Pronunciamento de José Jorge em 25/05/2004
Discurso durante a 63ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Novo modelo do setor elétrico nacional.
- Autor
- José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
- Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA ENERGETICA.:
- Novo modelo do setor elétrico nacional.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/05/2004 - Página 16050
- Assunto
- Outros > POLITICA ENERGETICA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, IMPLANTAÇÃO, MODELO, MATRIZ ENERGETICA, OBJETIVO, MELHORIA, TARIFAS, CONSUMIDOR, GARANTIA, CONTINUAÇÃO, QUALIDADE, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, INCENTIVO, INVESTIMENTO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, CRITICA, AUSENCIA, DEBATE, CONCESSIONARIA, ENTIDADE, PREVISÃO, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA.
- ANALISE, AVALIAÇÃO, EMPRESARIO, DEPOIMENTO, AUDIENCIA PUBLICA, SENADO, PREVISÃO, DIFICULDADE, MODELO, ENERGIA ELETRICA, RESTRIÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, AUMENTO, RISCOS, CUSTO, COMENTARIO, NOTICIARIO, IMPRENSA.
- CRITICA, PROPOSTA, GOVERNO, REESTRUTURAÇÃO, AGENCIA NACIONAL, REGULAMENTAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Congresso Nacional aprovou recentemente o PLV 01/2004, oriundo da Medida Provisória 144, de 11 de dezembro de 2003, que acabou convertida na Lei n.º 10.848, de 15 de março de 2004, dispondo sobre a comercialização de energia elétrica no País, mas chamada pelo Governo como o novo modelo do setor elétrico nacional.
O novo modelo que foi submetido à apreciação do Congresso Nacional veio para substituir uma sistemática que não pode ser plenamente avaliada, porque não chegou a ser completamente implantada. Antes que se concluísse todas as etapas necessárias ao correto funcionamento do marco regulatório do setor, defrontamo-nos com alterações profundas no modelo.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, iniciamos uma “nova obra” no Brasil, sem que a anterior tenha sido concluída. Sem que o modelo adotado tenha sido plenamente implantado, é impossível ter certeza sobre sua aplicabilidade à realidade nacional.
A proposta governamental veio com objetivos muito alvissareiros. Entre estes princípios de boa vontade que o Governo Federal apontou como melhoria do novo modelo em relação ao anterior, destaca-se:
Modicidade tarifária para os consumidores;
Continuidade e qualidade na prestação do serviço;
Justa remuneração aos investidores, de modo a incentivá-los a expandir os serviços; e,
Universalização do acesso à energia elétrica.
Em que pese o otimismo governamental, e eventuais melhorias que o modelo que se pretende substituir possa merecer, parece-nos que o Governo não ouviu convenientemente os agentes setoriais, como as empresas concessionárias, investidores nacionais e internacionais e nem mesmo as associações civis de defesa dos consumidores.
Os agentes do setor elétrico, por intermédio de suas associações de representação, vieram até esta Casa para dizer que, como está, o novo modelo trará, a médio e a longo prazo, aumento nas tarifas de energia elétrica, dificuldade na prestação dos serviços de geração e distribuição de energia elétrica e fuga de investidores nacionais e internacionais. Por fim, neste quadro, teremos uma maior dificuldade de garantir o acesso aos brasileiros ainda não atendidos pelas facilidades da eletricidade ou mesmo maiores ônus para os atuais usuários. Tudo muito diferente do que o Governo Federal promete com as profundas alterações estruturais realizadas.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando da discussão do novo modelo, o Senado Federal, em especial a Comissão de Serviços de Infra-estrutura, recebeu diversos grupos de empresários e investidores que vieram expor sobre as dificuldades que o setor elétrico nacional enfrentará a partir da aprovação da proposta governamental. Durante a Audiência Pública que promovemos na Comissão no dia 10 de março, por solicitação do nobre Sen. Rodolpho Tourinho, ouvimos as oportunas considerações dos representantes da Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica - CBIEE; Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica - ABRADEE; Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica - APINE; Associação Brasileira de Geradoras Térmica - ABRAGET, Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica - ABRACEEL, além de outros representantes de Federações e Confederações de Indústrias, como a FIESP de São Paulo.
Na avaliação unânime destes empresários e investidores, o novo modelo não atinge os seus objetivos porque, diferentemente da intenção original, essa proposta inibe o investimento privado, diminuindo a possibilidade de oferta de energia por meio de novos empreendimentos energéticos, como também aumenta o risco e onera os custos de capital, o que impactará fortemente os custos das atuais tarifas.
