Discurso durante a 62ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Abandono das ferrovias nacionais. Necessidade da conclusão da ferrovia Norte-Sul.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • Abandono das ferrovias nacionais. Necessidade da conclusão da ferrovia Norte-Sul.
Aparteantes
João Ribeiro, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/2004 - Página 15895
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • PROTESTO, ABANDONO, FERROVIA, BRASIL, QUESTIONAMENTO, CONVENIO, CAIXA ECONOMICA FEDERAL (CEF), CONSTRUÇÃO, HABITAÇÃO POPULAR, TERRENO, REDE FERROVIARIA FEDERAL S/A (RFFSA), PREVISÃO, PREJUIZO, RECONSTRUÇÃO, TRANSPORTE FERROVIARIO, DESTRUIÇÃO, PATRIMONIO PUBLICO.
  • REITERAÇÃO, VANTAGENS, FERROVIA, TRANSPORTE DE CARGA, SOJA, EXPORTAÇÃO, EXPECTATIVA, CAPTAÇÃO, INVESTIMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, TRANSPORTE FERROVIARIO, BRASIL.
  • IMPORTANCIA, CONCLUSÃO, FERROVIA, LIGAÇÃO, REGIÃO, AGRICULTURA, CERRADO, PORTO, ESTADO DO MARANHÃO (MA), EXPECTATIVA, RETOMADA, APOIO, GOVERNO FEDERAL, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desta tribuna, já lamentei muitas vezes que, não obstante a relevante prioridade dada ao nosso sistema rodoviário, tivesse sido completamente relegado o parque ferroviário, um dos principais marcos alavancadores dos saltos econômicos dos países desenvolvidos.

No Brasil -- que se distinguiu no século XIX e primeiras décadas do século XX, por se incluir entre os países que acreditaram na força econômica das ferrovias --, não soubemos, infelizmente, sequer manter o patrimônio ferro-carril, que começou a ser construído pelo Barão de Mauá, com as duas primeiras ferrovias inauguradas em 1854 -- ligando o Rio de Janeiro a Petrópolis, com 51,7 quilômetros -- e em 1958, com os primeiros quilômetros que iniciaram o nascimento da inesquecível Central do Brasil.

Ao contrário, deixou-se que trilhos fossem arrancados, valiosos bens de ferrovias, surrupiados, e os sedimentados leitos, por onde trafegavam os trens, invadidos por entes privados e públicos.

Ainda agora, anunciou-se que a Caixa Econômica Federal vai financiar a construção de milhares de casas populares em terrenos da antiga Rede Ferroviária Federal. Eu me pergunto: serão edificadas sobre o que resta dos leitos ferroviários? Ou, talvez, nas áreas das remanescentes estações e oficinas de manutenção da Rede? Se assim ocorrer, por onde se fincarão os futuros trilhos das sonhadas novas ferrovias, ou onde elas encontrarão os espaços para os locais de manutenção? É a velha e conhecida imprevidência nacional.

Senador Ramez Tebet, estamos voltando a pensar nas ferrovias do passado e nenhuma descoberta estamos fazendo, estamos apenas imitando todos os países; no que fazemos bem. Ao tempo em que pensamos nessas ferrovias de novo, estamos cuidando de dilapidar o patrimônio antigo de nossas ferrovias, impedindo, ou dificultando, que sejam construídas amanhã no mesmo leito das antigas, já pronto. Não. Estamos destinando aquilo que está ocioso, é verdade, mas que está pronto para ser reiniciado em um passo seguinte. Isso irá demonstrar, depois, uma dificuldade a mais nessa nova ação do Governo brasileiro.

