Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A importância de uma política ferroviária para integração regional.

Autor
Luiz Otavio (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PA)
Nome completo: Luiz Otavio Oliveira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • A importância de uma política ferroviária para integração regional.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/2004 - Página 16639
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, DESENVOLVIMENTO, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, POLITICA, INVESTIMENTO, RECUPERAÇÃO, AMPLIAÇÃO, REDE FERROVIARIA, VIABILIDADE, INTEGRAÇÃO, IGUALDADE, DESENVOLVIMENTO, REGIÃO, PAIS.

O SR. LUIZ OTÁVIO (PMDB - PA. Sem apanhamento taquigráfico.) -

Malha Ferroviária e Integração Regional

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que, se existe algo que nos aproxima, homens públicos das mais distintas latitudes, sem qualquer tipo de condicionantes, é o compromisso perene que temos todos com o desenvolvimento do País. Com efeito, independentemente de nossas opções político-partidárias ou das convicções doutrinárias e ideológicas às quais nos submetemos, em primeiro lugar está o objetivo maior, a conduzir e a iluminar nossa trajetória, que é o de ver a Nação capacitada a produzir e a distribuir riquezas.

Infelizmente, em que pese o conjunto de realizações que nos coloca há algum tempo entre as mais dinâmicas economias do planeta, não foram poucas as oportunidades perdidas pelo Brasil no caminho do desenvolvimento. O primeiro exemplo que me ocorre vem do século XIX, época em que surge o Estado Nacional Brasileiro. O rompimento dos vínculos coloniais que nos prendiam à metrópole portuguesa se dá em um contexto histórico particularmente rico. As primeiras décadas do século XIX assinalavam, sob o ponto de vista político, a consolidação do processo de desmonte do Antigo Regime na Europa e de sua outra face nas Américas, o Antigo Sistema Colonial, apontando para a emergência de instituições e regimes políticos condizentes com a nova era que despontava: o mundo contemporâneo.

Em termos materiais, a Revolução Industrial, iniciada na Grã-Bretanha há algumas décadas, mais e mais se expandia e, na esteira de sua expansão, o capitalismo se consolidava plenamente. Em nosso continente, ninguém compreendeu melhor essa nova e irresistível realidade histórica que os Estados Unidos, então uma jovem nação, a primeira a surgir entre nós, após a conquista de sua independência.

Preso que estava às velhas e ultrapassadas estruturas coloniais, muito embora tornado independente de sua antiga metrópole, o Brasil praticamente ignorou a nova realidade econômica mundial. Conquanto o café representasse notável riqueza para o País, trazendo divisas e garantindo nossas importações, nada justificaria a ênfase na monocultura, sobretudo pela extrema vulnerabilidade a que ela expõe o País. Entretanto foi isso o que aconteceu, realidade, aliás, que se estende por toda a República Velha, o que ajudou a sepultá-la.

Quem, com um mínimo de conhecimento de nossa História, não se lembrará da inexplicável montanha de obstáculos colocada à frente de Irineu Evangelista de Sousa, o único verdadeiramente grande empreendedor capitalista que tivemos no século XIX?

Quem não se recordará dos empecilhos interpostos à ação empreendedora de Mauá, muitas vezes aliada à força dos capitais britânicos?

Pois o homem que fundou casa bancária, introduziu a iluminação pública a gás, construiu estaleiro, fundou companhia de navegação a vapor, financiou grande parte da maior guerra em que o País se envolveu depois da Independência e, sobretudo, teve a clarividência de construir e colocar em funcionamento uma ferrovia, tudo isso no Brasil da segunda metade do século XIX, esse homem - repito - foi levado à falência.

No alvorecer da República, experimentamos nova frustração. Sem embargo de sua decantada e justamente louvada inteligência, malgrado a melhor das intenções de industrializar o País, mediante a constituição de um mercado de capitais que sustentasse o esforço de industrialização nacional, o Ministro da Fazenda do Governo republicano provisório, Rui Barbosa, viu sua política econômica perder-se em meio à jogatina desenfreada, à mais descarada especulação. Não por acaso, essa política econômica foi jocosamente apelidada de “encilhamento”, em clara alusão às apostas - portanto, ao jogo - nas corridas de cavalo.

Não me parece despropositado afirmar que, relativamente às circunstâncias geradas pelas duas guerras mundiais do século XX, delas aproveitamos menos do que poderíamos ter aproveitado. Pelo menos com Getúlio Vargas tivemos a necessária sagacidade para negociar nossa entrada na Segunda Guerra Mundial. Afora atender ao majoritário sentimento nacional, que clamava por reação ao nazi-fascismo, - cortar relações diplomáticas com as potências do Eixo, declarar-lhes guerra, ceder bases no Nordeste à potência continental aliada e enviar heróicos expedicionários ao campo de batalha europeu permitiu ao Brasil contabilizar um bom ganho material. Exemplo disso foi a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, na cidade fluminense de Volta Redonda. A CSN, como bem o sabemos, correspondeu ao ponto de partida, à decolagem da moderna industrialização brasileira.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nunca o Brasil se transformou tanto, tão profunda e tão rapidamente, quanto no período que se inicia com o término da Segunda Guerra Mundial. A imagem de “um país em movimento” é certamente a mais adequada para definir a experiência histórica que protagonizamos a partir de então. A industrialização impulsionava a urbanização, com invulgar celeridade. Para se ter uma idéia desse processo, enquanto em 1950 pouco mais de 70% da população brasileira encontravam-se no campo, apenas meio século mais tarde, informa o censo de 2000, o País atingia a impressionante marca de pouco mais de 80% da população vivendo em áreas urbanas.

