Discurso durante a 71ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões a respeito da decisão que o Senado Federal deverá tomar quando da apreciação da medida provisória sobre o salário mínimo. Transferência de renda aos trabalhadores nos países desenvolvidos. Sugestões sobre o Bolsa-Família.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL. POLITICA SOCIAL.:
  • Reflexões a respeito da decisão que o Senado Federal deverá tomar quando da apreciação da medida provisória sobre o salário mínimo. Transferência de renda aos trabalhadores nos países desenvolvidos. Sugestões sobre o Bolsa-Família.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/2004 - Página 17413
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, VOTAÇÃO, REAJUSTE, SALARIO MINIMO, INSTRUMENTO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, DEFESA, DIALOGO, SENADO, MINISTERIO, EXPECTATIVA, COMPARECIMENTO, AUTORIDADE, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, ORADOR, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ANALISE, SUBSIDIOS, PAIS INDUSTRIALIZADO, AGRICULTOR, NECESSIDADE, ATENÇÃO, BRASIL, IMPORTANCIA, CRIAÇÃO, SISTEMA, ERRADICAÇÃO, POBREZA, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, TRABALHADOR, REGISTRO, DADOS, TRANSFERENCIA, RENDA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • SUGESTÃO, IMPLEMENTAÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADANIA, VANTAGENS, EXCLUSÃO, BUROCRACIA, COMENTARIO, INICIO, BOLSA FAMILIA, PROCESSO, TRANSFERENCIA, RENDA, DEFESA, ANTECIPAÇÃO, PRAZO, AMPLIAÇÃO, ACESSO, POPULAÇÃO.
  • LEITURA, TRECHO, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VISITA, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, ASSUNTO, POLITICA EXTERNA, COMBATE, POBREZA, CONCLAMAÇÃO, LIDER, MUNDO, ENGAJAMENTO, ALTERNATIVA, REDUÇÃO, FOME.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Bom-dia, Sr. Presidente, Senador Rodolpho Tourinho. É uma honra tê-lo aqui para ouvir o meu pronunciamento.

            Gostaria de dedicar-me à reflexão de um assunto sobre o qual o Senado irá tomar uma decisão nas próximas semanas. O tema tão importante diz respeito ao salário mínimo, um dos meios de assegurar a todos os brasileiros o direito de participar da riqueza da Nação.

            Após a exitosa visita à República Popular da China, o Senhor Presidente da República reúne, hoje, o seu Ministério para falar a respeito da política externa brasileira, da política econômica, dos rumos que estão sendo traçados e do diálogo com o Senado Federal.

Senador Rodolpho Tourinho, tenho convicção da importância para o Governo Federal desse diálogo nas próximas semanas, que deve ser conduzido de maneira racional pelos Ministros da área econômica, Antonio Palocci, Guido Mantega, Ricardo Berzoini e Amir Lando, para citar os mais afeitos à questão do salário mínimo.

Será muito importante podermos ouvir os argumentos e apresentar também propostas alternativas, caminhos possíveis para que a decisão se faça com base na argumentação. Todos deveremos estar convencidos de que a decisão sugerida pelo Governo seja de fato a que mais atenda aos interesses de toda a população brasileira, inclusive daqueles que hoje estão sendo remunerados com o salário mínimo.

Portanto, Sr. Presidente, de acordo com o requerimento que assinei, liderado pelo Senador Paulo Paim, acredito que as autoridades econômicas devem comparecer à Comissão de Assuntos Econômicos, e espero que isso ocorra já na próxima semana, para iniciarmos esse diálogo.

Nesta última quarta-feira, dia 1º de junho, o jornal O Globo publicou um artigo de minha autoria, intitulado: “Lula tem a chance de ousar”, em que faço algumas reflexões importantes para esse debate.

Diz o artigo:

Somados os esforços dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil conseguiu importante vitória na Organização Mundial do Comércio ao colocar a necessidade de os EUA não mais proverem cerca de US$3 bilhões anuais na forma de subsídios aos seus produtores de algodão. Esses e outros subsídios a agricultores e criadores de gado nos EUA e na Europa prejudicam a possibilidade de o Brasil exportar mais produtos agrícolas [e agropecuários].

Tanto os EUA quanto os países europeus desenvolveram, nas últimas décadas, formas significativas de subsídios ao trabalho, com o objetivo de aumentarem os rendimentos das pessoas que estão nas faixas de renda mais baixas, que tornam as suas empresas mais competitivas em relação às nossas. Entretanto, nossos empresários ou trabalhadores até hoje não tomaram qualquer iniciativa de solicitar ao governo na OMC, que peça aos países desenvolvidos que acabem aquela prática.

