Discurso durante a 70ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da proposta de emenda à Constituição que reduz o número de vereadores dos municípios.

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO ELEITORAL.:
  • Defesa da proposta de emenda à Constituição que reduz o número de vereadores dos municípios.
Publicação
Publicação no DSF de 04/06/2004 - Página 17250
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • DEFESA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REDUÇÃO, NUMERO, VEREADOR, MUNICIPIOS, AMPLIAÇÃO, REFORÇO, DEMOCRACIA, PAIS.
  • CRITICA, INTERESSE, SENADO, CONGRESSO NACIONAL, URGENCIA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, DESRESPEITO, REGIMENTO INTERNO, MOTIVO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), CUMPRIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AMPLIAÇÃO, REDUÇÃO, NUMERO, VEREADOR.
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, MUNICIPIOS, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DO CEARA (CE), CONFIRMAÇÃO, EXCESSO, NUMERO, VEREADOR, CIDADE, INFERIORIDADE, POPULAÇÃO, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

O SR. ALMDEIDA LIMA (PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto à tribuna trazendo o mesmo assunto do meu último pronunciamento nesta Casa. Trata-se da PEC que define o número de Vereadores nas Câmaras Municipais deste País.

De logo quero dizer que entendo perfeitamente que cada Senador, cada Congressista tem a sua autonomia, a sua liberdade; e a sua consciência vota de acordo com ela. Voto de acordo com a minha consciência. O que não posso admitir, e não admitirei jamais, é o fato de se usar da eloqüência, da sábia eloqüência para confundir a opinião pública, o País, e não trazer, à luz do dia, a verdade dos fatos.

Estamos vivenciando hoje, nesta Casa, atropelos regimentais por conta de uma vontade que não representa a do povo brasileiro. A todo custo, querem votar e aprovar uma proposta de emenda à Constituição para ampliar o número de vereadores existentes no País, e isto não condiz com a realidade nacional, com os interesses nacionais, não representa o pensamento da população brasileira. Porém, estamos vendo e ouvindo Lideranças, sobretudo do Partido dos Trabalhadores, a exemplo da Senadora Ideli Salvatti, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, fazer alegações que não correspondem à verdade dos fatos, e o próprio Senador Antonio Carlos Valadares do meu Estado, ontem, da mesma forma, usou deste expediente.

E a Senadora diz que o Legislativo, o Senado não pode abdicar do seu direito de legislar, em uma clara alusão ao Supremo Tribunal Federal, como se este estivesse a legislar quando decidiu, em um recurso extraordinário, os limites de uma Câmara de Vereadores do interior do Estado de São Paulo e, posteriormente, o Tribunal Superior Eleitoral, aproveitando-se daquela interpretação à Constituição, em uma resolução, transformou-a em uma norma de caráter geral.

Ora, como já disse e repito, o Supremo Tribunal Federal nada mais fez do que, em um linguajar jurídico, chamar o feito à ordem, diante do escândalo existente neste País, escândalo sim, não obstante ter sido legitimado pela própria Justiça Eleitoral.

Trouxe exemplos à tribuna mostrando Municípios como Mesquita, no Rio de Janeiro, com 175 mil habitantes, com nove vereadores, e Serra da Saudade, em Minas Gerais, com apenas 879 habitantes com os mesmos nove vereadores. Campinas, São Paulo, com um milhão de habitantes, possui 21 vereadores; e Nova Russas, no Ceará, com 30 mil habitantes - apenas 30 mil! - diante do um milhão de habitantes de Campinas, possui o mesmo número. E Aracaju, Sergipe, com 470 mil habitantes, os mesmos 21, dando a demonstração de que a Constituição estava desrespeitada e que não havia critério para se estabelecer o número de vereadores neste País. E aí alega que está tomando a função do Senado de legislar. Esta eloqüência não comporta. Está perdendo para quem? Para o Supremo? Não, embora esteja perdendo para o Executivo. Como bem disse ontem o Senador Antero Paes de Barros, este ano não tivemos um único projeto de lei transformado em lei de autoria de nenhum Congressista: Deputado ou Senador. Todos, medidas provisórias vindas do Executivo. Aí sim, o Legislativo perdendo espaço para o Executivo.

