Discurso durante a 63ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas sobre a intenção do governo de comprar vagas em universidades particulares para expandir a oferta de vagas públicas no ensino superior.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Críticas sobre a intenção do governo de comprar vagas em universidades particulares para expandir a oferta de vagas públicas no ensino superior.
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/2004 - Página 16046
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • ANALISE, SUPERIORIDADE, QUALIDADE, ENSINO, UNIVERSIDADE FEDERAL, REGISTRO, DADOS, AVALIAÇÃO.
  • CRITICA, PROPOSTA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), PROGRAMA, AQUISIÇÃO, VAGA, UNIVERSIDADE PARTICULAR, UTILIZAÇÃO, ISENÇÃO FISCAL, CONCESSÃO, BOLSA DE ESTUDO, ENSINO SUPERIOR, FAVORECIMENTO, ABUSO, LUCRO, FALTA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, ESCOLA PARTICULAR.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, há alguns meses, causou espécie uma declaração do governo sobre a possibilidade de compra de vagas em universidades particulares para expandir a oferta de vagas públicas no ensino superior. Dessa forma, o poder público estaria evitando os gastos com investimentos imediatos em construção de novos prédios e contratação de corpo docente e de apoio.

Porém, o que, num primeiro momento, pode parecer lógico não resiste a uma análise mais aprofundada. Estamos referindo-nos aos custos do ensino superior em universidades públicas.

Quanto à qualidade, é indiscutível que as instituições públicas oferecem um ensino melhor, e isso é atestado pela grande procura por seus cursos. Mesmo aqueles que podem pagar, e realmente pagaram o ensino médio, quando se trata de procurar uma instituição para cursar o ensino superior, dirigem-se maciçamente às instituições públicas.

Não é sem razão que as melhores avaliações do provão sempre cabem às universidades públicas. Entre as 30 universidades que conseguiram as melhores notas do Provão, aparecem apenas 6 particulares, contra 24 públicas. Onde conseguiremos evidência mais clara do que essa de que, realmente, o ensino público apresenta uma qualidade extremamente superior? A primeira universidade particular a aparecer na classificação é a PUC do Rio Grande do Sul, na 16ª colocação, com 7 notas “A”. A melhor do ranking nesta última edição foi a Universidade Federal de Minas Gerais, com 20 notas “A”, 2 notas “B” e 3 notas “C”.

Por isso, causou tanta estranheza a proposta do Ministro Tarso Genro, da Educação, de adotar um programa denominado “Universidade para Todos”, que foi chamado ironicamente de “bolsa-escola”, que seria viabilizado à custa de enorme isenção tributária. Seria este mais um projeto assistencialista? Daí, a reação da Deputada Alice Portugal, afirmando que “o programa ignora a realidade de fraudes, lucros abusivos e falta de transparência e ainda propõe ampliar os benefícios às instituições privadas”.

Por outro lado, causam espanto os dados do MEC de que no Brasil existem 1.637 instituições de ensino superior, das quais apenas 195 são públicas. E um terço das vagas, mais de 500 mil, estão ociosas, sendo que, dessas, 97,4% estão nas instituições particulares.

Quero indagar de Vossas Excelências se deveríamos simplesmente preencher vagas em instituições que provavelmente oferecerão ensino de qualidade inferior, ou seria mais sensato criar vagas nas universidades públicas com os recursos dos quais o governo estaria abrindo mão?

Srªs. e Srs. Senadores, o que se tornou voz corrente é que as instituições privadas são verdadeiras fábricas de diplomas, esquecendo-se da natureza da universidade como centro produtor de conhecimento ou verdadeiro “templo do saber”. Daí, que pesquisa divulgada recentemente pela Lobo & Associados - empresa pertencente ao ex-reitor da USP Roberto Leal Lobo - relata que 91,54% da receita das universidades, faculdades e centros universitários provêm de mensalidades. Praticamente não há interesse na atividade de pesquisa.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, alguns analistas simplesmente recorrem a uma operação de média aritmética simples, dividindo o orçamento cabível à universidade pelo número de alunos como forma de obter o custo unitário por aluno. Foi o que fez o Tribunal de Contas da União (TCU), para chegar a um custo de 12.657 reais, em 2002, e de 9.488 reais, em 2003, por aluno matriculado na Universidade de Brasília. Em contraposição, um estudo desenvolvido por três pesquisadores do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da própria universidade chegou a valores incrivelmente inferiores, mesmo sem fazer distinção entre alunos de graduação, mestrado e doutorado ou residência: 6.291 reais, em 2002, e 5.737 reais, para o ano de 2003.

