Discurso durante a 62ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Referências à pesquisa do Instituto Data Folha que revela a queda de popularidade do Presidente Lula. Preocupações com as invasões em propriedades produtivas no Estado do Paraná.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Referências à pesquisa do Instituto Data Folha que revela a queda de popularidade do Presidente Lula. Preocupações com as invasões em propriedades produtivas no Estado do Paraná.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/2004 - Página 15904
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, PESQUISA, OPINIÃO PUBLICA, FRUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO, GOVERNO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • ANALISE, INCOMPETENCIA, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, CRISE, FALTA, AUTORIDADE, AUMENTO, INVASÃO, SEM-TERRA, VIOLENCIA, PREJUIZO, INVESTIMENTO, AGRICULTURA, DESEMPREGO, DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, DIREITO DE PROPRIEDADE, DECISÃO JUDICIAL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO PARANA (PR).
  • REGISTRO, GRAVIDADE, PROBLEMA, TERRAS, ESTADO DO PARANA (PR), DESCUMPRIMENTO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INTERVENÇÃO FEDERAL, CONFLITO, GOVERNADOR, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANUNCIO, ADVOGADO, PROPRIETARIO, PEDIDO, IMPEACHMENT, MOTIVO, CRIME DE RESPONSABILIDADE.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, OUVIDOR, DIREITO AGRARIO, AMBITO NACIONAL, DENUNCIA, CRIME, ADVOCACIA.
  • CRITICA, AUSENCIA, REFORMA AGRARIA, INSUFICIENCIA, RECURSOS.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não pretendo comentar mais uma pesquisa de opinião pública, mas devo fazer referência a ela no início do meu pronunciamento.

O Datafolha, conforme publicação do jornal Folha de S.Paulo, revela nova queda de popularidade do Presidente Lula. Vai-se tornando rotina a divulgação de pesquisas que apontam para a impopularidade do Presidente.

Desta feita, consideramos surpreendente esse índice de impopularidade depois de 500 dias de Governo. O Presidente alcança o índice de 29% de ruim e péssimo, e apenas 25% de aprovação. É muito pouco para quem chegou ao poder com a tremenda expectativa que campeava pelo Brasil afora. Não houve quem, neste País, adversário ou aliado do Presidente da República, não torcesse, desde o início, pelo seu sucesso, já que todos desejavam mudanças profundas, modernização, avanço, desenvolvimento econômico com geração de emprego e renda e, sobretudo, justiça social.

A frustração é o resultado da consagração da incompetência administrativa, que parte de uma relação política promíscua do Executivo com o Legislativo, adotando a prática do “é dando que se recebe”, como jamais se viu na história da Administração Pública brasileira.

O fisiologismo é marca, a incapacidade de gerenciamento é, sem sombra de dúvidas, um dos fatores fundamentais para que o Presidente sofra essa queda de popularidade. Mas eu destaco, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que a ausência de autoridade deixa o País sem rumo, sem perspectiva e sem esperança e contribui, de forma transcendente, para que a popularidade do Presidente sofra prejuízos insanáveis.

Nós estamos verificando que a ausência de autoridade estabelece a anarquia no campo, de forma histórica no Brasil. Não é necessário hoje fazer um novo balanço do que ocorreu nos últimos meses. O País, por meio da mídia nacional, toma conhecimento de cada passo de novas invasões, da violência crescente, do bolsão de pobreza que assusta, da pressão social enorme, um desafio que deixa o Governo paralisado, atônito, sem criatividade, sem imaginação, sem capacidade de reação, sem poder de decisão.

É óbvio que, quando a anarquia se estabelece, há intranqüilidade, que faz afugentar investimentos, com prejuízos a essa aspiração nacional de crescimento econômico, com geração de empregos. É por isso que o desemprego cresce de forma avassaladora, batendo todos os recordes no País.

Há poucos dias, referimo-nos a uma visita que fizemos com os membros da CPMI da Terra ao Estado de Pernambuco. Destacamos que a ausência da lei ou o desrespeito à lei, já que a lei existe, mas é afrontada com constância, estimula as invasões e a violência no campo e institucionaliza a desordem, porque o que está prevalecendo, na verdade, é a lei da selva.