O Supremo Tribunal cumpriu sua missão: aplicar a Constituição e, como ela estava sendo desrespeitada... ou será que precisa exemplo mais eloqüente do que os dois que acabei de citar: o de Mesquita, no Rio de Janeiro; e o de Nova Russas, no Ceará.

Ora, é preciso se criticar o Senado Federal e o Congresso Nacional. O Congresso, hoje, desengaveta Propostas de Emenda à Constituição de 1992, 1999 e 2001. Estavam engavetadas porque todas elas visam a diminuir o número de Vereadores. Como essas propostas de 1992, 1999 e 2001 visam a diminuir o número de Vereadores, ficaram engavetadas.

Este ano, o Supremo julgou ação de São Paulo e estabeleceu uma interpretação pela qual haverá uma diminuição em torno de 8,5 mil Vereadores dos 60 mil existentes. Como essas três PECs propõem a diminuição do número de Vereadores menor do que o estabelecido pela interpretação da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal, o Senado e a Câmara têm interesse de, a toque de caixa, passando por cima do Regimento, das normas e do bom senso, desengavetar e aprovar proposta que desfaz a decisão do Supremo, que decidiu um corte para algo em torno de 3.500, em um caso, e 5.000 em outro.

Aí vão dizer: “Nós não podemos abdicar da nossa tarefa de legislar.” E as propostas não estão aqui desde 1992? Por que já não legislaram?

Mas como não havia uma proposta pior, no dizer deles, que cortasse um maior número, e como o objetivo não é diminuir - se pudesse seria ampliar os 60 mil hoje existentes -, essas PECs não estariam também hoje sendo discutidas.

Sr. Presidente, eu me insurjo porque tenho autonomia com o meu voto e com a minha consciência e porque sei que isso não é bom para o País, não é bom para o povo. É muito ruim. Eu imaginava que o Governo, que está preocupado em cortar gastos, em ampliar o superávit, assumisse essas proposituras e ampliasse até o corte, como havia proposto na PEC nº 52, para diminuição do número de Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais, o fim dos vices e a diminuição do número de Ministérios.

Isso não serve para o Brasil. Lamentavelmente, entristecido, tenho que vir à tribuna para dizer que a preocupação não é com o País, como diz a imprensa, embora eu faça ressalvas, mas sim com cabos eleitorais de luxo.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, eu me contraponho porque isso não atende aos interesses nacionais. Tenho plena convicção de como se encontra hoje a maioria dos Prefeitos: amargurados, amordaçados, calados, porque não podem se contrapor a essas propostas de ampliação porque sabem muito bem como é o jogo político em seus Municípios. Faço ressalvas. Não trago aqui normas gerais nem considerações que envolvam a todos. Encontrei, como encontro, honrosas exceções no Legislativo municipal brasileiro e no meu Estado de Sergipe.

Não posso deixar de dizer, Senador Papaléo Paes, que seria muito bom que os Prefeitos tivessem que encaminhar às Câmaras Municipais, para cobrir as despesas financeiras, apenas o percentual estabelecido na Constituição Federal. Mas não ficam só naqueles 8% para Municípios com até 100 mil habitantes. Eu sei e sabemos todos nós como isso funciona, o que representa a maioria em uma Câmara de Vereadores para o Prefeito do interior. Eu sei o que representa.

