Discurso durante a 72ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão histórica acerca do salário mínimo.

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • Reflexão histórica acerca do salário mínimo.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2004 - Página 17538
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, CRIAÇÃO, CLASSE, TRABALHADOR, LUTA, SALARIO, OBJETIVO, EXISTENCIA, DIGNIDADE.
  • CRITICA, VALOR, SALARIO MINIMO, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), PESQUISA, ORÇAMENTO, FAMILIA, CONSUMO, ALIMENTAÇÃO, RENDA, CONCLUSÃO, PRECARIEDADE, QUALIDADE DE VIDA, TRABALHADOR.
  • PROTESTO, CONCENTRAÇÃO, RIQUEZAS, PREJUIZO, POPULAÇÃO, BAIXA RENDA, PROVOCAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL.
  • ACUSAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, TRAIÇÃO, TRABALHADOR, FALTA, DIGNIDADE, PROPOSTA, AUTORIA, GOVERNO FEDERAL, REAJUSTE, SALARIO MINIMO.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senadora Heloísa Helena, minhas homenagens pelo novo partido. V. Exª se referiu ao Sol algumas vezes, parece-me ser a simbologia. Que seja uma estrela sempre florescente, diferente da outra, cadente.

Feita essa homenagem à minha colega Senadora, trago à tribuna mais uma entre tantas reflexões acerca do salário mínimo proposto pelo Presidente da República ao Congresso Nacional e à sociedade brasileira.

Fazendo um reflexão histórica, recordamo-nos que, no final da primeira metade do século XIX, a Europa vivia um clima de revolução industrial. Nesse época, deu-se início à formação da classe operária, dos trabalhadores, procurando estabelecer a sua organização e, a partir daí, buscando-se direitos reconhecidos pela classe produtora, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos.

Contrapondo-se às idéias liberais de então, os trabalhadores, os operários que se organizavam procuraram a constituição de partidos. E não por outra razão, Karl Marx e Friedrich Engels, no Manifesto do Partido Comunista, fazem referência ao salário e ao trabalho assalariado:

O preço médio do trabalho assalariado é o mínimo de salário, ou seja, a soma dos meios de subsistência necessários para que o operário viva como operário. Portanto, o que o operário assalariado obtém com sua atividade apenas é suficiente para reproduzir sua pura e simples existência. De modo algum pretendemos abolir essa apropriação pessoal dos produtos do trabalho necessários à reprodução da vida imediata, apropriação essa que não deixa nenhum lucro líquido capaz de conferir poder sobre o trabalho alheio. Queremos apenas abolir o caráter miserável dessa apropriação, que fez com o operário viva unicamente para aumentar o capital e só viva na medida em que o exige o interesse da classe dominante.

Assim se expressaram Marx e Engels no Manifesto de lançamento do Partido Comunista, em 1848: o salário médio, o salário miserável, que serviu, sem dúvida, como base teórica da luta dos trabalhadores de todo o mundo. Eles preconizavam exatamente isto: não visavam lucro, mas apenas a vida digna e um salário que não fosse miserável.

Hoje, como antes, vivemos em um País cujo salário mínimo é aviltante e miserável. Como decorrência, o nosso povo, os trabalhadores vivem uma vida miserável. O IBGE revelou, recentemente, que, de cada dez brasileiros, oito dizem não ter dinheiro suficiente para chegar ao fim do mês e quatro afirmam que não comem a quantidade de alimentos que consideram adequada. As conclusões fazem parte da Pesquisa de Orçamento Familiar - POF, 2002-2003, realizada pelo IBGE. De acordo com o levantamento, 85% dos entrevistados afirmam ter dificuldades para chegar ao fim do mês com sua renda, enquanto 15% disseram ter facilidade. Das famílias com renda de até R$ 400,00, 51,5% dizem ter muita dificuldade para chegar ao fim do mês com o rendimento que recebem.