Ouço o eminente Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Edison Lobão, tenho um testemunho importante a dar ao seu brilhante pronunciamento. É triste ver o abandono das nossas antigas ferrovias. O testemunho que posso dar é com referência à Rede Ferroviária Federal. Por exemplo, o trecho entre Bauru, no Estado de São Paulo, e Corumbá, em Mato Grosso do Sul. Essa ferrovia foi privatizada. Quero dizer a V. Exª que ela está inteiramente sucateada. Não houve providência alguma, apesar de eu ter ocupado a tribuna muitas vezes para reclamar do Governo Federal providências contra a desastrosa privatização que houve. Nem sequer estão zelando pelo patrimônio que já existe. Os dormentes estão sendo roubados. Vemos vagões apodrecendo. As velhas locomotivas estão abandonadas. Quanto às casas dos ferroviários do meu Estado, inúmeras vezes tenho ido ao Ministério dos Transportes, além de telefonado para falar sobre o assunto, porque querem despejar essas pessoas pobres que estão vivendo nessas casas. E só não o fizeram na cidade onde nasci, Três Lagoas, Senador Edison Lobão, porque tenho travado uma luta para impedir essa ação, senão já as teriam colocado na rua. Querem cobrar aluguel de casas que, data venia, se as pessoas não estivessem morando lá já não mais existiriam. Quer dizer, procedem até com desumanidade. Não há vigias para zelar pelo menos por aquilo que ainda existe. Veja o pouco caso com que tratam o patrimônio.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Valioso.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Exatamente. E é um patrimônio que, em pouco tempo, se acabará. No meu Estado, há um discurso que aplaudo, mas eu queria ver a ação. O Presidente da República esteve lá e disse que colocaria o trem do Pantanal em funcionamento; o Governador do Estado anuncia isso aos quatro cantos; convênios com empresas são feitos, e nada acontece. Se vão reativar alguma coisa, como deixam acabar? Eis a indagação. V. Exª tem razão em abordar este assunto. Parabéns!

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Ao tempo em que agradeço a V. Exª, devo dizer que essa demonstração do que ocorre no seu Estado é a mesma que cada um de nós poderia fazer em relação ao próprio Estado. Essa incúria ocorre em todos os Estados brasileiros, e não quero culpar este Governo; os demais faziam do mesmo modo, o que é profundamente lastimável. Tornou-se prática no País o roubo, por exemplo, Senador Ramez Tebet, de fios elétricos - o cobre - para se vender na esquina. Pois bem, agora se inventou uma prática nova, deletéria, lastimável: o roubo de trilhos para serem vendidos às construções civis, passando a servir de fundação dos grandes edifícios deste País. Trilhos roubados das ferrovias, sobretudo das abandonadas, para servir de fundação dos grandes edifícios.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Alguém que está ouvindo V. Exª pode até achar que não dá para roubar trilhos, porque muitas pessoas, no Brasil, ainda não viram trem; mas dá para roubar trilho também. Isso está acontecendo no meu Estado. Senador Edison Lobão, as estações estão tomadas pelo capim. O capinzal cobre tudo. Ninguém toma providência de nada. Alguns Prefeitos zelam por alguma área pertencente às ferrovias, mas, no mais, é uma lástima, um descaso total. Quero aplaudir V. Exª de todo o coração. Tenho certeza de que estou falando pelo meu Estado, não porque eu seja o único a falar por ele, mas porque a sua população está revoltada com isso.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - O testemunho de V. Exª é valioso - repito - porque serve para todo Brasil, já que isso ocorre também nos demais Estados. Vemos agora o relatório - mencionei isso aqui na semana passada - de um grupo de empresários americanos alarmados com o que pode vir a ocorrer com a soja americana em virtude de estar o Brasil começando a acordar para a necessidade de transportar a sua soja pela ferrovia. No instante em que de fato conseguirmos exportar toda soja de Mato Grosso, de Goiás, do Maranhão, do Piauí pela ferrovia, desembarcando em um porto de boa qualidade, como é o de São Luís, estaremos competindo em igualdade de condições? Não; em melhores condições do que a soja americana ou de qualquer outro país.

Pois é no instante em que se traça uma ode às ferrovias, porque as nossas são abandonadas dessa maneira! O Presidente da República encontra-se hoje na China e lá já se fala em financiamento de ferrovias no Brasil. Hosanas nas alturas pelas gestões que ali se fazem!

Mas é preciso que na prática, aqui, tenhamos todos os cuidados para impedir que sejam depredadas as nossas ferrovias, aquelas que ainda restam. As antigas, que sejam preservadas, para que o leito, ao menos, seja utilizado amanhã, numa retomada dessa política tão acertada no passado, quanto acertada hoje, quanto será acertada amanhã.

O fato é que se abandonou completamente, há décadas, o interesse pelo sistema ferroviário, apesar de sua total importância para uma nação que busca desenvolver-se.