Não seria recomendável fazer a denúncia de que os governos dos países desenvolvidos, para combater a pobreza e prover maior remuneração aos seus trabalhadores, realizam transferências de renda que aumentam o seu grau de competitividade. O importante é estarmos conscientes disto e criarmos uma sistemática que seja tão boa quanto ou ainda melhor para simultaneamente erradicarmos a pobreza absoluta, tornarmos a sociedade brasileira mais justa e ainda aumentar o grau de competitividade das empresas brasileiras.

Nos EUA, em 2003, o governo transferiu cerca de US$37 bilhões a mais de 20 milhões de famílias que corresponderam a mais de 50 milhões de pessoas na forma de Crédito por Remuneração Recebida (Earned Income Credit). Por exemplo, um trabalhador que recebeu o salário mínimo ou US$5,20 por hora e que trabalhou 40 horas semanais, ao longo de um ano obteve aproximadamente US$10.000. Se tinha esposa, duas ou mais crianças, teve direito a um crédito adicional de aproximadamente US$4.200, ficando com uma renda total anual de US$14.200. Notem que a transferência de renda vai direto ao trabalhador, contribuindo para que saia da condição de pobreza, de maneira diferente da concepção de nosso programa “Primeiro Emprego”, que faz a transferência à empresa. De qualquer maneira, o grau de satisfação do trabalhador é maior, assim como o de competitividade da empresa, do que se não houvesse o crédito por remuneração.

Qual é a maneira de o Brasil enfrentar este desafio? É também criar uma forma equivalente de crédito fiscal, ou de imposto de renda negativo ainda mais completo, racional e eficaz. E qual é esta? É justamente a renda básica de cidadania: uma modesta renda, na medida do possível suficiente para atender às necessidades vitais de cada pessoa, que será paga incondicionalmente a todas, não importa sua origem, raça, idade, sexo, condição civil ou socioeconômica.

Felizmente, o Congresso Nacional aprovou, em dezembro de 2003, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em 8 de janeiro último, lei neste sentido. Ela prevê que a Renda Básica de Cidadania será instituída gradualmente, a critério do Poder Executivo, a partir de 2005, iniciando-se pelos mais necessitados, até que todos os brasileiros venham a ter aquele direito.

Mesmo os mais ricos? Sim, mas obviamente colaborarão para que eles próprios e todos os demais venham a receber. Dessa maneira, iremos eliminar a enorme burocracia para se ter de saber quanto cada um recebe num mercado formal ou informal. Para fins de receber a renda de cidadania. Se eliminará o sentimento de vergonha ou estigma de precisar dizer que só ganha tanto, para receber um complemento. Mais importante, do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano será muito melhor para cada pessoa saber previamente que, daqui para frente, todos os meses, ela e cada uma na sua família terá aquele direito assegurado cada vez maior com o progresso da nação.

Conforme tem explicitado a secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social e da Segurança Alimentar, Ana Fonseca, o Bolsa-Família é o começo do Programa Renda Básica de Cidadania. Quando esta estiver instituída, o que pode ser previsto para a segunda metade desta década, haverá duas decisões importantes e simultâneas que o Governo deverá sempre fazer: a definição dos valores do salário mínimo e a da Renda Básica de Cidadania.

Suponhamos que a RBC já existisse com um valor modesto para iniciar de R$40 por pessoa, numa família de seis membros, isto significaria R$240 mensais. Se um trabalhador recebesse um salário mínimo e tivesse mulher e quatro crianças, a renda de sua família passaria de R$240 para R$500. O benefício relativo da RBC será tão intensamente maior quanto menor o grau de remuneração da pessoa.

Um passo ousado, mas de enorme alcance para o objetivo do Presidente Lula de erradicar a fome e a pobreza absoluta seria antecipar a meta de extensão do Bolsa-Família para 11,4 milhões de famílias, ou 45 milhões de habitantes para 2005, e não somente para 2006. Pois, assim, estaria universalizando o direito para todas as famílias no Brasil com renda familiar mensal per capita até R$100, as quais teriam o direito a um complemento de renda. Desta maneira poderia o governo - ainda no último ano de seu mandato, uma vez que a lei sancionada permite isso ao presidente - iniciar a implantação da renda básica de cidadania até 2006 com todas as suas imensas vantagens.

Assim, Sr. Presidente, quero aqui enfatizar a minha sugestão ao Presidente Lula, ao Ministro Patrus Ananias e à Secretária-Executiva Ana Fonseca a respeito da possibilidade de anteciparem a meta de expansão do programa Bolsa-Família.

Em sua visita à China, o Presidente Lula se fez acompanhar de 460 empresários, que representavam 315 empresas nacionais. Em Pequim e Xangai, foram organizados seminários sobre oportunidades de negócios e investimentos.

Na Universidade de Pequim, o Presidente Lula realizou importante conferência, que contou com a presença extraordinária de um grande público, a respeito da “Política Externa Brasileira no Século XXI e o Papel da Parceria Estratégica Sino-Brasileira”. Sua Excelência, entre outros temas, abordou o combate à pobreza.

