Discurso durante a 62ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Problemática do modelo de saneamento básico e do sistema de captação de água potável no país.

Autor
Hélio Costa (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: Hélio Calixto da Costa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SANITARIA.:
  • Problemática do modelo de saneamento básico e do sistema de captação de água potável no país.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/2004 - Página 15892
Assunto
Outros > POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • GRAVIDADE, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), DEFICIENCIA, SANEAMENTO BASICO, ABASTECIMENTO DE AGUA, SUPERIORIDADE, RESIDENCIA, BRASIL, AGRAVAÇÃO, INDICE, MORTALIDADE INFANTIL.
  • ANUNCIO, GOVERNO FEDERAL, MINISTERIO DAS CIDADES, ELABORAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, SETOR, SANEAMENTO, DEFESA, DEBATE, CONGRESSO NACIONAL, APREENSÃO, ALTERAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, SITUAÇÃO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), EFICACIA, ATUAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS (COPASA), DISCORDANCIA, TENTATIVA, PRIVATIZAÇÃO, LUCRO, REGIÃO SUBDESENVOLVIDA, REGISTRO, DADOS.
  • COMENTARIO, REGULAMENTAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, OCORRENCIA, PREJUIZO, COMPANHIA ENERGETICA DE MINAS GERAIS (CEMIG), PERIODO, TRAMITAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), NECESSIDADE, PREVENÇÃO, PROBLEMA, EMPRESA DE SANEAMENTO, DEFESA, DEBATE, AUDIENCIA PUBLICA, MINISTERIO DAS CIDADES, EMPRESA ESTATAL.

O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, novamente abordarei um problema nacional da maior importância, o qual diz respeito notadamente às regiões mais pobres do meu Estado, Minas Gerais, e do País como um todo. Refiro-me à política de saneamento básico e à captação de água potável.

Lamentavelmente, Sr. Presidente, as estatísticas são demolidoras, pois 44% de nossas residências não têm esgoto encanado, e um índice um pouco menor não têm água tratada.

Infelizmente, nos últimos dez anos, o índice de saneamento básico nas cidades brasileiras cresceu apenas 10%, ou seja, 1% ao ano.

Hoje, dados lamentáveis que constam das estatísticas do IBGE nos revelam que a cada 15 minutos morre uma criança no Brasil em virtude da contaminação por falta de saneamento ou por ingerirem água não potável. Portanto, nos próximos 18 minutos em que ocuparei esta tribuna, pelo menos, mais uma criança estará morrendo no Brasil porque não temos saneamento básico em 44% de nossas residências.

No Estado de Minas Gerais notadamente, e também nos de São Paulo e Paraná, assim como nos demais 24 Estados da Federação em que o setor saneamento básico é administrado diretamente por empresa estatal, como é o caso específico de Minas Gerais, temos um modelo primoroso de administração feito pela Copasa, uma empresa que não visa lucro, mas, sim, o social, à qual consegue gerir seus recursos na maioria dos 853 Municípios. Por isso devemos insistir nessa nossa preocupação com relação ao projeto de lei que está sendo elaborado pelo Ministério da Cidade, que deverá ser enviado pelo Poder Executivo, pela Casa Civil, ao Congresso Nacional nos próximos dias, tão logo o Presidente Lula retorne de sua viagem à China, em que o Governo prepara uma verdadeira intervenção no sistema de saneamento e de captação de água potável.

Mas, Sr. Presidente, infelizmente alguns setores não entenderam que a melhor forma de governar é não intervir, é não interferir. É deixar que as coisas que estão dando certo no Governo continuem a dar certo. Quando não for necessário mudar, que não se mude. Se uma empresa está dando certo, por que vamos interferir no seu processo? Por que razão pegaríamos um setor que está atendendo às necessidades básicas da população para, de repente, fazermos uma revolução dentro dele? A quem estaríamos prejudicando? Principalmente às pequenas cidades.

Sr. Presidente, Minas Gerais, o meu Estado, tem o tamanho do território francês, possui 853 Municípios, dos quais cerca de 500 têm menos de 10 mil habitantes. Esta é a razão pela qual estou aqui: a preocupação com as pequenas cidades do meu Estado.

Essa tal regulamentação do setor de saneamento que se pretende fazer e que está sendo preparada precisa passar pelo crivo do Congresso Nacional. Precisa ser estudada seriamente pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, para que não se entregue nas mãos de burocratas uma situação tão importante quanto a do saneamento, sobretudo no que se refere à administração do saneamento e da captação de água potável.

O que não podemos fazer é repetir os erros que cometemos quando vimos o Governo intervir diretamente na questão do modelo energético. Há aproximadamente quatro meses, discutimos uma medida provisória do setor energético. E, nos sessenta dias em que ficamos aqui discutindo se a medida provisória deveria ser rigorosa e integralmente aceita, houve um prejuízo de milhões de reais na empresa de energia elétrica de Minas Gerais e na do Estado do Paraná. Enfim, todas as empresas energéticas estatais tiveram prejuízo, porque a medida provisória determinava algumas medidas que não foram aceitas pelo Congresso Nacional. Mas, enquanto esteve em vigor, essas empresas ficaram impossibilitadas de firmar contratos ou até de cumprir aquilo que já tinham estabelecido anteriormente.

