Discurso durante a 69ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo ao governo para que descontingencie o Orçamento para a execução dos programas sociais.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Apelo ao governo para que descontingencie o Orçamento para a execução dos programas sociais.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/2004 - Página 17057
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CRITICA, CONTINUAÇÃO, FRUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO, DESCUMPRIMENTO, PROMESSA, CAMPANHA ELEITORAL, POSSIBILIDADE, ACOMPANHAMENTO, INTERNET, GESTÃO, GOVERNO, PLANEJAMENTO, DESPESA, EXECUÇÃO ORÇAMENTARIA, MINISTERIO, RECURSOS, FUNDO ESPECIAL, ERRADICAÇÃO, POBREZA, REPUDIO, OBEDIENCIA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), PRODUÇÃO, SUPERAVIT, EFEITO, PARALISAÇÃO, ECONOMIA, ESPECIFICAÇÃO, PROGRAMA, COMBATE, FOME, INCOMPETENCIA, IMPLEMENTAÇÃO, EXCESSO, PROPAGANDA, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, EXPECTATIVA, PRIORIDADE, POLITICA SOCIAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, com muito custo, o Brasil tem tentado e, a duras penas, conseguido sair do eterno círculo vicioso de projetos mal conduzidos e resultados desastrosos, que acabam custando rios de dinheiro e muito desalento a uma população cada vez mais desiludida com promessas descumpridas. As campanhas políticas têm sido uma coletânea de promessas de um paraíso nunca alcançado, seguidas do duro confronto, logo após a posse, com o fato de que o que foi prometido não tem qualquer base na realidade. Fica muito fácil prometer e depois dizer que a herança recebida foi catastrófica e que por isso os projetos imaginados ficaram inviáveis.

Sr. Presidente, se queremos fazer do Brasil um País justo, não mais podemos continuar com essa prática perversa de ganhar eleições com promessas que não serão cumpridas, pois, se há uma realidade que é transparente no Brasil de hoje, é a do que se pode efetivamente fazer, de quanto dinheiro se dispõe e o que já está comprometido com despesas fixas.

O sistema de gestão financeira da União pode ser acessado por qualquer cidadão que tenha um computador, mesmo que esse universo ainda seja uma minoria da população. Não há, pois, desculpas para a ignorância ou para a surpresa daqueles que dirigem ou desejam dirigir o País. Um ano de acompanhamento técnico da execução orçamentária é mais do que suficiente para que se tenha pleno conhecimento da exeqüibilidade do Orçamento e da capacidade gerencial do Governo.

Nem mesmo a desculpa do Orçamento herdado pode servir, pois ele foi discutido e aprovado pelo Congresso, e, portanto, os novos mandatários do País tinham pleno conhecimento das condições em que entrariam para governar. Se não fizeram melhor, nem mudaram nada, foi porque não quiseram ou não tiveram interesse em fazê-lo. Fica, assim, muito fácil responsabilizar terceiros pela própria incapacidade de realizar o que se disse capaz de fazer.

Não devemos esquecer, Sr. Presidente, que o Congresso Nacional e, em conseqüência, os demais Poderes da República dispõem do Tribunal de Contas da União - TCU como órgão técnico permanentemente atento ao que acontece na gestão dos recursos públicos. Assim, fica cada vez mais difícil para os Poderes da República se valerem de truques verbais, para justificar o não-cumprimento das metas orçamentárias, sem que boas e claras explicações sejam dadas à opinião pública; opinião pública que tem sido cada vez mais crítica em relação a promessas vazias de conteúdo.

O Orçamento Geral da União - OGU já é parco em recursos para investimentos em programas de desenvolvimento social. Se, ainda por cima, o Governo os contigencia ou simplesmente não os aplica na destinação prevista, fica muito difícil para a população confiar em que há um Governo eleito comprometido com a retribuição em serviços daquilo que o Estado recebe em impostos e taxas.

