Discurso durante a 63ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crítica à postura do presidente Lula de não condenar os governos autoritários que visita. (como Líder)

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. DIREITOS HUMANOS.:
  • Crítica à postura do presidente Lula de não condenar os governos autoritários que visita. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/2004 - Página 16003
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • CRITICA, FALTA, ETICA, MORAL, GOVERNO BRASILEIRO, OMISSÃO, SITUAÇÃO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, DIVERSIDADE, GOVERNO ESTRANGEIRO, REFERENCIA, VISITA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, serei voz destoante hoje na unanimidade com que o Senado e o País aplaudem a viagem do Presidente da República à China. Penso que a viagem está correta, pois incrementar as relações com a China pode trazer vantagens para o Brasil, embora apresente alguns riscos sobre os quais falarei amanhã.

Creio que a política exterior deve ser dosada: uma política de resultados, mas sem abandonar uma política de princípios. E a política exterior brasileira continua, neste Governo - como nos anteriores -, sendo uma política de amoralidade.

Os jornais de hoje noticiam que “Lula evita criticar China sobre direitos humanos” e que “Brasil ignora Tibet para fechar acordo com China”.

Sr. Presidente, não estou preconizando que o Presidente da República chegasse àquele país de forma mal-educada e criticasse o Governo anfitrião. Isso não seria boa diplomacia. Isso seria até grosseria. No entanto, há dez dias, o Brasil votou contra uma resolução da Comissão de Direitos Humanos da ONU condenando a China por violações de direitos humanos, as quais ocorrem diariamente.

Há 41 jornalistas presos naquele país. E não há sindicatos, mas um único sindicato. O Presidente Lula é oriundo do movimento sindical, foi líder sindical no Brasil e chega a um país onde não há sindicatos, onde não há direito de greve - quem faz greve é processado e preso.

Senadora Lúcia Vânia, outro dia li o relato de um empresário brasileiro que foi à China, na região de Shenzen, uma das zonas econômicas mais prósperas do país. Ele entrou em uma fábrica, na linha de montagem, com cerca de mil operárias - quase todos eram mulheres -, e notou, como bom observador, que nenhuma usava óculos. Então, por curiosidade, perguntou ao acompanhante: “Por quê? Ninguém aqui tem problemas visuais?” Ao que respondeu o acompanhante: “Não. Nós não admitimos. E, quando algum empregado apresenta deficiência visual, nós mandamos embora”. Simplesmente é o que é feito. Esse é um detalhe mínimo, para mostrar o completo desrespeito da China à pessoa humana.

Mas o Brasil parou de defender princípios em geral, não cuida disso, não existe. Perdeu a oportunidade de criticar o Iraque, quando Sadam Hussein violava os direitos humanos e, por isso, perdeu autoridade para criticar como deveria e condenar os Estados Unidos pelo que fazem em Guantánamo, Sr. Presidente.

Há três anos, milhares de afegãos estão lá, sem julgamento, sem formação de culpa, sem assistência jurídica, suspeitos de terrorismo. O Brasil não dá uma palavra sobre o assunto.

Cuba fuzilou sumariamente três pessoas. O Brasil não protestou. O Presidente foi lá e não disse uma palavra, pelo menos em público, Sr. Presidente.

Agora, vai à China e silencia. Ou seja, todo o drama do povo do Tibet não tem importância. Que a China continue negando ao povo tibetano o direito da autodeterminação que o Brasil defende como princípio da sua política exterior - e não dizemos nada. Que os chineses continuem abusando desbragadamente os direitos humanos, fuzilando corruptos em julgamentos sumários, com tiros na nuca.

Ninguém tem mais ódio de corrupto que eu. Aliás, de corrupto não, de corrupção. Sou como Santo Agostinho, detesto o pecado, mas não os pecadores. Ninguém detesta mais a corrupção, tem mais horror à corrupção que eu - tanto quanto eu, talvez; mais, não. Eu não defenderia a pena de morte nem para o maior dos ladrões deste País.

Lá, fuzila-se por isso, e o Presidente silencia.

Dir-se-á: “O Presidente do Brasil não pode sair se indispondo com todos os países”. Sr. Presidente, há algo importantíssimo que se chama “autoridade moral”. Se o Presidente condenasse o Iraque e os Estados Unidos, se condenasse Cuba e os Estados Unidos, ganharia autoridade moral no mundo inteiro, e todos temeriam uma condenação deste País chamado Brasil. Mas se fosse imparcial, se fosse isento, se condenasse todos indistintamente, dir-se-á: “mas todos os Presidentes da República seguiram essa política.

Mas pensei que Lula e o PT fossem ao poder para mudar. Eu esperava que um operário nordestino, de origem humilde, que sofreu na ditadura, mudasse - e mudasse profundamente inclusive - a política exterior do País.

Fico aqui, Sr. Presidente, como uma voz destoante. Sei que todos aplaudem. O que importa é fazer negócios mesmo. Um Presidente dos Estados Unidos já disse: “Os Estados Unidos têm interesses, não amigos”, mas o Brasil deveria ter interesses, sim, e também princípios.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/2004 - Página 16003