Discurso durante a 61ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a "PEC paralela" à reforma da Previdência. Elogio ao governo pelo combate à corrupção no Ministério da Saúde. Avanço da corrupção. Apoio à viagem do Presidente Lula à China.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA SALARIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre a "PEC paralela" à reforma da Previdência. Elogio ao governo pelo combate à corrupção no Ministério da Saúde. Avanço da corrupção. Apoio à viagem do Presidente Lula à China.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/2004 - Página 15724
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL. POLITICA SALARIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, VOTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, COMPLEMENTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, ANUNCIO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • ANALISE, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), REAJUSTE, SALARIO MINIMO, ELOGIO, PARTICIPAÇÃO, PAULO PAIM, SENADOR.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, EX SERVIDOR, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, ARQUIVAMENTO, INQUERITO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, HUMBERTO COSTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), APURAÇÃO, CORRUPÇÃO, EMPRESA, LICITAÇÃO.
  • ANALISE, AUMENTO, CORRUPÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, FAVELA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), FORMAÇÃO, QUADRILHA, TRAFICO, DROGA, PROTESTO, IMPUNIDADE.
  • APOIO, VIAGEM, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, EXPECTATIVA, AMPLIAÇÃO, PROCESSO, GLOBALIZAÇÃO, PARCERIA, ECONOMIA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, é uma alegria falar com V. Exª na Presidência. V. Exª está numa evidência muito grande, pois, primeiro, liderou a PEC paralela. Foi uma vitória muito bonita neste Senado. Com muita categoria, nós, principalmente os do Rio Grande do Sul - Zambiasi e eu -, seguimos V. Exª, que conseguiu que um grupo considerável de Parlamentares fizesse com que aquela fosse uma votação histórica, uma votação em que ou o Governo cedia ou derrotávamos a PEC do Governo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fizemos algo que não acontece pela primeira vez nesta Casa: um acordo de honra. Votar eles não queriam. A tese deles era a de que a matéria teria de ser votada imediatamente, de que não poderiam esperar que ela fosse para a Câmara. Eles queriam o nosso compromisso de votar. Fizemos o entendimento. O próprio Presidente da República falou com V. Exª, e o Governo assumiu o compromisso de que a PEC seria votada na Câmara dos Deputados. Votamos aqui tranqüilamente - ou melhor, não é verdade que o fizemos tranqüilamente, porque a matéria quase foi rejeitada, sendo aprovada por poucos votos.

Estamos esperando. Por exemplo, outro dia votei contra o projeto do Governo, porque se estava regulamentando a matéria, enquanto a nossa PEC paralela não era aprovada. Regulamentou-se aqui a questão dos inativos, que tratamos de maneira diferente na PEC paralela. Isso está deixando mal o Governo.

Assumi o compromisso com o então Líder da Oposição de vir a esta tribuna para me retratar e pedir desculpa caso isso não aconteça, e S. Exª se comprometeu a vir aqui pedir desculpas se a PEC for aprovada na Câmara. Mas, na verdade, estou-me sentindo numa posição muito indisposta, embora, Sr. Presidente, V. Exª tenha dito ontem - e as informações que tive foram essas - que agora é definitivo: a matéria será aprovada, provavelmente na próxima semana.

Agora, Senador Paulo Paim, está V. Exª neste outro drama, que é o salário mínimo. V. Exª tem uma biografia que emociona. V. Exª veio lá da minha terra, Caxias do Sul, proveniente de família simples, humilde. É um homem trabalhador, que veio subindo e crescendo. Impôs-se no meio sindical. Elegeu-se Deputado Federal numa votação espetacular. Durante todo esse tempo, sempre mantém uma linha que tem como principal ponto a maior desgraça brasileira, que é exatamente a miséria de nosso salário mínimo. V. Exª teve algumas vitórias, que não foram espetaculares, porque o salário mínimo brasileiro nunca foi grande coisa, mas que foram vitórias em que o Governo concedeu algo. Não acredito que será no Governo do PT que isso não acontecerá. Não creio que, em se tratando de salário mínimo, o Governo do PT seja inflexível no sentido de que a palavra do Ministro da Fazenda tenha que ser palavra de honra. Acho que vale muito mais a história e o compromisso do Governador, do Presidente da República, do PT, do que as mudanças de idéias do Ministro da Fazenda.