Existem benefícios além dos subsídios e da verba orçamentária que são legalmente transferidas para a Câmara. Existem raríssimas e honrosas exceções, não apenas em relação a Vereadores, mas também a Municípios e a comportamentos de Prefeitos. Há exceções e muitas exceções, não vou generalizar. Mas há inúmeros casos em que, além dos benefícios de ordem legal, Sr. Presidente, existe a cota do caixão na funerária, paga pela Prefeitura, para custear os sepultamentos que o Vereador patrocina. O Prefeito tem a faca no pescoço. Muitos deles não podem dizer isso por causa de suas contas, não que elas estejam erradas ou que padeçam desse erro, mas porque o julgamento é político. É assim que a Constituição diz e é essa a tradição no Brasil, com a qual não concordo. Isso não é um bom costume, é um mau costume. Há ainda a cota na farmácia. Ao farmacêutico estabelecem-se as cotas para os Vereadores A e B. Assim é feito, como eu e todos nós sabemos, para se fazer política e politicagem. O político adversário e seus eleitores não têm esse direito, embora a saúde pública deva ser mantida e oferecida à população pelo Executivo. Há também a cota de táxis, conhecidos no interior como carros de praça.

Então, quando imaginamos diminuir o número de Vereadores sem alterar a relação democrática ou diminuir as instituições democráticas deste País, como este Parlamento, é porque conhecemos esta realidade.

Fui Prefeito de Aracaju, e a faca estava no meu pescoço permanentemente, por meio de ações na Justiça para que eu repassasse além do percentual estabelecido na Constituição, Senador Juvêncio da Fonseca. Isso já é um absurdo! No meu Município, de 21 Vereadores, em dado momento, eu tinha o apoio de apenas dois, porque nunca me dobrei a esse tipo de pressão, apesar das sugestões como as que recebi de um parlamentar: “Prefeito, qualquer proposta que o senhor enviar à Câmara nós aprovaremos, contanto que o repasse seja nesse percentual. Até proposta de pena de morte para servidor eu aprovo, contanto que sejam repassados esses recursos para o Município.”

Que algum Senador ou outro político de Sergipe use da tribuna e desfaça, desdiga e desminta o que estou aqui afirmando!

O Senador Antonio Carlos Valadares, ontem - perdoem-me falar na ausência de S. Exª neste instante -, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, disse que a comunidade brasileira está clamando para que esse número não seja reduzido. Que comunidade? A comunidade de alguns Vereadores ou a de uma grande parcela de Vereadores? Porque a comunidade do povo, não. Em hipótese nenhuma!

Na Grande Aracaju, há o Município de Nossa Senhora do Socorro. Hoje, lá existem 17 vereadores, para um Município de pouco mais de 100 mil habitantes. Com a proposta que será aprovada - com o meu voto contrário -, esse número subirá para 19 - salvo engano, à distância, vejo sergipanos neste plenário.

Esta é a realidade, meu querido companheiro odontólogo de Sergipe e de Nossa Senhora do Socorro! Se aprovada, amplia-se o número para 19.

Ora, admiro a eloqüência e a argumentação, mas comparecer à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania com um argumento dessa ordem, de que o Supremo está tomando a nossa função de legislar! Coisa nenhuma! O Supremo decidiu o que tinha de decidir, interpretou a Constituição e a aplicou.

Os Srs. Senadores que discordaram da decisão do Supremo concordam, por exemplo, que Arcoverde, em Pernambuco, Município de 63 mil habitantes, tenha 10 vereadores? E que Pedro Avelino, no Rio Grande do Norte, que tem 7 mil habitantes, tenha o mesmo número de Vereadores? É com isso que os senhores concordam? Em São Vicente, São Paulo, há 315 mil habitantes e 13 vereadores; em Caiçara, na Paraíba, há 13 vereadores e apenas 7.300 mil habitantes. É com isso que os senhores concordam? Ainda em São Paulo, Hortolândia, Município de 173 mil habitantes, tem 11 vereadores; e em Balbinos, São Paulo, onde há 1.300 habitantes, há o mesmo número, 11 vereadores, Ali há menos de 1% da população de Hortolândia e o mesmo número de vereadores!

