Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à atuação do governo Lula, destacando as falsas expectativas de ampliação do comércio com a China, a propósito de visita oficial àquela nação, bem como o aumento do desemprego e o crescimento da carga tributária no país.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Críticas à atuação do governo Lula, destacando as falsas expectativas de ampliação do comércio com a China, a propósito de visita oficial àquela nação, bem como o aumento do desemprego e o crescimento da carga tributária no país.
Publicação
Publicação no DSF de 27/05/2004 - Página 16279
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, DESEMPREGO, CARGA, TRIBUTOS, PAIS, TENTATIVA, MANIPULAÇÃO, IMPORTANCIA, AMPLIAÇÃO, COMERCIO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA.

O SR. ARTHUR VIRGILIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é cada vez mais difícil explicar o que passa pela cabeça do Governo petista do Presidente Lula, com tantas e tantas bruzundangas que se misturam a erros, omissões e avaliações equivocadas sobre a economia. A conseqüência, não poderia ser outra, é o desencanto da sociedade brasileira.

O que está nos jornais não coincide nem um pouco com a imagem de otimismo que os líderes petistas tentam transmitir aos brasileiros. Hoje, há informações disponíveis, a população está a par de tudo e de nada valem gabolices, lorotas nem jactância.

O povo quer ver é o Governo com os pés no chão firme, isto é, lé com lé e cré com cré.

Em vez disso, em vez de cuidar de arrumar a casa e traçar um programa de desenvolvimento para o País, agarra-se o Governo a planos de metas. A toda hora, metas são anunciadas pelos atuais dirigentes e porta-vozes da Nação e isso, como diz a imprensa, mostra que “o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva apenas comprova que seu Governo tem uma vocação irreprimível para cuidar do assunto errado”.

Assim também ocorre com essa visita do Presidente à China. Segundo apregoam os governistas, muitos negócios estão sendo entabulados. Mas as primeiras análises parecem conduzir a uma realidade única: são negócios da China. Mas muito mais para eles.

No fundo, como adverte o editorial de hoje do Estadão, o que a China quer acima de tudo do Brasil, no plano comercial, são produtos primários. Soja em grão e farelo fazem o exemplo óbvio.

As análises são muitas. De várias fontes. Em sua maioria, nada coincidentes com a euforia que ainda ontem tentaram passar as lideranças governistas. Menciono um trecho de editorial do Estadão: “O Brasil ocupa a quarta posição entre as prioridades chinesas, depois da Ásia, Estados Unidos e Europa. Não é pouca coisa, mas está longe de significar que, para a China, o País represente - como gostaria o governo Lula - um contrapeso estratégico potencial aos EUA”.

Volto o foco das nossas preocupações para o território brasileiro. E o que se vê são pensamentos estapafúrdios, como esse do Ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, na tentativa de analisar o novo recorde alcançado pelo Governo Lula, o do desemprego. Eis o que publica a respeito a edição de hoje da Folha de S.Paulo:

Berzoini: desemprego alto indica melhora

Segundo o ministro, mais pessoas estão procurando emprego porque economia está crescendo.

Indago se é preciso dizer mais diante de tamanho disparate. Não há como distorcer a realidade dos fatos. O Presidente Lula, esta a única verdade, é detentor desse novo título, o de recordista histórico de desemprego.

Desde logo, o que se depreende é que alguns governistas estão no mundo do lado de lá, pensando que a visita à China vai resolver todos os problemas brasileiros. Outros, aqui neste hemisfério, parecem estar no mundo da lua. E os brasileiros ficam a ver navios.