Durante o Governo FHC, com bombástica repercussão na imprensa, foi criado o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, cuja dotação anual ultrapassa R$5 bilhões, distribuída por diversos dos atuais Ministérios. Contudo, um exame da execução do Orçamento da União, a partir do Siafi, mostra que nem 31% do previsto foram efetivamente utilizados até o final do mês de abril passado e, assim mesmo, não de maneira uniforme em todos os Ministérios. Há os que nada fizeram até agora ou que muito pouco fizeram.

Sr. Presidente, para angariar credibilidade no mercado internacional e junto ao FMI, o Governo Lula contigenciou boa parte do Orçamento de 2003, de modo a produzir um superávit primário de mais de 4% do PIB. Conseguiu! Em 2004 contigenciou ainda mais, para produzir um superávit de 4,5%. Conseguiu de novo! Mas o País parou, e as promessas de resgate da pobreza ficaram e continuam no vazio. O Programa Fome Zero, carro chefe do Governo na área social, continua sendo muito mais um sucesso de marketing e um conjunto de ações emergenciais do que um programa estruturado. Essa é uma das principais constatações da sociedade.

Um dos pontos levantados pelos críticos mais esclarecidos é o de que o Governo continua sem saber exatamente qual é o alvo de seus programas sociais, quem são os verdadeiros pobres que devem ser priorizados no Programa Fome Zero. E isso após quase um ano e meio de exercício do poder. Parece que continuamos a não saber onde está a linha de pobreza no Brasil, ou seja, quem é pobre, do ponto de vista da necessidade de inclusão nos programas assistenciais públicos.

Uma tarefa dura, mas imprescindível, do Governo, é a de decidir, com transparência e lisura, quais são suas prioridades reais, para nelas investir os recursos disponíveis, segundo critérios certos e induvidosos de eficiência e eficácia. Truques contábeis de utilização de verbas em destinações distintas das previstas no Orçamento são uma prática usual nos governos brasileiros, o que sempre redunda em desfavor da população.

Mesmo com a dificuldade que há em se conseguir dados atualizados, a simples vista da execução do Orçamento em cada Ministério deixa claro que o contingenciamento tem sido o principal empecilho ao avanço dos programas de combate à pobreza, cujo principal eixo, nesse Governo, é o Programa Fome Zero. No Ministério do Desenvolvimento Agrário, por exemplo, só estão previstos, para 2004, R$17 milhões para assistência técnica, extensão rural e capacitação de agricultores familiares - verba irrisória para provocar a revolução no campo prometida pelo Governo Lula.

O Ministério das Minas e Energia tem, como destinação dos recursos do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, o Prodeem, programa de eletrificação de comunidades isoladas e sem rede elétrica estabelecida. A estimativa existente é de 2,5 milhões de residências sem energia elétrica em todo o País, clientes, portanto, do Prodeem. Contudo, só no final do ano de 2003 o Governo reavaliou o Prodeem para inseri-lo no Programa Nacional de Universalização, em parceria com as distribuidoras de energia elétrica. A execução orçamentária de 2003 ficou, pois, aquém do previsto, quanto mais não seja porque o ano findou e nada foi feito. Para 2004 o Governo continua apenas projetando fazer algo que não faz. Anuncia o lançamento do Programa Luz para Todos sem qualquer previsão de execução ou de recursos.

Sr. Presidente, o Programa Fome Zero, visto no papel, é algo deveras ambicioso, mas, como a maioria das ações do Governo, neste primeiro ano e meio de mandato, revela-se apenas um conjunto de medidas paliativas de curto prazo e um imenso marketing institucional.

Mesmo as ações efetivamente em andamento têm sido levadas a cabo com alta margem de risco, como é o caso do Cartão Alimentação, cujo controle, para evitar fraudes e desvios de uso, exige transparência, acompanhamento social aberto e rigorosa auditoria permanente.