A questão que se colocava naquele momento, e que continua na ordem do dia de nossas preocupações atuais, era o tipo de opção a ser feita para a consecução da meta pretendida pelo País, qual seja, o desenvolvimento. Se errada não foi a opção, pelo menos alguns equívocos se cometeram. Nesse caso, tome-se como exemplo a estratégica questão dos transportes. Com Washington Luís, para quem governar era abrir estradas, nos estertores da República Velha, tem início uma política essencialmente centrada no modelo rodoviário. Com Juscelino Kubitschek, na segunda metade dos anos 50, e com o regime militar instaurado em 1964, esse modelo atingiu sua expressão máxima.

Antes que alguém me tome como adversário das rodovias, apresso-me em dizer que nada tenho contra elas, muito pelo contrário, pois em várias oportunidades já defendi desta tribuna a conclusão da rodovia Cuiabá/Santarém, que, com a sua conclusão, trará um grande eixo de desenvolvimento para o Centro-Oeste e o Norte do País. Reconheço também nas rodovias sua incomparável importância e o papel que representou - e que de fato ainda representa - como elemento dinâmico e indutor do moderno desenvolvimento brasileiro. Por isso mesmo, defendo a imediata recuperação da malha rodoviária brasileira, cujo estado, em geral, é dos mais precários. Penso, contudo, que está mais do que na hora de o Brasil recuperar, pelo menos em parte, o muito que perdeu por não ter sabido investir, na medida necessária, em seu sistema ferroviário.

Afinal, Sr. Presidente, não se conhece um caso sequer - repito, um único exemplo - de país que se tenha desenvolvido no mundo contemporâneo sem o concurso de poderosa e diversificada malha ferroviária. Seguramente, na decisão desses países de investir pesadamente nas estradas de ferro pesaram fatores como segurança, rentabilidade, eficiência, rapidez e a facilidade de locomoção de pessoas, de matéria-prima e de produtos industrializados. Foi assim com os Estados Unidos, cuja conquista do Oeste se constituiu em autêntica epopéia sobre trilhos. Foi assim com as principais potências européias, pioneiras na industrialização. Foi assim com o Japão a partir da Era Meiji, quando se decidiu por não se sujeitar à dominação externa e por desenvolver um modelo próprio de capitalismo.

Exemplos é que não faltam a esse respeito. Justamente por isso, mais que nunca precisamos examinar, com real interesse e devida atenção, uma política nacional para os transportes ferroviários. Se a expansão ferroviária é útil ao País como um todo, maiores ainda serão seus efeitos nas regiões mais distantes do eixo econômico nacional. Nessa perspectiva, imagino a minha região Norte interligada, via trilhos modernos, ao Nordeste e ao Centro-Oeste, por exemplo.

Superar os desequilíbrios regionais, promovendo a inserção de áreas consideradas periféricas aos centros dinâmicos da economia brasileira, é passo decisivo - diria mais, insubstituível - para que nosso País atinja o que até hoje não conseguiu conquistar plenamente: o desenvolvimento harmonioso e perene, que afaste qualquer forma de exclusão entre as diversas unidades federativas. Somente com um nível de desenvolvimento dessa dimensão será possível ao Brasil reverter os sofríveis índices sociais com os quais convive e que a todos nós fere e incomoda.

Lembro-me, a propósito, de antiga preocupação de um fraterno e dileto amigo, homem público que sempre dignificou a representação política do meu Pará. Refiro-me ao ex-Deputado Jorge Arbage, para quem a construção da ferrovia transversal, ligando a Capital de meu Estado - a querida Belém - a duas capitais nordestinas, São Luís e Teresina, incluída na Relação Descritiva das Ferrovias do Plano Nacional de Viação, seria - e é - de importância vital para ambas as regiões.

Um País com a dimensão continental do Brasil, mais que qualquer outro, não pode se dar ao luxo de olvidar a necessidade da integração regional. Um bom sistema ferroviário, a exemplo do existente nos países de economia avançada, representaria ganhos extraordinários para todos. Do incremento do comércio, barateando os preços das mercadorias e fomentando o consumo, ao adequado aproveitamento das potencialidades turísticas, nenhuma atividade escaparia ao impacto positivo trazido pelas ferrovias.

Eis o apelo que, neste momento, faço ao Executivo. O Brasil não mais pode esperar para contar com uma política ferroviária arrojada, identificada com as necessidades do tempo presente e impulsionadora de investimentos de que tanto carecemos. Ao apoiar enfática e entusiasticamente a construção da ferrovia Pará-Maranhão-Piauí, exemplo entre vários outros do muito que poderá ser feito, faço-o na certeza de que, pelos trilhos de nossas ferrovias, recuperaremos o tempo perdido e levaremos o desenvolvimento a todo o País, de forma mais equânime, justa e criteriosa.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/2004 - Página 16639