As notícias ajudam a compor a boa análise sobre a verdadeira situação da economia brasileira. Basta ler, por exemplo, o espanto geral diante da excessiva carga tributária brasileira:

Carga tributária cresce e pesa mais para indústria  
Empresas do setor pagam 44,18% em impostos, seguidas das elétricas

Renée Pereira

A carga tributária não dá trégua às empresas do País. Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), intitulado "A insuportável carga tributária empresarial brasileira", mostra que o índice de impostos e contribuições incidentes já atinge quase 40% do valor agregado (todos os gastos usados para transformar a matéria-prima em produto) das empresas. Nos Estados Unidos e na Europa, esse índice não ultrapassa os 30%.

As mais prejudicadas são as companhias do setor industrial, com carga de 44,18%, seguidas pelas de energia elétrica, com 41,45%, e de comunicações, com 40,39%. As pequenas empresas também são prejudicadas, segundo o presidente do IBPT, Gilberto do Amaral, co-autor do estudo, ao lado do tributarista João Eloi Olenike. A tributação dessas companhias, que deveriam pagar menos impostos como forma de incentivo ao desenvolvimento, na opinião de Amaral, é de 23,03% - índice superior ao das instituições financeiras (22,80%) e de administração de bens próprios (17,96%).

Em todos os setores, houve elevação da carga tributária em comparação com 2002, especialmente por causa da mudança nas regras de cálculo do PIS.

"Percebemos nesse trabalho que quanto mais a empresa agrega valor ao produto, como mão-de-obra, tecnologia e investimentos, mais imposto paga.

Isso por causa do efeito cascata do sistema brasileiro", explica Amaral. "A alta carga tributária sobre o valor agregado prejudica quem investe em tecnologia, o que é um absurdo para um País em desenvolvimento."

Segundo ele, o problema são as restrições impostas pela legislação à compensação de créditos. O cálculo do ICMS, por exemplo, é obtido a partir da conta de vendas menos compras. Mas nem todas as compras podem ser abatidas do valor a pagar.

De acordo com o estudo, as indústrias estão sobrecarregadas. Juntas, elas são responsáveis por 28,66% da arrecadação do ICMS dos Estados, que em 2003 somou R$ 119,21 bilhões - 21,79% de toda a arrecadação do País ou 7,87% do Produto Interno Bruto (PIB).

Os setores de comunicação, energia elétrica e petróleo, combustíveis e lubrificantes respondem por 42,24% do total do ICMS. O segundo imposto com maior participação no PIB é a Cofins (3,93%) e o INSS Patronal (3,78%), que somaram R$ 116,81 bilhões no ano passado.

A alta incidência de impostos e contribuições sobre o valor agregado das empresas produz "um alarmante índice de tributação sobre o consumo", diz o estudo. A carga tributária sobre o consumo é regressiva, ou seja, é maior para quem ganha menos. Para quem recebe até dois salários mínimos, o porcentual sobre o consumo é de 24,41%. Para de seis a oito salários é de 23,22% e acima de 50 salários, de 17,26%.

Os tributos incidentes diretamente sobre os produtos e serviços são PIS, Cofins, IPI e CPMF, ICMS e ISS. A arrecadação desses tributos somou R$ 207,04 bilhões em 2002 e R$ 234,37 bilhões em 2003, um aumento nominal de 13,2%. (O Estado de S. Paulo, 26 de maio de 2004)

 

Tudo isso é difícil de explicar. Por isso, estou anexando a este pronunciamento algumas matérias publicadas hoje pelos jornais, para que o historiador do futuro possa dispor de elementos de aferição a respeito do desastrado Governo Lula.

Políticas, em vez de metas de crescimento

O Brasil precisa de ações competentes que promovam o desenvolvimento econômico, não de metas de crescimento. Ao anunciar a adoção dessas metas, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrou, mais uma vez, que seu governo tem uma vocação irreprimível para cuidar do assunto errado. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, fizeram o possível, nesta semana, para desfazer o que deveria ser somente um perigoso equívoco. Mas não há nenhuma garantia de que seja apenas isso.