O Presidente José Sarney, no seu sempre lembrado governo, vislumbrou como estadista a importância de uma ferrovia, a Norte-Sul, o grande corredor de exportação da produção agrícola do Nordeste, do Centro-Oeste e do Estado de Tocantins. Os dormentes dessa ferrovia avançariam por terras praticamente ignoradas e iriam revelar a extraordinária riqueza de regiões agricultáveis ainda não exploradas. Tangenciariam uma das regiões agrícolas mais ricas do Brasil, nas regiões de Barreiras da Bahia, Uruçuí do Piauí, Balsas do Maranhão, Pedro Afonso e Peixe, do Tocantins.

Essas regiões, Sr. Presidente, mesmo ainda sem a Norte-Sul, têm obtido grande incremento na produção de grãos, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento: no Maranhão, a safra 2003/2004 aumentou 14,9% em relação à safra anterior; a da Bahia, 28,9%; a de Tocantins, 27,8%; e a do Piauí, 41,7%. Números que confirmam as previsões dos que preconizaram a Norte-Sul. Por ali sobejam as culturas de arroz, milho, feijão, sorgo e, principalmente, soja. Esses quatro Estados já produzem mais de quatro milhões de toneladas de soja. Noventa por cento desse total são produzidos na região planejada da ferrovia Norte-Sul, que só podem escoar por caminhão pela lendária e danificada rodovia Belém-Brasília. Especialistas do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT - avaliam que o transporte via rodovia pode representar um custo adicional de até 30% em relação ao transporte ferroviário ou à hidrovia. Trinta por cento custa a mais o transporte dos nossos produtos agrícolas na ausência da ferrovia.

Ainda bem que, percebendo isso, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de nos comunicar que vai autorizar um investimento da ordem de R$ 600 milhões na ferrovia Norte-Sul. Isso acontecendo, vamos acelerar sua construção nos Estados de Tocantins e Goiás. Em seguida, puxaremos um ramal até Balsas, para o escoamento de toda a produção de soja do Maranhão e do Piauí.

Vê-se que a ferrovia Norte-Sul é uma obra imprescindível e inadiável para as nossas expectativas de crescimento.

Amplia-se em mim, Srªs e Srs. Senadores, a preocupação com a perspectiva de que também essa ferrovia, como as tantas outras que compõem o parque ferroviário brasileiro, sofra a mesma incúria, má vontade ou carência de inteligência que levaram autoridades a arrancarem trilhos de percursos já instalados. Isso porque a Norte-Sul anda a passos lentos. Não se renovou em outros governantes o mesmo interesse pela obra.

Vejo agora que o interesse deste Governo vai recuperar o tempo perdido.

O jornal Valor Econômico, edição de 10 de maio de 2004, registrou uma interessante reportagem sobre a Norte-Sul. Recorda que sua construção começou há 16 anos e, até agora, avançou apenas 215 quilômetros. A ferrovia partiu de Açailândia, no Maranhão, em 1988, e chegou até Estreito, na divisa com o Tocantins. O ritmo de construção da obra foi de 13,4 quilômetros por ano. Iniciada pelo Presidente José Sarney, as obras estiveram paralisadas durante alguns anos e foram retomadas no primeiro Governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1997. A partir daí a Norte-Sul tornou-se uma das vítimas dos famosos contingenciamentos orçamentários. Em 2003, foram colocados apenas seis quilômetros de trilhos, em que pese à programação descumprida do Plano Plurianual 2000-2003, que previa recursos para toda a sua construção.

Especialistas avaliam que, nesse ritmo, a ferrovia levará mais de 20 anos para ser concluída!

Duas recentes notas da imprensa, Srª. Presidente, inspiraram este meu pronunciamento. Na edição de 14 de maio corrente, o jornal O Globo, fazendo um resumo da fala do Presidente Lula em jantar com integrantes do PL, transcreveu as seguintes expressões de Sua Excelência:

A ferrovia Norte-Sul não avançou praticamente nada depois de Sarney. Isso mostra um pensamento eleitoral. Porque os políticos pensam assim: “Por que vou terminar uma obra que não é minha?” Achamos que essa irresponsabilidade administrativa fez com que várias obras ficassem inacabadas. Tem obra inacabada com 95% de execução. É uma irresponsabilidade total!

O Sr. João Ribeiro (PFL - TO) - Senador Edison Lobão, V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Com todo o prazer, ouço o Senador João Ribeiro.

