO, PODER PUBLICO, CONFLITO, INDIO, GARIMPEIRO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RONDONIA (RO), DISPUTA, EXPLORAÇÃO, JAZIDAS, DIAMANTE.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, GOVERNO FEDERAL, SOLUÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, RETIRADA, GARIMPEIRO, RESERVA INDIGENA, APURAÇÃO, ILEGALIDADE, ATUAÇÃO, GRUPO INDIGENA.

O SR. PAULO ELIFAS (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os trágicos eventos ocorridos em 7 de abril em Espigão d’Oeste, no meu Estado de Rondônia, continuam chocando o Brasil e preocupando os rondonienses, independentemente da etnia a que pertençam. Quero, com este pronunciamento, expressar minha indignação e minha apreensão com o absurdo dos conflitos recentemente ocorridos na Reserva Indígena Roosevelt, envolvendo garimpeiros e índios da etnia cinta-larga.

O massacre covarde desses 34 garimpeiros, número ainda incerto, é mais um sangrento e lamentável episódio desta verdadeira guerra que se trava há décadas entre índios e garimpeiros, não apenas naquela região, mas também em várias outras reservas em todo o País.

O que nos deixa a todos estupefatos é o fato de que, embora a tragédia estivesse se desenhando há muito tempo, o Poder Público foi incapaz de evitá-la. É notório que a Reserva Roosevelt é uma das maiores jazidas de diamante do País. A tentação de escapar da pobreza, sobretudo quando se trata de um povo tão sofrido e tão necessitado, é quase irresistível.

Aliado a esse fato, os atritos entre índios e garimpeiros na região vinham se tornando cada vez mais graves, numa escalada de violência que resultaria, inevitavelmente, num episódio como o de 7 de abril. Os conflitos entre os cinta-larga e os brancos remontam aos anos 60. Em 1963, uma aldeia inteira foi dizimada por garimpeiros e seringueiros, no Estado do Mato Grosso. Em 1991, os cinta-larga estiveram envolvidos na morte de garimpeiros. Em um episódio mais recente, de outubro do ano passado, cinco garimpeiros foram assassinados na localidade de Ponte Quebrada, dentro da Reserva Roosevelt. Atualmente, tramitam nada menos que 21 inquéritos, apurando a morte de 33 pessoas dentro da reserva.

O povo da região Norte, em especial o povo rondoniense, não suporta mais os traumas e as seqüelas dessa guerra. Esses massacres, além dos óbvios e deploráveis prejuízos humanos e emocionais que acarretam, afetam também a vida do Estado de Rondônia em sua dimensão econômica. A interrupção de estradas, como a Linha 108, a insegurança que se instala e afugenta turistas, investidores e migrantes em potencial, o desespero que leva a população a deixar suas casas e suas cidades - tudo isso ocasiona prejuízos incalculáveis ao Estado.

As conseqüências sociais são tão ou mais graves, Srªs e Srs. Senadores. Criou-se nas cidades e povoados próximos à reserva um clima de medo e apreensão comparável ao que se vê em regiões de guerra civil. Cidadãos de bem são submetidos a constrangimentos, com revistas sendo efetuadas a todo o tempo e em todo lugar. Correm rumores de que haverá retaliações, de que os garimpeiros vão se vingar, comentários que estão espalhando o medo entre índios de outras nações, como os Suruís e os Gaviões, que estão evitando transitar fora das reservas. Enfim, Sr. Presidente, a situação é calamitosa e causadora de grandes apreensões para o povo rondoniense.

Sr. Presidente, o massacre de 34 pessoas não pode passar incólume. A impunidade é, exatamente, um dos combustíveis mais perigosos quando se trata de conflitos como o que estamos presenciando. O assassinato desses garimpeiros exige, sim, uma punição aos responsáveis. Caso contrário, a tendência é o agravamento ainda maior da situação na Reserva Roosevelt, com a possibilidade séria de que a prática covarde da chacina se alastre por outras regiões.

A punição é necessária, a repressão imediata é necessária, a identificação dos culpados é necessária. Porém, mais necessária ainda é a busca de uma solução definitiva e permanente, que contemple as necessidades e as realidades tanto dos índios quanto dos garimpeiros.

Os índios, ao explorarem os recursos minerais das reservas que lhes são destinadas, cometem ato clara e nitidamente ilegal. Mais ilegal ainda é a venda dos produtos dessa mineração a contrabandistas e atravessadores, com prejuízos imensos à economia do País.