Para as empresas geradoras, a contratação por meio de leilões, em dois mercados separados de energia nova e velha, redundará numa concorrência desigual entre as energias, transferindo-se para os geradores em operação os riscos de mercado que eram inerentes aos novos empreendimentos. Este fato trará uma instabilidade para as receitas dos geradores existentes e uma remuneração inadequada dos atuais e futuros investidores. A conseqüência é que o novo modelo implicará numa crescente debilidade financeira para os geradores em funcionamento.
No que se refere às empresas distribuidoras de eletricidade, o novo modelo aumenta o risco de mercado das concessionárias, ameaçando sua viabilidade financeira. Do modo como foi proposto pelo Governo, as empresas distribuidoras podem ser duplamente prejudicadas.
Com a obrigatoriedade da contratação prévia da energia para um mercado vindouro, as distribuidoras serão fortemente penalizadas na situação de contratarem a menor, e pagarão o preço integral nos casos de sobre-contratação. E observem que estamos falando de contratação de médio e longo prazo para um mercado em que não temos certeza nem da carga a ser demandada no curto prazo, haja vista as agudas alterações de demanda que passamos em passado recente.
Estes riscos aumentam o custo do capital e, por conseguinte, pressionam o custo do serviço, e ainda por cima, sem ter qualquer certeza do repasse. Mantidas estas condições, teremos, ao final, a deterioração financeira das empresas e, por fim, uma possível reestatização das empresas distribuidoras. Fica aqui uma dúvida no ar: Quem sabe não seria essa reestatização, afinal, o objetivo oculto do atual Governo?
Para agravar ainda mais este quadro de dúvidas, Sr. Presidente, ao aprovar a Medida Provisória do modo como foi proposta, salvo alguns avanços duramente negociados com a ministra das Minas e Energia pelos senadores Delcídio Amaral e Rodolfo Tourinho, e que depois foram chancelados por este Plenário, acabamos por passar um “cheque em branco” para o Governo Federal. É que pelo menos 17 pontos chaves desta nova Lei estão por serem definidos por meio de decretos, portarias e simples resoluções do Poder Executivo, sem que o Congresso Nacional tenha mais a oportunidade de se pronunciar.
Além disto, a retirada da Eletrobrás do PND e o retorno da Eletrosul ao segmento de geração, sinaliza, uma vez mais, o retorno da ingerência do Estado no mercado econômico produtivo.
Esta fragilidade regulatória e os sinais de reestatização são indicadores mais que suficientes para que os investidores percebam aumentados os riscos do setor elétrico nacional, dada a instabilidade das regras. Nada, portanto, mais distante do que a pretendida “justa remuneração aos investidores, de modo a incentivá-los a expandir os serviços”. Faltou dar ouvidos às partes envolvidas na produção, transmissão, distribuição e comercialização da energia elétrica.
Do exame mais detido da Lei, observei também uma excessiva concentração de poderes nas mãos do Ministério de Minas e Energia. Esta centralização de decisões na figura do Ministro, quem quer que seja ele (e eu já exerci este cargo e sei exatamente como opera a máquina governamental), tende a sofrer a politização natural do exercício do Poder. Esses movimentos costumam ser interpretados pelo Mercado como grande possibilidade de instabilidade futura nos marcos regulatórios em virtude da esperada alternância do Poder Central.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, à guisa de comparação, destacamos que serão necessários de R$ 15 a 20 bilhões de investimentos por ano para atender a demanda do setor elétrico na próxima década, se o PIB crescer entre 3,5 a 4% ao ano. A expansão da geração requer, cada vez mais, uma intensiva participação de investidores privados. A questão que se coloca é: Como atrair capitais privados se o Estado está ampliando o seu poder discricionário?
Segundo estudo recentemente publicado pelo professor Adriano Pires da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os investimentos estrangeiros no setor elétrico sofreram uma queda de 50% entre os anos de 2002 e 2003, em virtude das incertezas regulatórias do Governo Federal.
Completando este quadro de incertezas dos marcos regulatórios, o Governo Federal abre nova frente de mudanças, enviando ao Congresso Nacional, agora por meio de Projeto de Lei, proposta que reestrutura as agencias, sem contudo garantir a autonomia plena de seus dirigentes. Uma das fragilidades atuais é a possibilidade do contingenciamento dos valores arrecadados dos consumidores dos serviços públicos por meio das taxas de fiscalização, sufocando e subjugando a direção destes entes de Estado.
Por oportuno, gostaria de informar que tenho um Projeto de Lei tramitando nesta Casa que proíbe esta prática do Poder Executivo. Quem sabe, não seria o caso de incluirmos este dispositivo na nova Lei das Agências que vamos apreciar brevemente?