É desnecessário falar nos estragos ocorridos nos investimentos, porque tudo aquilo que estava preparado para ser investido em Minas Gerais, no setor energético, ficou paralisado, enquanto se discutia a medida provisória desse setor.

Outro exemplo: durante o “apagão” do governo passado, ficou estabelecido que a Eletrobrás importaria, mensalmente, da Argentina, R$300 milhões de energia. Em nenhum momento, foi necessário usar essa energia extra que estava sendo comprada da Argentina. Entendo até que foi uma medida precavida, porque, afinal de contas, se faltasse energia neste País, seria um desastre ainda maior. Compramos uma energia, pela qual pagamos R$300 milhões por mês, durante três anos, apenas para ter a certeza de que não faltaria energia elétrica. Quem pagou isso? A Eletrobrás. Agora, ocorre o inverso. A Argentina é que tem um “apagão” e precisa de energia. O Brasil pode supri-la e já a está suprindo. Entretanto, quem recebe agora os R$200 milhões que a Argentina vai pagar ao Brasil? Não é para a Eletrobrás. Agora, faz-se uma licitação e quem ganhá-la recebe os R$200 milhões.

Senador Edison Lobão, duvido que isso seja legal. Não pode estar certo: uma empresa brasileira paga para não faltar energia e, na hora de vendê-la, é outra empresa que vai vender. Esse é o modelo energético. Essas são as intervenções que considero lamentáveis e para as quais estou tentando alertar para que não aconteçam no setor de saneamento.

O Sr. Edison Lobão (PFL - MA) - V. Exª tem toda razão no espanto que manifesta, que é também meu. Legal, também duvido que seja. Mas vá lá que seja. Sendo legal, demonstra que fizemos um péssimo negócio ao comprar aquilo que não consumimos por culpa nossa e ao vender uma preciosidade que temos nas condições em que estamos operando. Significa que somos péssimos negociadores, no mínimo. Ou, então, não é legal.

O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG) - Sem dúvida nenhuma, Senador Edison Lobão. Espero que posamos discutir amplamente esse assunto, principalmente nas Comissões afins. V. Exª é Presidente da mais importante Comissão desta Casa. Tenho certeza de que vamos, desta vez, pelo menos tentar evitar os estragos causados com a regulamentação de setores, como se faz normalmente, sem o devido estudo pelos setores que realmente entendem e são competentes e capazes.

Pergunto, por exemplo, na proposta que está sendo elaborada para praticamente privatizar o setor de saneamento no País, levando-se em consideração que, em 24 dos 27 Estados há empresas estatais, empresas que investem anualmente R$3 bilhões no setor saneamento e no setor captação de águas, se aqueles que estão elaborando esse projeto de lei que chegará aqui conhecem o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, se eles sabem o que está ocorrendo na região norte de Minas. Por exemplo, no Jequitinhonha, localizam-se as cidades de Pedra Azul, Virgem da Lapa, Turmalina e, no norte de Minas, Mato Verde, Taiobeiras, São João do Paraíso. Cito essas cidades por serem aquelas que compõem o quadro da Copasa.

Senador Edison Lobão, dos 856 Municípios de Minas Gerais, a Copasa, empresa estatal de saneamento em Minas Gerais, cobre 556 Municípios. Desses, 144 são superavitários, ou seja, dão lucro. Porém, 412 dão prejuízo: Teixeiras, na Zona da Mata; Carandaí nas vertentes, Mato Verde, no Jequitinhonha, pequenas cidades como aquelas que citei anteriormente. Quero que alguém do Ministério das Cidades me indique qual é a empresa nacional que quer investir em Mato Verde, ou seja, nessas pequenas cidades, que não dão lucro, mas prejuízo. A Copasa, a Companhia do Paraná e a Companhia de São Paulo são empresas importantes, porque, ao atender um pequeno número de grandes cidades, conseguem ser uma empresa modelo superavitária, visto que utilizam esse dinheiro do lucro para investir nas pequenas comunidades. E como é importante essa questão da água tratada.

Os dados são da Organização Mundial de Saúde. Cada um real investido em saneamento e em água tratada representa uma economia de quatro reais na saúde pública. Temos que repetir todos os dias esses números da Organização Mundial de Saúde. Em Minas Gerais, como disse, de 556 Municípios, 412 são deficitários e apenas 144 dão lucro. Entre esses 144, certamente, está a cidade de Belo Horizonte, que representa hoje 40% do lucro da Copasa.

Mas é assim, Sr. Presidente. Os ricos pagam pelos pobres. Os que têm mais pagam pelos que têm menos. Essa é a democracia que devemos ter no modelo capitalista. É assim que a verdadeira democracia funciona. Quem tem muito divide com quem não tem nada e quem tem um pouco divide com quem tem pouquinho, para que todos possam compartilhar.

