Discurso durante a 62ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Êxito da atuação da organização não-governamental Médicos sem Fronteiras.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Êxito da atuação da organização não-governamental Médicos sem Fronteiras.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/2004 - Página 15925
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, TRANSFORMAÇÃO, ATUALIDADE, MUNDO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), VOLUNTARIO, MEDICO, AMBITO INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, CONTINENTE, AFRICA, GRAVIDADE, MISERIA, FOME, ANALFABETISMO, DOENÇA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), MALARIA.
  • SOLIDARIEDADE, CONCLAMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), COMBATE, MALARIA, CONTINENTE, AFRICA, AUMENTO, FABRICAÇÃO, DOAÇÃO, MEDICAMENTOS.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr.Presidente, Srªs.e Srs. Senadores, todos sabemos quão radicais e rápidas são as transformações por que passa o mundo contemporâneo. A partir das mudanças profundas e incessantes no sistema produtivo - as quais, entre outras conseqüências, tornaram obsoleto o conceito histórico de fronteiras nacionais e subverteram por completo as tradicionais relações sociais de produção -, tudo o mais que caracteriza a vida social foi substancialmente alterado. Em meio ao extraordinário dinamismo que envolve pessoas, instituições e Estados nos dias de hoje, estiolaram-se antigos valores, sem que novos estivessem prontos para substituí-los. Daí, a sensação de crise generalizada que acomete a todos quantos vivem este momento histórico de transição.

Há esperança, contudo. Ainda que Estados e sociedades tenham dificuldade em dialogar; em que pese a fluidez e a aparente fragilidade de uma ordem internacional que perdeu seus instrumentos clássicos de atuação; embora a hegemonia do capital financeiro gere terríveis distorções na economia, é possível vislumbrar tentativas interessantes de superação dos problemas que se avolumam ante nossos olhos. Ao afirmar isso, penso, por exemplo, na infinidade de organizações não-governamentais que se multiplicam pelo mundo afora. Em larga medida, elas comprovam a existência de um espírito criativo, no mais das vezes solidário, a unir homens e mulheres, nas mais diversas e distintas sociedades, em torno de objetivos e de ideais.

Claro que nem todas essas organizações praticam efetivamente o que apregoam. Nem todas conseguiriam sobreviver sem recursos públicos, cuja destinação, aliás, em alguns casos é plenamente questionável. Eu mesmo, desta Tribuna, pude criticar a ação insidiosa de algumas delas, especialmente em minha região. Por certo que nada disso invalida o papel que tantas outras desempenham, com desprendimento e intenções grandiosas, nos quatro cantos do planeta. É justamente de uma delas que gostaria de falar neste momento. Reporto-me à organização não-governamental Médicos sem Fronteiras, cujos méritos são reconhecidos universalmente e de cujo trabalho abnegado - pode-se afirmar, sem qualquer concessão ao exagero - depende a sobrevivência de milhões de seres humanos.

Quero abordar, especificamente, a atuação dos Médicos sem Fronteiras naquela que é, sem qualquer dúvida, a porção mais sofrida do Continente que o atual modelo de globalização econômica simplesmente abandonou, marginalizando-o sem dó e piedade: a África subsaariana. Com efeito, Senhor Presidente, os caminhos que levam a lucros estonteantes não passam pelo solo africano. Os novos e atuais parâmetros de acumulação capitalista, bem diferentemente do ocorrido ao longo da Idade Moderna e da fase neocolonialista da segunda metade do século XIX, não encontram na velha África - berço da Humanidade! - possibilidades lucrativas que justifiquem investimentos. Assim, jogada à própria sorte, vítima de lutas fratricidas e de um sem-número de governos tiranos e corruptos, em larga medida decorrentes do modelo de exploração colonial que lhe foi imposto no passado, a África vive uma tragédia cotidiana.

Essa tragédia africana, que deveria sensibilizar a consciência universal, oferece estatísticas aterradoras: do elevado analfabetismo às guerras civis, de absurdos genocídios - como o tristemente célebre caso de Ruanda - à fome, da ação mortal das doenças tropicais aos devastadores efeitos da Aids. Não é possível calar ante tamanha monstruosidade. Não basta, porém, apenas a condenação moral a esse humanamente insustentável estado de coisas. É preciso agir. Por imperativo ético. Por dever moral.

Nesse sentido, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso registrar e divulgar: agem os Médicos sem Fronteiras. Agem arregaçando as mangas, oferecendo o que têm de mais valioso - o saber científico e o espírito de doação - para salvar vidas e minorar as dores de tantos que sofrem. Agem enfrentando toda sorte de dificuldades, com destemor e valentia, sabendo que esse esforço justifica uma existência e que, por isso mesmo, jamais será em vão. Agem porque são fiéis ao juramento profissional que, um dia, cada um deles fez. Agem porque trazem consigo a certeza de que, por mais lúgubre que seja a noite, a luminosidade do sol fará romper o dia.

Eis porque me vejo no dever de transmitir a esta Casa o apelo que a organização Médicos sem Fronteiras está lançando ao mundo todo. Trata-se da urgente necessidade de se unirem esforços para combater uma doença - a malária - que está matando mais de um milhão de africanos por ano, crianças em sua maioria. Esse número corresponde a algo em torno de 90% das mortes causadas pela malária no mundo. A malária é, nos dias de hoje, o principal fator de óbitos de crianças com menos de cinco anos de idade no continente africano, além de matar uma criança a cada trinta segundos no mundo. O que esses profissionais pedem é que fabricantes e doadores aumentem o estoque de uma droga eficiente para debelar essa catástrofe em termos de saúde pública.

Os Médicos sem Fronteiras referem-se a uma terapia combinada com base na artemisinina - ACT, usada com bastante êxito na Ásia há mais de uma década, mas que é relativamente nova para a África. Repito, aqui, o comunicado da entidade: “A ACT é um motivo de esperança para a África. Cada vez mais, países com taxas extremamente altas de resistência a tratamentos antigos contra a malária estão começando a usá-la, com resultados excelentes”.

Segundo a organização, “como o ingrediente principal é extraído de plantas, só ações firmes agora vão permitir que haja plantas suficientes para o enorme aumento na demanda que deve ocorrer no ano que vem”. Justamente por ser essa terapia mais potente que as outras é que a Organização Mundial da Saúde a escolheu como ponto essencial de sua estratégia para combater a doença endêmica na África. Vale lembrar que quatorze países africanos já adotaram a terapia com artemisinina.

Não tenho dúvida, Sr. Presidente, que se unirmos nossa voz a milhares de outras vozes, na multiplicação desse apelo formulado pelos Médicos sem Fronteiras, as possibilidades de êxito também se multiplicarão. Essa será a vitória dos que não se submetem à absoluta mercantilização da saúde. Vitória dos que impõem um limite ético e moral à busca desenfreada do lucro. Vitória da vida e dos que estão comprometidos com o esforço de humanização do próprio homem.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/2004 - Página 15925