Discurso durante a 61ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Elogios ao Ministro da Saúde por enfrentar o problema da corrupção em seu ministério, principalmente no que tange à compra de hemoderivados.

Autor
Tião Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Afonso Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SAUDE.:
  • Elogios ao Ministro da Saúde por enfrentar o problema da corrupção em seu ministério, principalmente no que tange à compra de hemoderivados.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/2004 - Página 15718
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SAUDE.
Indexação
  • ELOGIO, EMPENHO, HUMBERTO COSTA, MINISTRO DE ESTADO, APURAÇÃO, CORRUPÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ESPECIFICAÇÃO, AQUISIÇÃO, DERIVADOS, SANGUE.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, CARTEL, LICITAÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), APRESENTAÇÃO, RELAÇÃO, EMPRESA.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, venho me reportar à notícia que toma conta da grande imprensa brasileira de hoje, seja nas televisões, rádios, jornais e revistas.

Os meios de comunicação trazem com grande destaque a determinada atitude do Ministro Humberto Costa de expor as vísceras de uma área sombria, que sofria silenciosamente no Brasil há anos - o setor de hemoderivados. Foi descoberto um caso escandaloso de corrupção, que supera a cifra dos R$2 bilhões, somados os últimos dez anos, em que, somente em relação a dois produtos para salvar vidas humanas - os chamados Fator 8 e Fator 9 de coagulação -, o desvio suposto é da ordem de US$120 milhões.

Isso significa algo de grande expressão para a vida pública nacional, de fundamental importância para que toda a sociedade brasileira e todos os políticos reflitam sobre o valor sublime que representa a responsabilidade do gestor público. Os detentores do poder, que administram dinheiro público enfrentam uma ameaça constante da corrupção, do tráfico de influência e da apropriação indevida do patrimônio público. É como se houvesse uma tentativa permanente de privatizar o Estado. E isso maltrata e mutila a honradez de todos os homens públicos.

Nesse ponto faço questão de ressaltar a grandeza política que tem o nosso Partido dos Trabalhadores, a grandeza que está tendo o nosso Governo de não transformar esse episódio em uma vertente de denuncismo político para desgastar a imagem de determinado Partido ou de determinada liderança. Poderíamos perfeitamente ver agora um amplo teatro político em que o caminho da denúncia fosse de denegrir e desmoralizar a imagem de ex-Ministros e de Partidos que governaram o País. Mas esse não é o propósito do nosso Governo hoje.

O Governo determinou que o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, agisse dentro de suas funções constitucionais, estabeleceu responsabilidades diretas ao Ministro Humberto Costa para que agisse prontamente diante de qualquer suspeita envolvendo a sua Pasta e contou com o apoio isento, técnico, necessário e fundamental da Polícia Federal, instituição que é um suporte, um pilar definitivo da consolidação do Estado ético, democrático e de direito que o Brasil precisa ter sempre e ainda com a parceria do Ministério Público Federal.

E com isso nós desbaratamos uma quadrilha assustadora, envolvendo cartelização, todo tipo de prática nefasta que corroía os alicerces da política de saúde no Brasil na área de sangue e hemoderivados.

Entendo que é uma grande lição que fica sobre convivência política, sobre regras de convivências que devem ter os Partidos e aqueles que estão disputando o poder, não para suas vaidades, não para apropriação de funções, mas para servir ao interesse público e à coletividade.

O nosso Partido não fará carnaval disso, não fará uma festa de denuncismos. Pede apenas que as investigações vão até o limite de profundidade e cheguem à elucidação plena de todos os envolvidos.

Creio que o Ministro da Saúde, Humberto Costa, foi extremamente feliz na condução desse processo. Merece o mais alto reconhecimento da sociedade brasileira pela coragem, imparcialidade e determinação quando pediu apuração exemplar.

Considero da maior importância citar matéria do jornal Folha de S.Paulo de hoje, jornal insuspeito em fato dessa natureza. Diz a manchete “Relatório do TCU diz que fabricantes de hemoderivados formavam cartel”:

Auditoria realizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) nas licitações entre os anos 1996 e 2003 para a compra de medicamentos hemoderivados pelo Ministério da Saúde aponta a existência de um cartel entre os fabricantes pelo menos até 2002.

Todo esse processo veio à tona em outubro de 2002, quando houve uma licitação no Ministério da Saúde. Ali começou a se confirmar a suspeita de corrupção, que já era percebida por alguns.

O Ministério da Saúde do nosso Governo entendeu que não deveria pagar aquela licitação. Assim, interesses começaram a ser contrariados e denúncias surgiram de que os envelopes da licitação haviam sido abertos clandestinamente, ilegalmente, com técnicas de verdadeira máfia, microscopicamente abertos e microscopicamente fechados.