A diferença entre esses números, realmente significativa, pode ser explicada pelo fato de o estudo da UnB não levar em conta os recursos arrecadados com convênios, prestação de serviços ou demais modalidades que não tenham relação com as atividades de ensino. Com a fórmula adotada pelo TCU, entidades que se envolvam mais com a pesquisa, por exemplo, apresentarão custos mais elevados. As instituições particulares não têm por hábito destinar recursos às atividades de pesquisa.

O estudo da UnB é recente, mas já desmistifica a afirmação de que o ensino público tem um custo muito alto. Um custo próximo a 500 reais mensais na média, o que não está fora da realidade para classes com número diminuto de alunos, comparando com as instituições particulares.

Além do mais, é necessário ter claro que aplicar essa média é subestimar cursos como medicina, odontologia, engenharia e outros, que, nas instituições particulares, não saem por menos de 1 mil e 500 reais ao mês.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, tive acesso, também, a um estudo da ADUSP (Associação dos Docentes da USP) e do Instituto de Física da USP, elaborado por Otaviano Helene e Lighia B. Horodynski-Matsushigue, intitulado “Quanto custa uma boa universidade pública?” Lá está dito que “têm sido apresentados ao público dados incorretos, que desconsideram várias das atividades, em particular a pós-graduação”. Na realidade, as universidades públicas são responsáveis não apenas pelo ensino superior de graduação, mas também pelo ensino de pós-graduação, por pesquisas científicas e tecnológicas e por diversos programas de extensão e prestação de serviços à comunidade. No caso da USP, há despesas com hospitais, museus, estações de rádio, atendimento aos estudantes, bem como do Instituto de Ciências Biomédicas e do Instituto Oceanográfico. Não faz sentido colocar essas despesas como atividades de ensino.

O estudo separa os cursos em áreas e, dentro de cada área, apresenta custos diferenciados para cada especialidade de formação, chegando-se às seguintes conclusões de custos: na área de ciências humanas e artes, os custos variam entre 2.380 e 3.778 reais por aluno/ano; na área de ciências exatas e da terra, os custos variam de 7.091 a 11.256 reais por aluno/ano; e na área de ciências biológicas e da saúde, os custos são de 9.623 a 15.272 reais por aluno/ano. Note-se que, na primeira área, os custos mais elevados se situam em torno de 300 reais ao mês; na segunda área, em torno de 900 reais ao mês; e na terceira área, em torno de 1.200 reais ao mês.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, levando-se em conta a qualidade reconhecidamente muito superior das instituições mencionadas, creio que não há como contestar a ampla vantagem em oferecer ensino público de qualidade.

Daí, a revolta das entidades representativas das instituições públicas com a proposta de “comprar” vagas nas instituições particulares, abrindo mão de parcela significativa da arrecadação para os cofres públicos, oferecendo cursos de qualidade que não pode ser comparada à das instituições públicas. Tivemos a oportunidade de ver, em matéria da revista Istoé Dinheiro, de 25 de fevereiro de 2004, que, “segundo os cálculos do próprio MEC, a renúncia fiscal do governo deverá atingir R$ 561 milhões por ano”.

Se tomarmos por base o cálculo apresentado pela UnB, de 500 reais de custo por aluno na média, apenas os recursos provenientes dessa renúncia seriam suficientes para 1 milhão de alunos em cursos diferenciados.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, creio que os dados que apresentei comprovam que é possível oferecer ensino superior com boa qualidade e baixo custo. Sem sombra de dúvida, também, é mais barato do que trocar vagas nas instituições privadas por benefícios fiscais.

Para encerrar, quero apenas deixar uma pergunta que espero ver respondida por uma política educacional adequada, Senhor Presidente.

O que está faltando para que o governo amplie o número de vagas nas universidades públicas?

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/2004 - Página 16046