Disse o Presidente Lula:

Assumi o Governo brasileiro com o compromisso de dar prioridade às políticas de inclusão social, promovendo mudanças qualitativas nos diversos programas de transferência de renda já existentes no País.

Unificamos esses programas em uma grande iniciativa, o Bolsa-Família, que vincula a transferência de renda à participação das famílias beneficiadas em programas de saúde, educação e segurança alimentar. Encerramos o ano de 2003 com 3,6 milhões de famílias beneficiadas. Até 2006, esse número deverá chegar a 11,4 milhões de famílias.

Essas mesmas preocupações refletem-se, na esfera internacional, na prioridade que atribuímos à construção de uma ordem mundial mais justa e democrática. [...]

Tenho procurado chamar a atenção para a gravidade do problema da fome e da miséria no mundo e para suas conseqüências para a coesão social.

            Sua Excelência mencionou seus esforços nos diálogos, em janeiro deste ano, com os Presidentes Jacques Chirac, da França, e Ricardo Lagos, do Chile, e o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, ocasião em que lançaram um programa de ação cujo objetivo é identificar e promover fontes inovadoras de financiamentos para a erradição da fome e da miséria.

Com os líderes da África do Sul e da Índia, propôs a adoção de um novo mecanismo, dentro do Programa Nacional das Nações Unidas, para receber doações e executar projetos.

O Presidente Lula informou que, em 20 de setembro, véspera da abertura da Assembléia-Geral da ONU, presidirá reunião em Nova Iorque para a qual convidou todos os Chefes de Estado e de Governo. Nessa reunião, Lula pretende instar os líderes mundiais para a importância da canalização de recursos financeiros adicionais para reduzir a fome e a pobreza. Esse encontro deverá produzir alternativas capazes de enfrentar o problema.

Ora, a redução da fome e da pobreza requer uma mudança de atitude por parte dos Governos. A fome - até agora um problema social - deve-se transformar em problema político.

E qual é a sugestão que eu, portanto, ofereço ao Presidente Lula? É que, consistentemente com esse seu objetivo maior, o Presidente Lula antecipe sua meta.

Quero dar as boas-vindas aos estudantes que comparecem ao Senado.

De onde vocês são?

ESTUDANTES NA GALERIA - Somos da Fazenda Nova Goiás.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Sejam bem-vindos.

Quero propor ao Presidente Lula que antecipe sua meta para o início de 2006, ou seja, que, ao final de 2005 e início de 2006, sejam atingidas todas as 11,4 milhões de famílias que, por lei, devem ter o direito de receber o Bolsa-Família, que é um benefício relativamente modesto.

Recordemos a definição do Bolsa-Família na lei: as famílias com rendimento per capita até R$100 mensais passam a ter o direito de receber esse complemento de renda equivalente a R$50, mais R$15, R$30 ou R$45. Portanto, o benefício é de R$50 a R$95, no caso de as famílias terem o rendimento per capita mensal na faixa de zero a R$50. Se o rendimento familiar estiver na faixa de R$50 a R$100 mensais, o benefício passa a ser apenas a parte variável, de R$15, R$30 ou R$45, ficando, portanto, mais modesto.

Caso o Governo consiga fazer a economia de fato crescer, acelerar o crescimento e ter mais recursos, acredito que poderá, no ano de 2005, melhorar o valor desse benefício, inclusive verificando se o melhor desenho é exatamente esse que foi definido em lei.

Quero ressaltar que o importante é que, ao final de 2004, o Presidente Lula já tenha antecipado a meta para universalizar esse direito a todos os que, conforme a lei, devem recebê-lo. Todas as famílias que estiverem na faixa de rendimentos especificada legalmente deve receber o benefício do Bolsa-Família, seja nos rincões mais longínquos do Brasil - onde é menor o grau de desenvolvimento e maior a dificuldade de comunicação, acesso e informação das famílias -, seja nas regiões metropolitanas, onde, em suas periferias sobretudo, é intenso o grau de pobreza absoluta.

Quero chamar a atenção do Ministro Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, para o fato de que, mesmo se tivermos como objetivo alcançar todas as famílias com rendimento de até R$100 por mês, ainda assim teremos algumas dificuldades que poderão ser mais bem superadas quando passarmos para a renda básica de cidadania. Tais dificuldades são geradas justamente pelas questões burocráticas para se saber o grau de rendimentos da pessoa.

A grande vantagem da renda básica de cidadania é atingirmos todas as pessoas e, mais eficazmente, todos os pobres na economia brasileira, universalizando, de fato, o benefício.

Enfim, Senador Rodolpho Tourinho, esta é a minha sugestão básica ao Presidente Lula: que antecipe a meta de atingir 11,4 milhões de famílias no final de 2005/6, para que tenhamos a perspectiva, já no ano de 2006, de debatermos como será implantada, conforme aprovada pelo Congresso Nacional, a lei da renda básica de cidadania.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Rodolpho Tourinho.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/2004 - Página 17413