Tudo foi periciado pela Polícia Federal, submetido ao Tribunal de Contas da União, que deu seu parecer constatando a fraude. Diante disso, tive a satisfação, dentro da convicção de que o interesse público deve ser sempre defendido, de levar ao Ministro Humberto Costa os indícios iniciais de que esse processo de corrupção estava, de fato, instalado.

O Ministro demonstrou pronta sensibilidade. Recebeu outras denúncias e levou adiante o fato. Hoje, já são 14 pessoas presas, 30 funcionários exonerados de funções ligadas ao setor de logística e licitação do Ministério da Saúde. Os envolvidos viviam em São Paulo, Brasília, Paraná, Minas Gerais e Pernambuco. O caso é escandaloso e agride a consciência, a ética e a sociedade brasileira, tão sedenta de ver os recursos públicos bem-aplicados.

A matéria diz ainda que o cartel é um acordo das empresas para restringir a concorrência e elevar os preços.

Diz mais:

O relatório mostra ainda que a Comissão Permanente de Licitação do Ministério cometeu falhas ao analisar recursos protocolados pelas empresas nos processos de compra. A Comissão, segundo o TCU, também falhou ao não dar devida publicidade aos seus atos.

Foram presas 14 pessoas e os relatórios do TCU fizeram a projeção de que o tamanho do prejuízo seja da ordem de R$2 bilhões até a década de 90.

O relatório do TCU, finalizado em outubro último, diz que a prática de cartel permitiu às empresas adotarem preços 50% maiores entre 1997 e 2002. - [Esse foi período alvo das investigações da auditoria do TCU.]

Se comparar o valor obtido na primeira compra após a mudança do sistema, o Tribunal prevê o sobrepreço de 129,51% em relação aos preços anteriores.

Sr. Presidente, a atitude do Ministro da Saúde, Humberto Costa, foi no sentido de pedir zelo na revisão dos processos em andamento na área de hemoderivados e determinar fosse feito um pregão para assegurar o menor preço como o ideal na disputa. Assim, a diferença entre o preço pelo qual se comprava os hemoderivados nos meses anteriores e os preços pagos chega a 129,51%. A partir daí, iniciou-se o processo de investigação pela Polícia Federal, por meio de escutas telefônicas autorizadas, que culminou com a prisão dos envolvidos.

Considero esse episódio exemplar para as instituições brasileiras. O Governo brasileiro demonstrou responsabilidade política elevada ao não partidarizar ou politizar esse episódio, considerando que se deve dar um tratamento sagrado às instituições públicas.

Antes de conceder o aparte ao Senador Heráclito Fortes, faço questão de citar os nomes das empresas que supostamente estariam recebendo benefícios com a venda de hemoderivados no Brasil, para que fiquemos atentos em possíveis investigações futuras. São elas:

Immuno AG, Octapharma AG, Centeon LLC, American Red Cross (ARC) [É muito importante que se dê atenção ao nome dessa empresa.], Biotest Pharma, Baxter Export Corporation, Alpha, BPL e LFB, que é apontada como uma instituição sem fins lucrativos.

“Caso os laboratórios não tivessem formado um cartel e estivessem atuando em mercado de livre concorrência, os recursos, historicamente aplicados, seriam suficientes para o atendimento de toda a demanda interna no Brasil”, afirma o documento do TCU.

Então, como se dava isso, Senador Heráclito Fortes? Formado o cartel, uma empresa apresentava uma proposta de preço para alguns itens da concorrência e deixava os outros sem proposta de preço; a outra empresa vinha e apontava para os itens que não estavam apontados pela primeira; a outra vinha e apontava para os itens não apontados pela primeira e pela segunda, e a outra vinha e apontava para os itens que não estavam apontados nem pela primeira, nem pela segunda nem pela terceira. Aí se afirmavam a cartelização e a verdadeira investidura da máfia dentro do Ministério da Saúde.

Esse é um fato de gravidade imensurável e acredito que as instituições públicas e o Governo podem se sentir com a auto-estima elevada nesta hora, porque estamos rompendo barreiras que vinham destruindo e corroendo os pilares da moralidade de uma instituição tão sublime como o Ministério da Saúde, nos últimos anos.