V. Exª está numa posição delicada, mas duvido que o PT brigue com V. Exª. O máximo que poderá acontecer é V. Exª votar de acordo com a sua consciência, que talvez não seja aquilo que o PT queira. Mas duvido que o PT obrigue V. Exª a votar contra a sua consciência. Duvido que o PT brinque de querer fazer algo com relação a V. Exª, porque V. Exª é de um partido que tem como marca predileta a credibilidade e a ética. O padrão do PT não foi a vitória do Lula. O Lula é Presidente hoje e amanhã não vai ser; o PT ganhou hoje e amanhã pode perder. O padrão de ética o PT tinha e tem, mas estão começando a aparecer arestas que podem ser aprofundadas. E a presença de V. Exª no PT é garantia profunda que soma a favor da ética. Se V. Exª saísse do PT, eu o receberia com muita alegria no PMDB, mas o PT sofreria não um arranhão, mas uma verdadeira chaga aberta que não fecharia.

Falo isso com muito carinho e respeito no momento em que estou aqui e em que V. Exª está na presidência dos trabalhos, porque é muito importante salientar essas questões, principalmente para os nossos irmãos do Rio Grande do Sul nos que estão vendo agora, para mostrar a importância, a credibilidade e a seriedade que tem o Senador Paulo Paim no Brasil inteiro.

Dito isso, Sr. Presidente, venho aqui fazer um elogio ao Governo. V. Exª não calcula com que alegria venho à tribuna para fazê-lo. Eu tenho simpatia por Lula, gosto do Lula. Lula é um fenômeno que apareceu e temos de reunir-nos a ele para irmos adiante.

Eu, que sou franciscano e tenho as minhas obrigações diárias de meditação, medito muito e peço a Deus pelo Lula. Entre os pedidos que faço a Deus está o de que liberte o Lula, dê-lhe olhos para olhar o passado e o presente, para olhar em volta e ver que seu mundo não é o Gabinete da Presidência da República, nem a sala de estar do Alvorada, nem mesmo a hora de comer um churrasco na Granja do Torto. O seu mundo é o Brasil, são seus irmãos, são os milhões de brasileiros que confiaram e votaram nele, que têm um voto de esperança e a expectativa de que as coisas vão mudar. São aqueles brasileiros que, no início do Governo, iam atrás de Lula quando ele andava. Agora Sua Excelência já não vai.

O Dr. Getúlio, nos momentos mais dramáticos, às vésperas do suicídio, quando estava sendo derrubado, festejou o 1º de Maio, e os trabalhadores o homenagearam. O nosso querido Lula - quem diria! -, no dia 1º de Maio, rezou na sua igreja, em São Bernardo, e o padre - que, na minha opinião, não foi feliz - resolveu, no seu sermão, interpelar o Lula com relação ao salário. Até na igreja, onde ele procurou a meditação, foi cobrado.

V. Exªs devem ter reparado a alegria com que o ex-Líder do PT estava na tribuna hoje. É uma felicidade que há muito tempo não vemos num Senador do PT que vai para a tribuna. S. Exª estava denunciando um fato de corrupção contra o qual o Governo atuou. É exatamente o que venho fazer aqui. A forma como o Ministro Humberto Costa tratou o caso de corrupção em seu Ministério é um exemplo para a Administração do PT - para o Lula, porque a Administração é uma só. Por que o Ministro Humberto Costa age de um jeito e os demais agem de outro? Corrupção é corrupção, e o Governo é do PT, que deve ter uma só forma de combatê-la. Não pode ser uma para o Ministério da Saúde e outra para a Casa Civil. Deve ser uma só a forma de combatê-la.

É um exemplo para a Administração, principalmente depois do escândalo em que um funcionário corrupto, dos altos escalões do Governo, teve a chance de pedir demissão antes de ser exonerado. Trata-se daquele drama cruel que apareceu na televisão, no Jornal Nacional: o cidadão falando, reconhecendo, e o Brasil inteiro, estarrecido. Foi repetida em mais três jornais e em outras televisões a gravação, em que ele dizia: dei tanto para o Governo da Benedita, tanto para o candidato de Brasília, fiz isso, fiz aquilo. E ele ainda teve a chance de pedir demissão. Foi exonerado a pedido, não foi demitido a bem do serviço público.