Podemos, se consultarmos os registros do TCU e o acompanhamento do Siafi, identificar um conjunto de pelo menos 25 macroações no âmbito do Fome Zero: Bolsa-Escola; PNAE, Programa Nacional de Alimentação Escolar; Fortalecimento da Agricultura Familiar; Bolsa Criança-Cidadã, PETI; Bolsa Agente Jovem; Reforma Agrária; Cartão Alimentação; Geração de Emprego; Bolsa Alimentação; Garantia Safra; Auxílio Gás; Construção de Cisternas; Banco de Alimentos; Compra de Alimentos da Agricultura Familiar; Programa Economia Solidária em Desenvolvimento; Restaurantes Populares; Formação e Qualificação de Trabalhadores; Saneamento Básico; Habitação Popular; Programa de Alimentação do Trabalhador, PAT; Alfabetização de Jovens e Adultos; Concessão de Microcrédito; Saúde da Família; Educação para o Consumo Alimentar; Fiscalização de Alimentos no Estabelecimento.

Sr. Presidente, tal conjunto de ações cobre, de fato, quase todo o núcleo central de necessidades básicas para o desenvolvimento social das camadas mais carentes da população, assim como permite motivar a atividade econômica dessas pessoas. Seria, se fosse efetivamente realizado, uma quase revolução social. É, contudo, ainda hoje, muito mais uma carta de intenções do que uma realidade.

Sr. Presidente, o Governo, pressionado pela inoperância de sua equipe em produzir resultados com o Fome Zero, resolveu unificar a gestão de todas as ações sociais no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Nem por isso a situação melhorou. O Programa Fome Zero continua a patinar, o desemprego a aumentar, e a desesperança a crescer.

E o Governo continua a anunciar a intenção de realizar o que não realiza. Agora é a recuperação de mais de sete mil quilômetros de estradas, a reformulação do Programa Primeiro Emprego, incentivos à indústria da construção civil, e assim por diante. Na realidade, contudo, os recursos não são investidos. Uma boa vista de olhos na execução orçamentária demonstra que apenas os repasses ligados à Bolsa Família têm alguma expressão, já que foram pagos cerca de R$1,5 bilhão, dos pouco mais de R$4,3 bilhões previstos para 2004. O restante das ações, principalmente dos ministérios diretamente ligados à área social, em especial do próprio Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, não teve qualquer empenho ou pagamento. O que significa que propaganda há muita, mas efetiva ação quase nenhuma. E não se contem os pagamentos do Bolsa Família, pois esses dependem apenas de execução automática. Os que dependem de decisão política e de alocação de recursos continuam na retórica vazia da propaganda.

Srªs e Srs. Senadores, não bastam belas palavras e inflamados discursos de mobilização emocional das populações mais carentes. Isso é fácil fazer, e o Presidente da República é mais do que experiente na matéria. O Brasil precisa de resultados concretos, modestos ou grandiosos, mas adequados e em consonância com as possibilidades máximas de investimento do Governo e das parcerias que possa costurar.

Infelizmente, Sr. Presidente, o IBGE divulgou números nada animadores sobre a economia nacional no primeiro trimestre do ano. Mais um empecilho ao investimento social, já que faltam recursos para investir na economia produtiva.

Concluo esta minha intervenção, Sr. Presidente, na esperança de que, ainda este ano, possamos ver Orçamento e execução orçamentária se harmonizando em favor dos necessitados. O Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza foi criado com destinação específica. Esperamos que ele seja mantido e cumpra suas funções. Não desejamos ver acontecer com esse Fundo o que aconteceu com a CPMF, que virou mais uma fonte de renda para o Tesouro e perdeu sua vinculação com a saúde, razão de sua criação.

Esperamos que necessidades de caixa não se tornem, mais uma vez, prioridade sobre a vida das pessoas e que as promessas de programas e projetos nunca realizados cessem e se tornem ações palpáveis e benefícios reais para os brasileiros de todas as classes, em particular para os que mais deles necessitam.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/2004 - Página 17057