"Em vez de estabelecermos somente a meta de inflação, poderemos colocar, também, concomitantemente, a meta de crescimento, para serem perseguidas juntas", disse o presidente numa entrevista ao Globo. Várias fontes confirmaram que o assunto está em discussão no governo. Além de inútil, esse debate é contraproducente.

Vincular as metas de inflação e de crescimento não garantirá a expansão da economia, mas poderá prejudicar, muito, a política antiinflacionária. A melhor contribuição que o BC pode dar ao crescimento da produção, lembrou Meirelles, é defender o valor da moeda. Ninguém mais deveria imaginar que a inflação seja um fator de prosperidade. Economias que têm crescido de forma sustentável são aquelas com maior estabilidade fiscal e monetária.

No caso do Brasil, é fantasia supor que a mera redução dos juros básicos pudesse estimular, de forma significativa, o aumento dos negócios. Os juros poderiam - e deveriam - estar mais baixos, de fato, mas os principais obstáculos ao crescimento, hoje, são de outra natureza. Uma política monetária um pouco mais audaciosa poderia ter um efeito psicológico favorável, mas os benefícios seriam limitados.

Outros fatores, que não têm relação direta com os juros básicos da economia, restringem fortemente a expansão dos investimentos, da produção e do emprego. Para mudar esse quadro, o governo terá de cuidar com maior eficiência da agenda do crescimento anunciada no ano passado.

O investimento na infra-estrutura é um dos itens mais importantes dessa agenda. Para estimular esse investimento, o governo, com apoio de sua base política, terá de completar o chamado marco regulatório, definindo as condições de atuação do setor privado. Precisará conseguir a aprovação da

Lei de Parcerias Público-Privadas. No caso das agências reguladoras, deverá repensar a legislação proposta, que reserva ao Executivo um indesejável poder de arbítrio.

A reforma tributária, ainda incompleta, é decepcionante sob vários aspectos, mas ainda pode trazer algumas novidades positivas. Uma delas deve ser a desoneração da folha de pagamentos, com a mudança no sistema de contribuição à Previdência. A fórmula ainda não está decidida e um projeto especial será enviado ao Congresso provavelmente em junho. Se o governo conseguir propor um esquema razoável, as empresas ganharão poder de competição internacional e, ao mesmo tempo, terão condições mais favoráveis para ampliar o emprego formal.

A agenda de crescimento, que é essencialmente uma agenda microeconômica, inclui várias outras medidas, como a aprovação da nova Lei de Falências - que já deveria estar em vigor há bom tempo -, a redução dos entraves burocráticos, que dificultam até o fechamento de empresas, e a revisão das leis trabalhistas, não para eliminar direitos fundamentais, mas para facilitar a negociação de contratos. Ao lado disso, o Executivo terá de aumentar a eficiência de todos os seus instrumentos de política, a começar pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, principal fonte de financiamento de longo prazo no Brasil.

Caberá ao governo, também, um esforço maior para abrir mercados, negociando acordos comerciais com mais realismo do que tem exibido até agora. Com essas e outras políticas, o crescimento virá. E o governo não terá de perder tempo num exercício tecnicamente inútil. Não basta manejar uma ou duas variáveis, como os juros básicos e o gasto público, para obter uma determinada taxa de crescimento. Essa idéia, na sua simplicidade, pode ser sedutora. Mas é tão enganadora quanto perigosa.

A outra face da visita à China  

No curso da história, muitas vezes é mais fácil prever as conseqüências de uma derrota do que as de uma vitória. Por isso, o governo brasileiro precisa calibrar com realismo as expectativas que vier a nutrir a partir da constatação do êxito diplomático da visita do presidente Lula à China. Uma evidência desse inegável sucesso é que nunca antes uma viagem de chefe de Estado brasileiro, mesmo aos EUA, mereceu tanto destaque da mídia anglo-americana. Visitas de governantes brasileiros ao exterior, em regra, não são notícia na grande imprensa do Hemisfério Norte. Mas a aproximação entre o maior país latino-americano e o colosso que ocupa crescente espaço no cenário mundial não poderia despertar menor interesse. Como escreveu o editor para a América Latina do Financial Times de Londres, Richard Lapper, a ligação "conecta os maiores mercados emergentes dos hemisférios ocidental e oriental".