É com isso que os senhores desejam conviver neste País? Será que não vai chegar o instante em que a maioria pense no País? Porque hoje, sinceramente, a maioria que pensa no País não existe.

Ficam preocupados: “Mas há a próxima eleição”! Não estou preocupado com a próxima eleição, até porque sei como ela funciona. Em uma eleição para Senador, quando cheguei à minha terra, Nossa Senhora das Dores, os vereadores me disseram: “Senador, temos que sentar para conversar”.

Sentar é um gesto simples. Vamos sentar e conversar. Os senhores não querem sentar e conversar. A história, Senadores, não é uma conversa.

Será que não vamos nos cuidar e nos preocupar com esses desvios na democracia brasileira, na vida institucional deste País? Será que isso nunca vai ocorrer, Sr. Presidente?

Tivemos oportunidade, até um tanto tardia, pois o Supremo Tribunal Federal já deveria ter julgado esse recurso extraordinário. Ele ficou lá dois, três, quatro, cinco anos, não sei bem quanto tempo, e já poderia ter sido julgado. Mas como o Supremo julga, e o TSE toma uma posição em uma resolução para todo o País, descobrem que, na Câmara e no Senado, há uma PEC de 92! Como ela continha uma proposta de redução - antes de ter havido a decisão do Supremo -, diziam: “Ela não serve, porque reduz”. Mas como o Supremo diminuiu mais do que o contido naquela proposta, passaram a pensar que agora ela serve. Tiram-na das gavetas e a trazem, tripudiando sobre o Regimento, o bom senso, a lógica e os interesses nacionais, para ser aprovada de qualquer jeito.

Tudo bem! Cada um tem autonomia e independência para votar. Votem como desejarem, mas não podem vir à tribuna para enganar o povo brasileiro com eloqüência e grande argumentação.

Ninguém está querendo permitir que o Supremo assuma a posição de legislador. O Supremo julgou uma ação. Outro diz: “Mas tem que haver um julgamento até o dia 9”. Por que razão? Não estamos exercendo aquilo que juridicamente chamamos de vocatio legis? Ou seja, a Constituição está em vigor. Os arts. 39 e 39, “a”, estão em vigor, e se não houver a deliberação do Senado, do Congresso, sobre essa PEC, o mundo vai desabar? Não! Continuará havendo neste País 51.500 vereadores.

Tenho certeza absoluta de que a população não vai sentir falta deles, de que o povo não vai perceber a mudança. E se diminuirmos o número, como é a nossa proposta, para algo em torno de 29 mil, num corte de aproximadamente 50%, da mesma forma, ninguém vai sentir a diferença. Acredito até que o povo vai sentir a diferença, porque, naqueles Municípios onde hoje há 9 vereadores, o número voltará a ser 5. E, quem sabe, com a receita necessária para manter 4, 5 ou 6 vereadores, não se possa enviar para aquele Município, que não os tem, um médico e um odontólogo?

Essa é a diferença que vamos sentir. A democracia brasileira não vai diminuir; ela vai ser ampliada e revigorada.

Sr. Presidente, concluo dizendo que, quando venho à tribuna para fazer a defesa desse ponto de vista, eu o faço em nome do Poder Legislativo brasileiro, porque se continuarmos com as mazelas de hoje, tenho certeza absoluta de que, um dia, esse povo, que ainda está dormindo em berço esplêndido, acordará. E a primeira instituição que receberá a porrada do povo será o Poder Legislativo, porque sempre foi assim na história.

Sr. Presidente, o Poder Legislativo tem o poder de assimilar para si todas as mazelas da classe política, e a população enxergará como responsáveis primeiro o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as Assembléias Legislativas e as Câmaras de Vereadores. O primeiro choque popular será exatamente sobre este Poder.

Quem defende o fortalecimento deste Poder defende a diminuição e a eliminação de suas mazelas.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/06/2004 - Página 17250