O Sr. João Ribeiro (PFL - TO) - Sem querer interromper o brilhante pronunciamento de V. Exª, quero cumprimentá-lo e dizer que ninguém, a não ser o Presidente desta Casa, Senador José Sarney, poderia ter a autoridade de V. Exª para fazer um pronunciamento a respeito da Ferrovia Norte-Sul, conhecedor profundo dessa obra e dessa causa tão importante para o País. Trago aqui um testemunho, Senador Edison Lobão. Na terça-feira da semana passada, eu, a Senadora Serys Slhessarenko, os Senadores Paulo Octávio, Leonel Pavan e Garibaldi Alves Filho estivemos com o Presidente Lula e o Ministro Walfrido Mares Guias tratando de assunto relacionado à Subcomissão de Turismo. Lá, oportunamente, falei com o Presidente Lula a respeito da Ferrovia Norte-Sul. Sua Excelência afirmou-me já ter sido contra a obra no passado, mas, hoje, quer fazer justiça à própria história e ao Presidente José Sarney, tão criticado à época por causa dessa ferrovia. Reconhece-a, sem sombra de dúvidas, como uma das mais importantes para o desenvolvimento do País e da Região Norte, sobretudo para o Maranhão, Tocantins, Mato Grosso, Bahia e Piauí, toda aquela região produtora de soja, que multiplica a sua produção a cada ano. O Presidente Lula disse-me que vai a Tocantins inaugurar o Propertins, obra muito importante, uma barragem no Município de Dianópolis; depois, irá a Aguiarnópolis, na divisa com Maranhão, inaugurar a plataforma multimodal. Sua Excelência me disse já ter autorizado o Ministro Ciro Gomes, a área econômica e o próprio Ministro José Dirceu, para que esses recursos estejam prontos rapidamente. Assim, o Presidente Lula poderá anunciar essa obra na divisa do Tocantins com o Maranhão, que será importantíssima para o Brasil. Portanto, cumprimento V. Exª. Parabéns pelo seu discurso.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Senador João Ribeiro, V. Exª traz um alento novo às esperanças de todos os brasileiros que desejam ver concluída essa ferrovia tão importante para o Brasil.

Em verdade, não se trata apenas de uma ferrovia ligando o norte à Brasília, mas de um abraço nacional. Ligado o Estado do Maranhão a Brasília pela Ferrovia Norte-Sul, esta se ligará a São Paulo e a todo o Brasil na interligação geral ferroviária brasileira. Este País terá, portanto, um avanço no sistema de transportes, que ainda hoje é fraco e penoso do ponto de vista econômico.

Agradeço sinceramente a contribuição que V. Exª nos traz com a sua preciosa informação a respeito da liberação dos recursos, segundo a palavra do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Portanto, alvíssaras para a Ferrovia Norte-Sul e para o Brasil em face dessas novas expectativas!

Atualmente, a soja é levada por caminhões, que transitam por uma Belém-Brasília esburacada até o terminal multimodal de Porto Franco, no Maranhão, a poucos quilômetros de Estreito e da margem direito do Tocantins. Ali, no terminal, é embarcada em vagões da Vale do Rio Doce, que opera esse trecho. A Norte-Sul se conecta com a Estrada de Ferro Carajás, em Açailândia, o que permite acesso ao Porto de Itaqui, em São Luís. A soja é embarcada em navios de grande calado para os Estados Unidos, para a Europa e para a Ásia.

Hoje - menciona a reportagem do jornal Valor Econômico -, três anos depois de construído, o terminal já conta com silos para armazenagem e tratamento da soja de três grandes pesos pesados da área de alimentação: a Bunge, a Cargill e a Multigrain.

Srª. Presidente, este é o Brasil empreendedor, que supera crises, vence dificuldades e alavanca o desenvolvimento, gerando empregos, divisas e desenvolvimento social.

Não tenho dúvida de que, com a conclusão dessa ferrovia, elevaremos, em grande número, os empregos que hoje nos faltam em todos esses Estados.

Srª Presidente, muito obrigado.

 

(SEGUE, NA INTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR EDISON LOBÃO.)