Enquanto Waldomiro Diniz, ex-Subchefe da Casa Civil, passeia tranqüilamente por Brasília, sem medo de CPI, sem medo de prisão, com o inquérito arquivado, o alto funcionário do Ministério da Saúde Luiz Cláudio Gomes da Silva e mais nove funcionários foram afastados imediatamente e presos pela Polícia Federal. Os jornais ontem estamparam a fotografia desse alto funcionário algemado no carro da polícia, indo para a prisão.

Qual a diferença entre os dois casos? Por que o Governo tratou diferente cada um deles? Essa é uma pergunta importante, essa é uma pergunta fundamental. Por que o Governo agiu corretamente, fez o que tinha que fazer, o que se esperava do Governo do PT - o caso apareceu, a polícia mostrou, denunciou, cadeia - e, no outro caso, exonerou a pedido o cidadão - que está solto - e não deixa criar a CPI? Está bem, o Governo não deixou criá-la, mas fez um negócio interno, uma apuração interna na qual nem o funcionário nem o Chefe da Casa Civil foram ouvidos. Não deu em nada, não aconteceu nada.

O Brasil é um país em que a corrupção alcança níveis cada vez mais amplos e envolve cada vez mais recursos. São quadrilhas organizadas operando no País. O grave é que hoje não é mais o que era quando cheguei ao Senado Federal. O escândalo na favela era o jogo do bicho. A polícia ia à favela para prender os bicheiros, que eram realmente bicheiros. Era o jogo do bicho. A corrupção que havia na Polícia do Rio de Janeiro era o dinheiro que os bicheiros davam aos policiais para colocar uma mão em cima. Então, era uma mentira. A polícia ganhava dinheiro dos bicheiros para deixar funcionar o jogo do bicho, apesar de proibido.

Hoje, quem sobe aos morros são as quadrilhas organizadas. Podemos dizer que o Brasil tem máfia organizada, como essa quadrilha. Não pensem que são apenas esses dez. Isso vem de longe, vem de longe. Há muito tempo sabemos dos cartéis que se formam. Não é verdade que essa é uma característica excepcional da saúde.

Enquanto era Governador, tomei conhecimento de cartéis que se organizavam nesse sentido. A coisa é mais simples. Pega-se o dossiê, faz-se o levantamento, e tudo está perfeito. Faz-se o estudo para comprar mil aparelhos de ar-condicionado e cinco empresas se apresentam. É feita a licitação, perfeita, correta. Uma é dez, outra é doze, outra é quinze, outra é vinte. Está tudo direitinho. Mas, nessa licitação, é a empresa A que entra com o preço mais baixo, e as outras deliberadamente o colocam lá em cima.

Aconteceu uma vez uma coisa fantástica que me fez mudar completamente meu Governo. A Secretaria de Educação fez uma licitação para a compra de aparelhos de ar-condicionado, e ganhou o aparelho X. O Secretário veio despachar comigo e disse: pegamos uma marca boa, preço bom etc e tal. Mas, coisa do destino - o árabe diz maktub, estava escrito -, quando cheguei em casa, minha mulher me perguntou: “O que achas de comprarmos um ar-condicionado, pois está aqui...” E abriu o Zero Hora, em que, num anúncio de página inteira de uma loja, estava lá: oferta de aparelho de ar-condicionado. Era a mesma marca, pela metade do preço. Ou seja, pela metade do preço, estava sendo ofertado para quem quisesse comprar, e o Governo estava comprando pelo dobro do preço. Fomos ver, e era algo que existia há muito tempo. A empresa A, a empresa B, a empresa C, a empresa D e a empresa E agiam em conjunto; cada vez ganhava uma.

Hoje o escândalo é oficializado; está na porta, na rua, nas grandes organizações, tem Deputado, quiçá Senador; tem membro do Judiciário, tem juiz. Vemos os casos.