Alegam os índios, em sua defesa, que assim procedem pela mais pura e simples necessidade, uma vez que os recursos que recebem do Governo, por intermédio da Funai, não são suficientes para que levem uma vida digna.

Por sua vez, os garimpeiros, como todos sabemos, são historicamente um grupo que enfrenta enormes necessidades, que se submete a condições de trabalho insalubres e perigosas ao extremo, com a esperança, muitas vezes não recompensada, de melhorar um pouco de vida.

É certo que, assim como no caso dos índios, suas atividades, muitas vezes, são exercidas na ilegalidade. É certo, também, que os massacres e as atrocidades não são cometidos apenas pelos índios, povo que, por sinal, vem sendo dizimado desde que os europeus aportaram nas terras americanas. Garimpeiros, seringueiros e outros grupos de trabalhadores também têm, em seus currículos, suas parcelas de atrocidades.

São identificados, na prática, basicamente três grupos de garimpeiros que atuam na reserva Roosevelt :

Um primeiro grupo realiza o garimpo com a concordância dos próprios caciques, utilizando nesse caso maquinas pesadas, realizando uma lavra mais intensa e profunda. Esse grupo não teve problemas nos acontecimentos recentes.

Um segundo grupo identificado, tem acesso ao garimpo com o aval de alguns índios da reserva, que não são beneficiados pelos lucros auferidos pelos chefes indígenas, ou caciques. Esse grupo, eventualmente acaba entrando em atrito com os seus apadrinhados e permanecendo na reserva, porem marginalizados.

Finalmente, o terceiro grupo é formado pelos deserdados do segundo grupo, acrescido dos garimpeiros que entraram na reserva sem nenhum aval indígena, os chamados rodados. Desse grupo é que foram originadas as mortes recentes.

Os elementos da equação são complexos, Senhor Presidente. Essa é mais uma razão para que nos debrucemos sobre as reais possibilidades de paz duradoura na região e elaboremos um plano que ponha fim a esses históricos conflitos. A solução pode ser difícil, mas não é impossível. E está claro para todos que as ações do Governo, e mais especificamente da Funai, não têm surtido o efeito desejado. Como bem lembrou, há alguns dias, o nobre Senador Valdir Raupp, meu companheiro de bancada, ex-Governador do Estado e profundo conhecedor da questão indígena em Rondônia, o massacre de 7 de abril aconteceu pouco depois da criação, pela Funai, de uma força-tarefa para apaziguar os conflitos na Reserva Roosevelt. Os corpos, por enquanto de 34 garimpeiros, são o relatório que a missão tem a apresentar.

A reserva Roosevelt, com uma das maiores minas de diamante do mundo, pode ser a materialização da lenda do Urucumacuã. Conta essa lenda, muito conhecida em Rondônia, que o Marechal Rondon ao explorar a região nos seus trabalhos de instalação da linha telegráfica, encontrou um rio onde afloravam grandes quantidades de diamantes. Com receio da avidez humana, o Marechal nunca divulgou a sua localização. Lenda e realidade se confundem. A avidez humana dos tempos do Marechal Rondon continua a mesma nos dias de hoje, porém temos que acreditar que as nossas autoridades competentes, têm atualmente melhores recursos para coibir mortes e desordem social na região, transformando os recursos disponíveis em bem estar para todos os envolvidos.

Finalizando, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, existe uma teia de conspiração contra os interesses econômicos do país, crime, corrupção, envolvendo todo o comércio de diamantes com a participação de contrabandistas brasileiros, estrangeiros, inclusive com fornecimento de armas aos índios. Pela evidência e correlação dos fatos, o próprio poder público representado pela força tarefa, responsável pela manutenção da ordem no garimpo, se corrompeu participando de negociatas envolvendo-se na exploração e comércio de diamantes. É estarrecedora esta situação. Quero reforçar, mais uma vez, minha convicção de que o episódio exige providências severas, com a punição dos culpados pelas atrocidades de 7 de abril. Contudo, tenhamos em mente que todas as providências devem ser tomadas com urgência, pois novos conflitos poderão surgir em muito pouco tempo. O fim definitivo dessa guerra exige que sejam retirados todos os grupos de garimpeiros que atuam na reserva. Além desses atos mais imediatos, um compromisso político sério com a elaboração de um plano de paz para a região, que reflita os interesses, as necessidades e beneficie os índios, crie emprego para os garimpeiros e aumente a arrecadação da União através da comercialização legal da riqueza ali existente. É isso que o povo de Rondônia - índios, brancos e negros - espera de seus governantes.

Era o que tinha a dizer, Senhor Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/05/2004 - Página 15567