O próprio Poder Judiciário tem sido afrontado na sua autoridade e na sua autonomia. As ordens judiciais emanadas do Poder Judiciário são descumpridas, como regra. Raramente um governante do País cumpre uma decisão judicial e promove a reintegração de posse, quando há a invasão da propriedade produtiva.

A medida provisória editada pelo Governo passado, que impede o assentamento quando há invasão de propriedade produtiva, tem sido também ignorada pelo atual Governo. Mais uma razão de estímulo às invasões. Sem dúvida, quando não há o cumprimento de decisões judiciais, abre-se a perspectiva para novas invasões, e esse processo torna-se incontido.

Na semana passada, o Poder Judiciário, por intermédio do STF, por 21 votos a zero, decretou a intervenção no Estado do Paraná, já que o Governador, reiteradamente, vem descumprindo decisões judiciais. E o Presidente da República -- esse é o mau exemplo daquele que ocupa o cargo maior no País -- também não cumpre decisão judicial, e é desafiado pelo Governador. Ao seu estilo, o Governador desafia o Presidente da República a decretar a intervenção no Estado do Paraná.

O advogado dos proprietários rurais, donos da fazenda invadida, Dr. Antonio Carlos Ferreira, ameaça pedir o impeachment do Presidente Lula se a ordem de reintegração de posse não for cumprida. A fazenda, que se chama Corumbataí e é também conhecida como Sete Mil, pertence a Flávio e Sylvia Pinho de Almeida e foi invadida pelos Sem-Terra. A Corte Especial determinou que o Governo intervenha.

Diz o advogado:

Não é para se brincar com uma intervenção federal. Se não cumprir uma ordem do Superior Tribunal de Justiça, o Presidente Lula estará cometendo crime de responsabilidade. E o Congresso pára até que se julgue esse crime.

Estou fazendo a leitura das afirmações do advogado.

O advogado ponderou que, antes de pedir a saída de Lula do poder, enviou carta ao Governador do Estado, esperando providências. E o Governador chegou a desafiar o Planalto, afirmando que Lula não tem coragem de intervir no Paraná. Assim, o Dr. Ferreira diz que espera uma decisão para tomar as providências. E a providência que anuncia é o pedido de impeachment do Presidente da República por crime de responsabilidade, por não cumprir uma decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, enquanto prevalecer a lei da selva, enquanto a Constituição for afrontada, como tem sido constantemente, não há como se falar em reforma agrária no País. Podemos falar, sim, em invasões, em violência, em assassinatos, em desrespeito ao direito de propriedade, em ameaça aos avanços que estamos obtendo com a agricultura competente, que bate recordes de produtividade e consegue competir com nações as mais avançadas do mundo, sobretudo porque já agregaram valores tecnológicos que a nós ainda não chegaram. Estamos contendo essa evolução competente da agricultura do Brasil.