De repente, nós, da CPI, conseguimos prender o Cacciola. Provado que ele era ladrão, provada a roubalheira, foi decretada a prisão e ele foi para a cadeia. Mas havia um determinado juiz envolvido com o escândalo e num fim de semana, deliberadamente, o advogado entrou com o pedido de habeas corpus. O pedido foi deferido e o Sr. Cacciola pegou um jatinho, saiu dali e foi direto para a Itália. Corremos atrás do Presidente do STJ para que S. Exª anulasse aquela decisão. Quando a anulou, no mesmo dia, o Cacciola já estava na Itália.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite-me um aparte Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Pois não, Senador.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Pedro Simon, o País todo está atento às suas palavras. Lembro-me de que, nos idos de 50, quando Carlos Lacerda falava às quintas-feiras, às 21h, na Rádio Globo, o País parava. O País, hoje, deve estar atento a Pedro Simon. Mas eu queria aqui confessar, meu Líder Pedro Simon - tenho o direito de escolher o Líder - o seguinte: não tenho mais crença neste Governo. Creio em Deus, no trabalho, no estudo, no amor, no País; mas, no Governo, não. Confesso-lhe agora, Senador Pedro Simon. Quando o nosso Partido se aproximava - eu não, fui antes, votei no Lula, acreditei, participei, fiz o Piauí cantar “Lula lá! Mão Santa cá!” E vencemos - eu disse ao Líder do Governo, o nosso Mercadante: se é para o PMDB tomar parte, convide os que nos simbolizam. Só um nos simboliza: Pedro Simon. Pedro Simon é história; Pedro Simon é Ulysses Guimarães encantado no fundo do mar; é Teotônio, com câncer, que andou conclamando a esperança na democracia. Ele mesmo aconselhou: não se candidate a Presidente, porque V. Exª será derrotado. Tem que ficar como mártir. É Tancredo que foi imolado. São as virtudes que me atraem para o PMDB. Leve Pedro Simon - embora com as dificuldades do Rio Grande do Sul pelo PT, mas ele nos simboliza. E o Pedro Simon não foi. Ontem eu vi, nessa tribuna, Antonio Carlos Magalhães descrever os que foram. Não são palavras do momento; são palavras de reconhecimento, minhas e do meu Estado do Piauí. Quando governei aquele Estado, Deus me inspirou outorgar a maior comenda, a Grã Cruz Renascença na antiga Capital - está aqui, do meu lado, Marcos Silva, vice-Prefeito de Teresina, que é do PMDB - lá em Oeiras, traduzindo o respeito e o assentimento do povo do Piauí, que esperava, naquela época, Pedro Simon ser nosso candidato a Presidente da República.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço, emocionado, o aparte de V.Exª, fruto da vossa generosidade. Tenho muita admiração por V. Exª. Ainda há pouco, quando cheguei nesta Casa, V. Exª já havia falado. Cheguei tarde nesta Casa, porque lá em casa, quando eu saia após o café para vir para cá, estavam a minha mulher, a nossa empregada, a filha da nossa empregada e três zeladoras do prédio em volta da televisão ouvindo V. Exª falar. E V. Exª falava e elas diziam: é verdade. Tudo o que V. Exª afirmava, elas diziam: é verdade. V. Exª fazia uma brincadeira e elas davam gargalhadas. Quando V. Exª disse: “Nós estamos bem. Quando nós queremos, pedimos um cafezinho e nos trazem ...” -Como estão agora trazendo para V. Exª - “Agora, o povo lá fora...” E elas bateram palmas e disseram:“é isso mesmo, Senador, é isso mesmo que está acontecendo”.

Felicito V. Exª. V. Exª tem trazido para a tribuna cheiro de povo, sentimento de povo. Ao contrário do que se falou, que alguém não gosta dos discursos de V. Exª, penso que o Lula deveria analisá-los, e bem. A linguagem de V. Exª é a linguagem que o Lula viu a vida inteira, quando ele andava pelo sindicato, ou mesmo quando candidato à Presidência, com cheiro de povo e com vontade de povo. Não ouve agora, porque agora o nosso Ministro da Fazenda tem uma linguagem elitizada. Até fico impressionado porque ele é do PT, a vida inteira foi do PT, mas, na realidade, ele é médico. Ele é de uma outra ala do PT, mas a sua linguagem é quase igual à linguagem do Presidente do Banco Central. E os dois têm uma linguagem por demais conhecida por todos nós.

O Brasil é um país em que a corrupção alcança níveis cada vez mais amplos, envolve recursos, repito, de quadrilhas organizadas, operando dentro do Estado brasileiro. Várias vezes já se encontraram em quadrilhas armas mais poderosas do que as do Exército brasileiro.

Tenho dito que, no Brasil, temos setores iguais aos da Colômbia. Na Colômbia é oficializada. Lá, o governo, as forças revolucionárias, os terroristas e os bandidos chegaram à conclusão de que, em determinadas áreas, eles podem ficar; lá a policia não entra, lá o exército não entra - eles estão ali. É uma cidade, é uma região. A coisa é de tal maneira brutal, seria uma luta fratricida tão grande que eles chegaram a essa conclusão: esse é o território de vocês; aqui não entramos.