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, desta tribuna, já lamentei muitas vezes que, não obstante a relevante prioridade dada ao nosso sistema rodoviário - que já foi formidável como base do crescimento brasileiro antes de deteriorar-se por incúria administrativa -, tivesse sido completamente relegado o parque ferroviário, um dos principais marcos alavancadores dos saltos econômicos dos países desenvolvidos. No Brasil - que se distinguiu no século XIX e primeiras décadas do século XX por se incluir entre os países que acreditaram na força econômica das ferrovias - não soubemos, infelizmente, sequer manter o patrimônio ferro-carril que começou a ser construído pelo Barão de Mauá com as duas primeiras ferrovias inauguradas em 1854 - ligando o Rio de Janeiro a Petrópolis, com 51,7 quilômetros - e 1958, com os primeiros quilômetros que iniciaram o nascimento da inesquecível Central do Brasil.

Ao contrário, deixou-se que trilhos fossem arrancados, valiosos bens de ferrovias surrupiados e os sedimentados leitos, por onde trafegavam os trens, invadidos por entes privados e públicos.

Ainda agora, anunciou-se que a Caixa Econômica Federal vai financiar a construção de milhares de casas populares em terrenos da antiga Rede Ferroviária Federal. E me pergunto: serão edificadas sobre o que resta dos leitos ferroviários? Ou edificadas, talvez, nas áreas das remanescentes estações e oficinas de manutenção da Rede? Se assim ocorrer, por onde se fincarão os futuros trilhos das sonhadas novas ferrovias, ou onde encontrarão os espaços para os locais de manutenção?

O fato é que, nos círculos dirigentes do País, abandonou-se completamente há décadas o interesse pelo sistema ferroviário, embora a sua fundamental importância para uma nação que, segundo dizem, busca desenvolver-se.

O Presidente José Sarney, no seu sempre lembrado governo, vislumbrou como estadista a importância de uma ferrovia Norte-Sul, o grande corredor de exportação da produção agrícola do Nordeste, do Centro-Oeste e do Estado de Tocantins. Os dormentes dessa ferrovia avançariam por terras praticamente ignoradas e revelariam a extraordinária riqueza de regiões agricultáveis ainda não exploradas. Tangenciariam uma das regiões agrícolas mais ricas do Brasil, nas regiões de Barreiras da Bahia, Uruçuí do Piauí, Balsas do Maranhão, Pedro Afonso e Peixe, do Tocantins.

Essas regiões, Sr. Presidente, mesmo ainda sem a Norte-Sul, têm obtido grande incremento na produção de grãos, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento: no Maranhão, a safra 2003/2004 aumentou 14,9% em relação à safra anterior; a da Bahia, 28,9%; a de Tocantins, 27,8%; e a do Piauí, 41,7%. Números que confirmam as previsões dos que preconizaram a Norte-Sul. Por ali sobejam as culturas de arroz, milho, feijão, sorgo e, principalmente, soja. Esses quatro Estados já produzem mais de quatro milhões de toneladas de soja. Noventa por cento desse total são produzidos na região planejada da ferrovia Norte-Sul, que só podem escoar por caminhão pela lendária e danificada rodovia Belém-Brasília. Especialistas do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT, avaliam que o transporte via rodovia pode representar um custo adicional de até 30% em relação ao transporte ferroviário ou à hidrovia.

Vê-se que a ferrovia Norte-Sul é uma obra imprescindível e inadiável para as nossas expectativas de crescimento.

Amplia-se em mim, Srªs e Srs. Senadores, a preocupação com a perspectiva de que também essa ferrovia, como as tantas outras que compunham o parque ferroviário brasileiro, sofra a mesma incúria, má vontade ou carência de inteligência que levaram autoridades a arrancarem trilhos de percursos já instalados.

Isso porque a Norte-Sul anda a passos de cágado. Não se renovou, em outros governantes, a visão de estadista de Sarney.

O jornal Valor Econômico, edição de 10 de maio de 2004, registrou uma interessante reportagem sobre a Norte-Sul. Recorda que sua construção começou há 16 anos e, até agora, avançou apenas 215 quilômetros. A ferrovia partiu de Açailândia, Maranhão, em 1988, e chegou até Estreito, na divisa com o Tocantins. O ritmo de construção da obra foi de 13,4 quilômetros por ano. Iniciada pelo Presidente Sarney, as obras estiveram paralisadas durante alguns anos, e retomadas no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1997. A partir daí, a Norte-Sul tornou-se uma das vítimas dos famosos contingenciamentos orçamentários. Em 2003 foram colocados apenas seis quilômetros de trilhos, em que pese a programação descumprida do Plano Plurianual 2000-2003, que previa recursos para concluir em agosto do ano passado o trecho entre Estreito e Darcinópolis.