Concedo um aparte, com satisfação, ao Senador Ramez Tebet, que tem sido, desta tribuna, um porta-voz da preocupação maior da sociedade brasileira no que diz respeito aos conflitos no campo. S. Exª vem de um Estado que também é ameaçado constantemente pela anarquia no meio rural.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Alvaro Dias, é verdade que o meu Estado sofre muito. O sistema produtivo de Mato Grosso e o do Brasil está ameaçado. V. Exª aborda um tema de fundamental importância, porque, efetivamente, há muito tempo, a lei neste País não é cumprida. As sucessivas determinações do Poder Judiciário, como V. Exª bem salienta, são inteiramente desprezadas, o que é altamente perigoso. No caso de matéria possessória, em que liminares são concedidas e sentenças são prolatadas, nada é cumprido. Isso acabará se tornando letra morta na Lei Substantiva e na Lei Adjetiva Civil do Brasil, o que positivamente é um absurdo, porque a Justiça manda, mas ninguém a cumpre. Portanto, V. Exª tem razão. A democracia é o governo da lei; e a lei é feita para ser cumprida. Porém, há outro agravante que estamos notando, Senador Alvaro Dias; no Mato Grosso do Sul, a beira das estradas também está sendo ocupada. Não sei se isso ocorre no Paraná. Então, como fica isso? Aquelas pessoas que estão lá podem ocupar aquele terreno? Não correm risco de vida em razão de algum desastre ou de outra situação semelhante que possa ocorrer? Portanto, já estão tomando conta das vias públicas; não estão mais apenas na área rural, mas nos centros urbanos e ao longo das estradas. Considero isso uma gravidade, até mesmo do ponto de vista do risco que correm ao armar barracas à beira da estrada. O Poder Público precisa agir, tomar providências, até mesmo em benefício dessas pessoas. Isso é um absurdo! Daqui a pouco, estarão no acostamento! E como ficamos todos nós? É a pergunta que deixo. Louvo a defesa de V. Exª pela propriedade, com função social, e pela propriedade produtiva, quando se refere também ao desrespeito à lei e à falta de autoridade existente.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Senador Ramez Tebet, V. Exª lembra bem. Ainda na sexta-feira passada, fui ao interior do Paraná, no noroeste do Estado, e ao redor de Campo Mourão, que é uma cidade pólo da região, vi a instalação de centenas de barracas novas. Chega um caminhão carregado de bambu, descarregam os bambus e instalam as barracas com lona nova. As barracas ainda estão vazias quando anunciam que vão enchê-las com cerca de mil trabalhadores sem terra que chegaram de outras regiões.

No Paraná, há uma complacência jamais vista das autoridades com o desrespeito à lei e ao direito de propriedade, mesmo que a propriedade seja produtiva e esteja atendendo os dispositivos constitucionais de cumprir a função social. Ainda assim há flagrante desrespeito à lei.

Vejam o caso desta fazenda invadida: o advogado diz que espera também uma decisão da Justiça sobre a ação de indenização pelo desaparecimento, durante a invasão dos sem-terra, de sete mil cabeças de gado - vejam bem: sete mil cabeças de gado! - e do maquinário da fazenda. De acordo com o cálculo do advogado, o valor pode chegar a R$150 milhões de indenização.

Se o Presidente da República não cumpre a lei, quem haverá de cumpri-la? Quem oferecerá o exemplo de respeito à lei no País se o Presidente da República, que deveria ser o seu maior guardião, não o oferece?

Já estamos acostumados a assistir os governadores desrespeitarem a lei, por incompetência, por falta de coragem, por ausência de autoridade; preferem deixar como está para ver como é que fica. É claro que isso vai estabelecendo uma insegurança absoluta na área rural do Brasil.

Desta tribuna, fazemos um apelo ao Presidente da República, para que Sua Excelência nos dê o exemplo do cumprimento da lei.

Se o Poder Judiciário decide pela intervenção em determinado Estado, é de sua responsabilidade o cumprimento dessa decisão e o decreto da intervenção, sob pena de cometer crime de responsabilidade, e o crime de responsabilidade implica a perda de mandato, implica o impeachment do governante.

Essa é a alegação do advogado neste caso. Ou o Presidente da República decreta a intervenção no Paraná, ou se dá o seu impeachment, ou confirmaremos que a lei, no Brasil, não é cumprida; que a legislação vigente é literatura para deleite dos nossos juristas, dos nossos advogados e dos nossos estudantes. A lei existe para não ser cumprida.

Portanto, se o Presidente da República quer um País onde se respeite a lei, ele deve dar o primeiro e maior exemplo e deve começar a respeitá-la. Vejam aonde chegamos!

Aqui está um documento da Ouvidoria Agrária Nacional, dirigido ao Desembargador Jamil Pereira de Macedo, de Goiás.

O Ouvidor Agrário Nacional simplesmente pede ao Desembargador que facilite, que liberte o preso acusado de assassinato. Acusado de assassinato, o cidadão José Ailton da Silva foi detido. O Ouvidor Agrário Nacional diz o seguinte: “A liberdade do paciente facilitará a atuação do Incra no que se refere à execução da reforma agrária no Estado de Goiás e região do entorno do Distrito Federal”. Pergunta-se: é este o papel do Ouvidor Agrário Nacional? Pedir liberdade para um detento acusado de crime? Onde estamos?! Se houve um assassinato, se houve um crime, se há indícios ou provas e se o criminoso está detido, como pode o Ouvidor Agrário extrapolar as suas funções e interferir junto ao Poder Judiciário para pedir a liberdade do preso?