No Brasil não tem isso. Mas cá entre nós, em alguns lugares, como a Rocinha, praticamente é isso. Na prática é isso. Lá pelas tantas, a polícia sobe, dá uma busca etc. Mas, no dia-a-dia, quem manda nesses lugares são as quadrilhas. Elas que têm o poder, elas que têm a força, elas que decidem. Agora, nesses últimos dias, houve uma guerra de quadrilhas para decidir quem mandaria na Rocinha. A polícia estava ali assistindo, olhando, presenciando, não tomando parte, porque as quadrilhas estavam lutando para ver quem ganharia. Mataram um líder da Rocinha. Foi um pavor. O outro lado parou, todo mundo parou, porque era um grande líder. A Rocinha parou. O Governo disse: não fechem as portas das lojas, não fechem as escolas, elas têm que continuar. Por três dias, as lojas ficaram fechadas; nas escolas não houve aula; durante três dias, ninguém falava. Era luto decretado. E o enterro foi de primeiro ministro. Todo mundo no enterro. Aquele homem foi morto praticamente na frente da televisão. Ele tinha que ser pego e levado para o Instituto Médico Legal. O Instituto Médico Legal tinha a obrigação de fazer o exame no cadáver. Era essa a determinação, está no código, não tem como discutir. Alguém pensou em pegar o cadáver e levar para o Instituto Médico Legal para fazer o exame? Alguém pensou em fazer algo assim? Ninguém abriu a boca. Porque é uma lei; ali mandam eles.

E - Deus me perdoe - para aquela gente o programa Fome Zero ainda não chegou; para aquela gente o programa Primeiro Emprego ainda não chegou, muito menos dez milhões de empregos; para aquele gente que está ali abandonada e esquecida, a única esperança são os bandidos, que pegam e dão dinheiro para o guri levar os pacotes de droga, que dão dinheiro para os outros fazerem a fiscalização, que, lá pelas tantas, dão o dinheiro para ajudar um, para ajudar outro. Dessa gente, eles recebem o dinheiro; da polícia, eles recebem cassete, pau e violência. Não têm escola, não têm nada, não têm o direito a outra esperança e a outro porvir, senão entrar numa quadrilha e começar por baixo.

Aparentemente nossas instituições ainda não sabem lidar corretamente com essas questões. O Brasil age como há trinta anos, quando havia um bandido que matava aqui, outro que assaltava ali. O máximo que havia eram três que se armavam juntos.

A Itália, por exemplo, fez a Operação Mãos Limpas. Fui Presidente de uma Subcomissão da Comissão de Constituição e Justiça e trouxemos, na ocasião, ministros e procuradores que integraram a chamada Operação Mãos Limpas, que acabou com a máfia italiana, prendendo centenas de pessoas, entre elas empresários. O primeiro-ministro da Itália foi parar na cadeia, mais de cinqüenta deputados foram cassados e presos, mais de cem grandes empresários foram presos, porque foi um trabalho feito para valer.

Nós precisamos de uma organização assim. Ficamos aqui discutindo, por exemplo, se o Exército vai ou não subir a favela. Dizem alguns que o Exército não está acostumado a fazer isso, que o Exército está preparado para matar o inimigo, que não está preparado para isso. Aí fica a discussão sobre o que fazer e sobre quem comandará as tropas, se a Governadora Rosinha ou o Comandante do 2º Exército. E não se chega a uma solução. Decidem que o Exército vai participar, mas não vai subir o morro, ficando apenas na entrada e na saída das favelas.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Sr. Presidente, já vou concluir, pedindo desculpas a V. Exª.

No entanto, temos código de conduta ética do funcionalismo para todos os gostos. O ex-Presidente Fernando Henrique até criou um código de ética para funcionários da alta administração - uma piada, não precisava, mas criou, para dizer quando o cidadão pode pegar o jatinho, quando pode entrar de férias etc.

Temos leis em profusão no Ministério Público. Diga-se, de passagem, atuante Ministério Público o nosso. Há denúncias e processos judiciais que desvendaram verdadeiras redes criminosas dentro das instituições públicas. Mesmo assim, a corrupção avança, desviando bilhões de reais em programas sociais e obras públicas.