Especialistas avaliam que, nesse ritmo, a ferrovia vai levar mais de 20 anos para ser concluída!

Duas recentes notas da imprensa, Sr. Presidente, inspiraram este meu pronunciamento. Na edição de 14 de maio corrente, o jornal O Globo, fazendo um resumo da fala do Presidente Lula da Silva em jantar com integrantes do PL, transcreveu entre aspas as seguintes expressões de Sua Excelência:

            “A ferrovia Norte-Sul não avançou praticamente nada depois de Sarney. Isso mostra um pensamento eleitoral. Porque os políticos pensam assim: ‘Por que vou terminar uma obra que não é minha?’ Achamos que essa irresponsabilidade administrativa fez com que várias obras ficassem inacabadas. Tem obra inacabada com 95% de execução. É uma irresponsabilidade total!”

Ora, com frases tão enérgicas proferidas pelo próprio Chefe do Governo, volta naturalmente a esperança de que se dará prioridade à completa construção da Norte-Sul.

E cinco dias depois, o Informe JB de 19 de maio publicou uma nota com a informação de que o relator na Comissão de Assuntos Econômicos do projeto Parceria Público-Privada, o ilustre Senador Valdir Raupp, fora informado pelo ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, de que, por meio do novo sistema - PPP, a China pretende investir no Brasil US$ 6bilhões na construção de ferrovias.

Portanto, alvíssaras para a Ferrovia Norte-Sul e para o Brasil, em face dessas novas expectativas!

Atualmente, a soja é levada por caminhões que transitam por uma Belém-Brasília esburacada até o terminal multimodal de Porto Franco, no Maranhão, a poucos quilômetros de Estreito e da margem direita do Tocantins. Ali, no terminal, é embarcada em vagões da Vale do Rio Doce, que opera esse trecho da ferrovia. A Norte-Sul se conecta com a Estrada de Ferro Carajás em Açailândia, o que permite acesso ao Porto de Itaqui, em São Luís. A soja é embarcada em navios de grande calado para os Estados Unidos, Europa e Ásia.

Hoje - menciona a reportagem do jornal Valor Econômico -, três anos depois de construído, o terminal já conta com silos para armazenagem e tratamento da soja de três grandes pesos pesados da área de alimentação: a Bunge, a Cargill e a Multigrain.

Este é o Brasil empreendedor, que supera crises, vence dificuldades e alavanca o desenvolvimento, gerando empregos, divisas e desenvolvimento social.

Na época da colheita, os caminhões chegam continuamente ao terminal de Porto Franco, carregados de soja. Todos os dias, até dois trens com 150 vagões repletos de soja saem dali com destino ao porto de Itaqui, em São Luís (MA), cita a matéria jornalística.

Sr. Presidente, todos sabemos das limitações orçamentárias impostas ao povo brasileiro pela conjuntura financeira global na qual estamos inseridos. Contudo, o Brasil necessita priorizar os seus investimentos, de modo a inserir o nosso País de forma competitiva em um mundo cada vez mais globalizado. Precisamos dar velocidade aos nossos programas estratégicos, sob pena de perdermos o bonde da história. O Brasil precisa melhor distribuir o seu desenvolvimento como a única solução para a criação de postos de trabalho. Precisamos buscar novas saídas, usar a criatividade e amenizar, por conseqüência, o caos urbano das grandes cidades, submetidas à violência, desemprego, falta de segurança, saúde, educação, saneamento e tantos outros problemas.

As obras da Ferrovia Norte-Sul têm de avançar. No planejado programa Parceria Público Privada - PPP - talvez esteja a solução.

Não se precisa enfatizar novamente a excepcional importância da ferrovia Norte-Sul para o País como um poderoso instrumento para o desenvolvimento de um imenso espaço territorial brasileiro. O inadmissível seria manter a irresponsabilidade de se deixar paralisada obra de tal envergadura para o Brasil.

Essa é a minha expectativa otimista.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/2004 - Página 15895