Da densidade dessa conexão é cedo para falar. O que a China quer acima de tudo do Brasil, no plano comercial, são produtos primários. Soja em grão e farelo é o exemplo óbvio. Já o Brasil ambiciona vender-lhe também - e cada vez mais - produtos com alto valor agregado. Isso, porém, dependerá principalmente de negociações entre empresas brasileiras e as multinacionais que instalaram na China parte de sua cadeia produtiva global e cujos centros de decisão permanecem no Ocidente, observa o economista Gilberto Dupas, citado pela Folha de S.Paulo. Além disso, outros fatores tornam duvidoso o prognóstico do chanceler Celso Amorim de que a viagem de Lula poderá criar uma nova "geografia diplomática e comercial" no planeta. Convém atentar, nesse sentido, para os fundamentados argumentos do mais conceituado sinólogo americano, Kenneth G. Lieberthal, da Universidade de Michigan e ex-assessor do governo Clinton.

Ouvido pelo correspondente do Estado em Washington, Paulo Sotero, ele explicou por que a visão do chanceler não desperta entusiasmo em Pequim. A China considera importante a relação com o Brasil - porém com o foco no plano bilateral e "em seus próprios termos", especifica Lieberthal. Por esses termos, o Brasil ocupa a quarta posição entre as prioridades chinesas, depois da Ásia, Estados Unidos e Europa. Não é pouca coisa, mas está longe de significar que, para a China, o País represente - como gostaria o governo Lula - um contrapeso estratégico potencial aos EUA. É verdade, aponta o especialista, que os líderes chineses contemplam a hipótese de uma colisão frontal de interesses entre o seu país e os Estados Unidos, mas não antes de uma década. Até lá, "a China fará tudo que puder para manter uma relação forte e estável com os Estados Unidos". A propósito, por muito tempo os EUA continuarão a ser o principal parceiro singular do Brasil.

A parceria com a China, de resto, tem seu preço - explícito no comunicado conjunto de 1.700 palavras, assinado pelos presidentes Lula e Hu Jintao. Trata-se das concessões políticas ao regime de Pequim - inevitáveis, quem sabe, repulsivas, com certeza - e que, com diferenças de nuances, já existiam antes do governo Lula. A primeira delas foi o Brasil aceitar que não só Taiwan, mas também o Tibete, "é parte inseparável do território chinês". Sabe o Itamaraty que os tibetanos, liderados do exílio pelo dalai-lama, se batem por autonomia interna, não pela independência; nem isso a China quer-lhes conceder. A segunda e mais ampla concessão consiste no integral endosso da rationale da ditadura chinesa na questão dos direitos humanos. A hipócrita fórmula encontrada por Pequim para negar legitimidade aos protestos contra a sua repressão às liberdades fundamentais é alegar que as denúncias são "politizadas" e "seletivas". É a essa fabricação que o Brasil dá o seu aval. (Aliás, a idéia de invocar os "critérios seletivos" é do chanceler brasileiro.)

Tradicionalmente, Brasília se abstinha de condenar a China nas votações anuais da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. Em abril último, foi pior: pela primeira vez o delegado brasileiro votou a favor da moção chinesa para que os seus "assuntos internos" não fossem debatidos. Nesse jogo sujo, eufemisticamente chamado de "Realpolitik", o Brasil pedia uma retribuição: o apoio à reivindicação brasileira de um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. Mas, no comunicado conjunto, o presidente chinês se limitou a consignar que o Brasil deve desempenhar "maior papel nas instituições multilaterais, como as Nações Unidas". É a outra face da visita de Lula.

 

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/05/2004 - Página 16279