Isso não acontece só no Brasil. Recentemente, vimos grandes corporações norte-americanas e mundiais envolvidas em escabrosos escândalos de corrupção. Uma das maiores empresas americanas falsificava balanços e roubava fortunas. Isso aconteceu, mas o governo agiu, fechando-as.

A diferença é que nos outros países os culpados são punidos. No Japão, repito, dois ex-presidentes do Banco Central se suicidaram, de vergonha, quando foram descobertos. O ex-chanceler Helmut Kohl, mentor da unificação da Alemanha, herói da Alemanha, caiu em desgraça após a descoberta de um modesto pedido - lá é parlamentarismo - de dinheiro a três empresas para ajudar cinco parlamentares e não perder a maioria. Caiu em desgraça.

Repito aqui que a Operação Mãos Limpas foi a coisa mais espetacular que aconteceu na Itália. Eles vieram aqui e lotaram o Auditório Petrônio Portella. Chamamos entidades diretamente ligadas ao caso. Lamentavelmente, nada aconteceu no Brasil. Tudo continua igual; lamentavelmente, aqui, as coisas não se alteraram.

Por isso, se de um lado entrei com recurso no Supremo, ao lado do ilustre Líder do PDT, pedindo a criação de uma CPI para analisar o caso do jogo do bicho, por outro lado, venho falar com muita alegria sobre o que o Governo fez hoje. Que não seja um caso isolado, que o Governo adote uma medida e que na CPI cujo Relator é um Deputado do PT comecemos a funcionar com mais firmeza, mais convicção e mais autoridade.

O Presidente está indo para a China. Aprovo a sua viagem. Creio que o diálogo do Presidente brasileiro tentando fazer um quarteto Brasil, China, Índia e África do Sul é altamente significativo. A China não é um país, mas um mundo de 1,5 bilhão de pessoas com o qual temos condições de fazer grandes negócios.

Neste momento, faço aqui uma homenagem ao Dr. João Goulart. Ele foi à China oficialmente, como Vice-Presidente da República, e falou no parlamento chinês em nome do povo brasileiro e de Jânio Quadros. E prenunciou que China e Brasil teriam um encontro marcado na História.

Faço um apelo para que a TV Senado busque no filme da vida sobre Jango a parte em que ele aparece discursando no congresso chinês, dizendo ao povo chinês exatamente o que digo aqui: o meu País longínquo, lá do outro lado, e vocês, chineses, têm um encontro marcado no futuro. Haveremos de participar de um mundo onde haja paz. Haveremos de desenvolver juntos os nossos trabalhos. Os nossos povos trabalharão e poderão produzir para a paz. Haveremos de ter um grande movimento de integração.

Hoje Lula está indo àquele país, repetindo, como Presidente da República, a histórica viagem de João Goulart. Quando Jango estava lá, quiseram cassar-lhe o mandato aqui. Jânio Quadros renunciou, e quiseram impedir que ele assumisse o poder.

Jango merece esta grande homenagem pelo fato de estar acontecendo agora aquilo que ele prognosticou em 1961. Lula firmará grandes convênios e acordos. Se depender desta Casa, será realmente excepcional que a China e o Brasil façam o intercâmbio de seus produtos. A China fabrica milhares de produtos que não temos condições de produzir, e o Brasil tem centenas e centenas de produtos que eles têm condições de aceitar.

Trata-se de uma viagem histórica e extremamente importante. Uma das coisas que o Presidente Lula poderia pedir ao Primeiro-Ministro chinês é exatamente o diálogo das grandes nações, como China, Índia, Brasil e África do Sul, no que tange à acomodação mundial, para que não se faça concentração da globalização em torno de alguns, em torno dos Estados Unidos, em torno do Mercado Comum Europeu. Os juros da dívida externa para o Japão são de praticamente 1,5% e para os Estados Unidos praticamente nada, e nós pagamos esse juro externo absurdo e escandaloso. O governo chinês poderia ser um grande aliado do Presidente Lula nessa tese.

O meu abraço ao Presidente da República pelo que fez no Ministério da Saúde, lamentando que isso não tenha se repetido em outros órgãos. Que este exemplo seja o primeiro e que, em sequência, seja possível atingir o episódio ocorrido na Casa Civil. Minhas felicitações pela viagem. Que Deus lhe dê felicidade para realmente marcar uma era nova entre o Brasil e o Extremo Oriente.

Sr. Presidente Mão Santa, V. Exª acaba de assumir a Presidência, honrando e dignificando o meu pronunciamento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/2004 - Página 15724