Hoje, Sr. Presidente, os Municípios deficitários de Minas Gerais são um exemplo do que acontece em todo o País, porque no Brasil inteiro há 3.921 Municípios atendidos por empresas estatais e que são deficitários. Nesses 3.921 Municípios, o que se arrecada, vendendo água e construindo esgotos, não paga o serviço. São 82%, mas os 20% restantes cobrem todas as atividades das companhias. Assim, o processo é equilibrado, não depende de recursos do Estado. O que querem fazer é tornar cada uma dessas empresas totalmente dependentes dele. Se o Estado não tiver dinheiro, não haverá saneamento; se não tiver recursos, não poderá fazer a captação de água potável. É essa a proposta.

O subsídio cruzado -- o que se arrecada em Belo Horizonte dá para cobrir pelo menos 200 pequenas cidades no interior de Minas Gerais -- é o que salva a empresa estatal de saneamento; por meio dele, há recursos para expandir o sistema.

Eu gostaria que o Senador Mão Santa estivesse aqui presente para ouvir os números do Piauí. A Gespisa, empresa de saneamento daquele Estado, tem 164 Municípios sob a sua orientação, mas em apenas cinco -- só cinco -- é superavitária. Cinqüenta e quatro por cento da receita de toda a empresa de saneamento do Piauí está em Teresina; dos 164 Municípios, 159 são deficitários.

Na hora em que se pedir a uma empresa privada para ir ao Piauí, ao Ceará, a Roraima, ao norte de Minas, ao Jequitinhonha, a fim de implantar serviço de saneamento ou de água, quero ver quem irá. Quero ver qual é a empresa que se proporá a investir de R$1 bilhão a R$10 bilhões no Vale do Jequitinhonha. Não investirá, porque não terá lucro. Acontecerá o mesmo que ocorreu com as empresas de telefonia no Brasil.

Em Minas Gerais, por exemplo, existiu uma empresa modelo, a Telemig, que foi privatizada e passou a ser chamada Telemar. Agora, não se instala telefone fixo -- não precisa ser celular -- em uma comunidade rural que vive exclusivamente do plantio de hortifrutigranjeiros e depende de um telefone para saber se a Ceasa abriu, se há caminhão esperando para levar seus produtos para Belo Horizonte, porque isso não dá lucro. Lá não haverá telefone, porque são necessárias pelo menos 600 residências, e só há 300. Dessa forma, tem-se que mandar um caminhão sair da zona rural, andar 20 quilômetros, chegar até o primeiro telefone e ligar para Belo Horizonte, para saber se querem a verdura que está sendo produzida. É assim que funciona: intervenções desnecessárias em setores que estão absolutamente afinados com a realidade social do País. Há recursos do BID, do Banco Mundial, do BNDES, de agências internacionais e nacionais para atender o setor, desde que se trate de uma empresa estatal, que não vise ao lucro, apenas ao lucro social. Na hora em que se retirar isso, em que se julgar que é do Estado a responsabilidade de tudo é que veremos, rigorosamente, se isso dará certo.

Sr. Presidente, a política nacional de saneamento que está sendo projetada para ser enviada ao Congresso Nacional diz o seguinte:

O Governo Federal, sob a coordenação do Ministério das Cidades, vem, desde meados de 2003, elaborando propostas de leis federais para o saneamento. Estas propostas estão em processo de conclusão, atualmente sob a análise jurídica da Casa Civil da Presidência da República, para posterior envio ao Congresso Nacional. O Ministério das Cidades prevê que o envio dos projetos de lei seja logo depois da chegada do Presidente.

Agora, há um detalhe, Senador Edison Lobão: o Ministério das Cidades não tem autoridade para fazer isso. Tem-se que fazer uma lei complementar, para que se possa intervir nesse processo. Continuo a ler o documento:

A União possui duas competências específicas neste tema: competência legislativa privativa (CF, art. 21, XX) para definir diretrizes gerais para o desenvolvimento urbano, incluindo o saneamento básico; e competência material comum com os demais entes federados (CF, art 23, IX, e parágrafo único) para melhorar as condições do saneamento básico. As normas de cooperação da União com os demais entes federados deveriam ser editadas por lei complementar.

Enquanto não existe essa lei complementar, é ilegal o que se está tentando fazer.

Eu gostaria de lembrar, Sr. Presidente, que tenho realizado um grande esforço para evitar que essa lei chegue a esta Casa. Na semana passada, telefonei ao Ministro Aldo Rebelo.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. HÉLIO COSTA (PMDB - MG) - Disse a S. Exª da importância de pelo menos discutir o tema com as 24 empresas estatais, que não foram ouvidas. Elas têm de ser ouvidas no processo!

A situação é muito simples: se o processo chegar, encontrará aqui uma barreira, que é a defesa intransigente que faço, acima de qualquer coisa, exceto do País, dos interesses do meu Estado de Minas Gerais, que, tenho certeza, são também os da Nação.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/2004 - Página 15892