Concedo o aparte ao Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Meu caro Senador Tião Viana, torna-se muito mais fácil um debate entre Oposição e Governo quando V. Exª está na tribuna, sem nenhum demérito para os demais. Parece que a educação e o equilíbrio formam a grife de V. Exª. Esse seu discurso profundo é exatamente a oportunidade que temos para debater essa questão. Não é um erro do Governo atual, nem do Governo passado. Esse é um erro que vem do próprio setor. V. Exª, como eu, que somos de Estados pobres, temos nos nossos correligionários, nos nossos conterrâneos, as maiores vítimas desses desmandos que acontecem e que vêm acontecendo na área da saúde ao longo do tempo. Se formos examinar a questão da distribuição de remédio vencido, com vencimento próximo e assim por diante, veremos quantos ministros já foram vítimas desse processo, figuras como os Ministros Adib Jatene, José Serra, Barjas Negri - estou lembrando só esses três últimos para não me alongar muito na história. Houve ministros que passaram por vexames, por privações, inclusive com o envolvimento da intimidade familiar dentro do Ministério da Saúde. Nos últimos anos, começou a se fazer alguma coisa para diminuir essa questão. Um dos grandes focos de corrupção era a Ceme. O Governo passado, do qual eu fui Líder, numa atitude em que fui voto vencido, extinguiu a Ceme, dentro daquela velha teoria de que para curar o carrapato mata-se o boi. Mas foi a solução encontrada. O primeiro passo dado foi exatamente quando, na gestão do Ministro José Serra, consolidou-se a figura do genérico, baixando-se de maneira considerável o custo dos remédios. Mas isso não foi suficiente. Se lembrarmos um pouco, Senadora Lúcia Vânia, o Ministro Serra foi vitima de escuta telefônica partindo desse mesmo lobby. O Ministro Barjas Negri fez denúncia e sua atitude vem desaguando nesse processo. Infelizmente, é uma lástima com que estamos convivendo há bastante tempo. Parabenizo V. Exª pela maneira como aborda esse problema. Seria até uma injustiça, uma leviandade passar pela imaginação de qualquer pessoa de bom-senso acusar o Ministro Humberto Costa. É um homem de origem humilde, que tem uma história que merece, de todos nós, admiração e louvor. Convivi com S. Exª na Câmara dos Deputados, dou este testemunho. É uma vítima. Lamentavelmente, isso acontece, mas só serve como lição para o Partido de V. Exª: a corrupção não é prática exclusiva nem monopólio dos governos anteriores. A corrupção está alastrada na própria mentalidade administrativa brasileira. Meu caro Senador Tião Viana, a primeira coisa que se deve fazer para se detectar indício de corrupção é começar a andar nos estacionamentos dos ministérios e ver o tipo de carro que alguns assessores, que geralmente são gestores orçamentários, usam; a qualidade de vida que levam; o restaurante que freqüentam; a casa que têm, como diz o Senador Pedro Simon; as viagens que fazem nos fins-de-semana. Infelizmente, no Brasil, com essa dimensão continental, torna-se impossível ou não se quer fazer. A Saúde é um foco porque dói na nossa pele, mas outros ministérios, se formos examinar, não fogem à regra. O Denit está aí, com as nossas estradas, com a operação tapa buraco, que não tapa coisa nenhuma, e por aí adiante. Parabenizo V. Exª pela maneira equilibrada com que aborda o tema. Penso que devemos fazer, independentemente de Partido, um mutirão de combate a esse tipo de coisa. Não vamos personalizar governo A ou B. Essa é uma lástima que, infelizmente, é brasileira, é latina, mas, um dia, peço a Deus que mude. Muito obrigado.

O SR. TIÃO VIANA (Bloco/PT - AC) - Agradeço, Senador Heráclito Fortes, e lamento que o Brasil adquira, por ano, de US$10 bilhões a US$20 bilhões dos chamados produtos ou insumos que atendem ao setor de saúde. Por essa razão, todo o interesse de corrupção, toda a força de grupos lobistas se aproxima do Ministério da Saúde, com o objetivo único de tirar a sua parte daquilo que são as chamadas compras para o setor, o que gera escândalos dessa natureza.

Preocupo-me mais ainda, Senador Pedro Simon, porque a Constituição de 1988, que V. Exª, a Senadora Lúcia Vânia e o Senador Heráclito Fortes votaram, estabeleceu como norma que, em cinco anos após a promulgação, o Brasil deveria ter auto-suficiência na utilização de sangue e hemoderivados para atender a sua população. Até hoje, não temos nem 10% de auto-suficiência.

O atual Governo, felizmente, está com a preocupação de cumprir essa determinação constitucional, ou essa meta estabelecida na Constituição, e está investindo fortemente na área de sangue e hemoderivados.

Espero que possamos nos livrar, em breve, desse tipo de mazela que fere, que sangra o povo brasileiro em torno de R$2 bilhões.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/2004 - Página 15718