Não é caso único. Há um outro caso no Estado do Paraná. Ofício dirigido ao Dr. Leonardo Ribas Tavares, Juiz de Direito em Quedas do Iguaçu, no Estado do Paraná. Pede preferência para a apreciação do pedido de soltura do trabalhador rural Elemar do Nascimento Cezimbra.

Acusado de roubar soja no assentamento, esse trabalhador foi preso. E a Ouvidoria Agrária Nacional salienta o seguinte, no seu ofício ao meritíssimo juiz: “A soltura do agricultor Elemar do Nascimento Cezimbra facilitará a execução do Programa Nacional de Reforma Agrária no Governo Federal, no Estado do Paraná”.

O Juiz, Dr. Leonardo Ribas Tavares, indignado, concedeu entrevista à imprensa, especialmente a Rádio Capital de Cascavel, ao Radialista Waldomiro Cantine, denunciando essa interferência indevida do Ouvidor Agrário Nacional.

Dessa forma, não se faz reforma agrária. Na verdade, essa atitude indevida do Ouvidor Agrário Nacional se configura, segundo nota técnica emitida pela Consultoria do Senado Federal, na verdade, crime de advocacia administrativa, tanto quanto ao aspecto social, crime praticado por funcionário púbico, na definição do art. 327 do Código Penal, como quanto à tipicidade objetiva, prática da defesa de interesse de outrem junto à administração publica, fazendo uso de seu cargo.

E subjetiva:

Dolo consciente em favorecer a outrem, uma vez que não acredita na solução proposta, habeas corpus, como instrumento apto a satisfazer os interesses públicos em jogo.

Portanto, há a hipótese do crime de advocacia administrativa por parte do Ouvidor Agrário Nacional, segundo a Consultoria Legislativa do Senado Federal.

Para fazer justiça, reporto-me a um ofício do Ouvidor Agrário Nacional à CPMI da Terra, justificando sua atitude. Ele faz referência a um decreto publicado no dia 05 de abril, que estabelece, no inciso I do art. 5º:

Promover gestões junto a representantes do Poder Judiciário, Ministério Público, Incra e outras entidades relacionadas com o tema, visando à resolução de tensões e conflitos sociais no campo.

Ocorre que os fatos a que me referi são anteriores a esse decreto. Portanto, não discuto o mérito do decreto, apenas informo a esta Casa do Congresso Nacional que os fatos a que me referi são anteriores ao decreto que sustenta a defesa do Ouvidor Agrário Nacional, na justificativa que apresenta para essa interferência que, juridicamente, constitui-se em crime de advocacia administrativa. Esse não é o papel do Ouvidor Agrário Nacional.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, trago esses fatos a esta tribuna porque, a perdurar esse cenário de irresponsabilidade administrativa, sobretudo de afronta à legislação do País, não temos como alimentar esperanças de que reforma agrária significa avanço neste País, porque reforma agrária simplesmente não há. Há um modelo totalmente ultrapassado, uma estrutura ineficaz e ausência de recursos, porque o que se anuncia em Brasília não é o que ocorre nos campos do Brasil.

Há poucos dias, depois de ouvir que bilhões de reais estão sendo repassados na forma de crédito rural, com outros objetivos, inclusive para reforma agrária, constatamos, na área rural do Brasil, que isso não é verdadeiro. Esses recursos não chegam lá no montante anunciado pelo Governo e, no que diz respeito à reforma agrária, a situação é ainda de maior precariedade.

No Estado de Pernambuco, por exemplo, a Funai não tem recursos sequer para adquirir água para os seus servidores e não paga aluguel há oito meses. É instrumentalizando dessa forma os institutos responsáveis pela implementação da reforma agrária no País que o Governo Lula quer alcançar a meta de assentamento que anunciou para os quatro anos do seu mandato?

A cada momento, verificamos que o Governo está perdido e sem rumo, e que a palavra do Presidente da República não merece mais crédito em nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/2004 - Página 15904