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Estado não têm recursos suficientes para garantir a oferta de energia numa situação de crescimento econômico, pelo qual todos almejamos. O investimento privado é fundamental para atender essa futura demanda. Um marco regulatório claro e que não sofra mudanças a cada alteração de governo é essencial para a atração de capitais privados. Mas o que temos ouvido dos empresários e dos investidores é que estas medidas vão de encontro à pretendida atração de capitais de que tanto o Brasil, e o setor elétrico em particular, precisa nos próximos anos.
Examinando-se as curvas publicadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel indicando os acréscimos na oferta de geração e na rede básica de transmissão, entre os anos de 1990 e 2003, é possível observar três pontos de inflexão, ou seja, três períodos em que as curvas deixaram de ser ascendentes, e por conseguinte houve menor ampliação da oferta.
O primeiro período foi entre os anos de 1996 e 1997. O segundo foi entre 2000 e 2001 e, finalmente, o terceiro período foi entre 2002 e 2003.
Para um observador bem informado sobre a realidade do setor elétrico brasileiro, salta aos olhos que são períodos de transição de marcos regulatórios. O primeiro, foi a fase de implantação do modelo que se pretende substituir. O segundo, refere-se ao fatídico período do racionamento, que foi gerido excepcionalmente pela Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica.
O terceiro, e o mais recente, é exatamente aquele em que o governo atual começou a sinalizar para os investidores que pretendia alterar o marco regulatório.
De 2002 a 2003 houve uma redução de 645 MW de novos investimentos em geração, que representou uma queda de 14 %. No mesmo período, o investimento em novas linhas de transmissão constantes da rede básica reduziu-se de 2.437 Km para apenas 414 Km, ou seja, uma queda de assombrosos 83,01 %.
Estes dados concretos confirmam, cabalmente, o impacto negativo das freqüentes alterações do marco regulatório na disposição dos empresários privados de investir no setor de eletricidade.
Mas, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, a população não pode ficar prejudicada com decisões equivocadas. Se o governo anterior errou em buscar meios de equilibrar as contas públicas, e é possível que tenha cometido alguns enganos, esperamos que este Governo, o “dono da verdade” no passado, não repita o “propalado equívoco” e que privilegie os parcos recursos públicos em ações de infra-estruturas que sejam realmente essenciais para garantir o crescimento econômico da Nação.
O que não se admite é a repetição dos míseros investimentos em infra-estrutura como os realizados no ano passado. Segundo matérias publicadas na imprensa, o Governo Lula realizou menos investimento no primeiro ano de governo do que Fernando Henrique fez no último ano de mandado, privilegiando o pagamento das dívidas públicas interna e externa em detrimento de obras que criam empregos e trazem bem estar para a população, como são aquelas relativas ao setor elétrico. O último governo investiu 11,6 bilhões de reais no último ano de mandato. O governo petista, no seu primeiro ano, investiu apenas 1,8 bilhões, o que equivale a apenas 0,24% do orçamento federal.
Mesmo com as melhorias introduzidas na proposta governamental por esta Casa, pudemos observar que o resultado final ainda foi desfavorável. Selecionei algumas manchetes da imprensa que repercutiram a reação do mercado. Entre elas destaco:
Mesmo descontentes, setor vê avanços no texto aprovado no Senado (Mercado Livre, 04/03/2004)
Novo modelo decepciona entidades da área de energia (O Estado de São Paulo, 05/03/2004)
Todos contra Dilma: empresários, investidores, acadêmicos e até estatais são contra o novo modelo elétrico. (Isto É Dinheiro, 25/02/2004)
Empresários criticam rumos do Governo Lula: documento do setor de infra-estrutura alerta que País está ficando sem renda e sem regra (O Estado de São Paulo, 06/03/2004)
Um modelo obscuro (O Estado de S. Paulo, 09/03/2004)
Risco de inadimplência do pool inibirá financiamento privado, diz executivo (Negócios, 17/03/2004)
Finalmente, Sr. Presidente, gostaria de conclamar o Governo Federal que ouça mais a sociedade civil quando resolver alterar os marcos regulatórios. Que dê ouvidos aos usuários dos serviços públicos, aos acadêmicos e aos investidores interessados em colocar seus capitais nas atividades produtivas, que geram riquezas para o País e, principalmente, empregos. A experiência tem demonstrado que decisões tomadas “de cima para baixo”, não costumam ser as mais sábias, em especial quando envolvem setores estratégicos para o País como é o caso do sistema elétrico nacional que é, sem dúvida, motivo de orgulho para a nossa engenharia e um grande diferencial competitivo para a atividade produtiva nacional.
Era o que tinha dizer.