A pesquisa que o IBGE chama de avaliação subjetiva das condições de vida investigou também o consumo de alimentos. Entre os entrevistados, 46,7% declararam ser insuficiente a quantidade de alimentos consumida por suas famílias, e os gastos com habitação consomem a maior parte do orçamento das famílias brasileiras. Segundo a POF-IBGE, esse grupo, que inclui aluguéis e tarifas, representam 35,5% das despesas monetárias e não-monetárias dos brasileiros.

Esses dados revelam a situação de miserabilidade do trabalhador brasileiro. Os dados do IBGE quanto habitação e alimentação são gritantes e falam por si só, não bastassem o nível de desemprego alarmante, o número de desempregados que se amplia a cada dia, as dificuldades com habitação e com a própria alimentação.

Fazemos aqui um paralelo histórico dos dias atuais com relação ao início da segunda metade do século XIX, citando documentos escritos por Marx e o Manifesto de Lançamento da Associação Internacional dos Trabalhadores, de 28 de setembro de 1864. Reparem V. Exªs como os trechos que passarei a ler são extremamente atuais, dando a demonstração de que a realidade do operário do Brasil e do mundo é perene, permanente, projeta-se no tempo.

Deslumbrado com as características do Progresso da Nação, que dançam diante de seus olhos, o chanceler do Erário exclama com arrebatamento infrene: “De 1842 a 1852, a renda tributária do país aumentou em 6 por cento, nos oito anos compreendidos entre 1853 e 1861, aumentou de 20 por cento!... Esse extasiante aumento de riqueza e de poder - acrescenta Mr. Gladstone - restringe-se exclusivamente às classes possuidoras.”

Ou seja, são as riquezas produzidas na era industrial, na Revolução Industrial, na Inglaterra, apenas para ampliar cada vez mais os bens, as riquezas das classes possuidoras.

Segue:

É um fato incontestável que a miséria das massas trabalhadoras não diminuiu entre 1848 e 1864 e, não obstante, esse período não tem paralelo no que diz respeito ao desenvolvimento da indústria e à expansão do comércio. Em 1850, um órgão moderado da burguesia britânica, (...) predisse que, se as exportações e as importações da Inglaterra aumentassem em 50%, o pauperismo inglês desceria a zero. Céus! A 7 de abril de 1864, o chanceler do Erário deleitou seus ouvintes parlamentares com a declaração de que o total das importações e exportações da Inglaterra haviam aumentado em 1863(...)! Soma extraordinária, equivalente a cerca de três vezes o total das trocas verificadas no período relativamente recente de 1843!

Com tudo isso, ele mostrou-se eloqüente sobre a “miséria”. “Pensai [exclamou] naqueles que se encontram à beira desse abismo”, nos “salários... que não foram aumentados”; sobre “a vida humana... que, na esmagadora maioria dos casos, não passa de uma luta pela sobrevivência!”

E acrescenta:

Durante essa época extasiante de progresso econômico, a morte por inanição tornou-se quase uma instituição na metrópole do Império Britânico. Essa época está assinalada nos Anais da história do mundo pela repetição cada vez mais freqüente, pela extensão cada vez maior e pelos efeitos cada vez mais mortíferos da praga da sociedade denominada crise comercial e industrial.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é como se estivéssemos lendo o texto de um editorial atual de um dos jornais brasileiros.

As classes trabalhadoras permanecem pobres em meio ao aumento da riqueza e do luxo. As privações materiais que sofrem diminuem tanto o ânimo quanto a estatura física desses trabalhadores.

Esse documento data de meados do século antepassado, mas se aplica, com toda a certeza, aos dias atuais do nosso País. Se, naquela época, as classes possuidoras se agigantavam com a Revolução Industrial, em contraposição à classe operária, que morria de inanição, hoje, no Brasil, o que estamos vendo? Os bancos ampliam, cada vez mais, os seus lucros, sem paralelo na história; o Governo mostra que a balança comercial é superavitária, o que representa produção, riqueza, receita tributária.

Conforme inúmeras matérias veiculadas por nossos jornais, os impostos pagos entre janeiro e abril ficaram R$1,6 bilhão acima da previsão do Governo. Amplia-se, pois, a concentração de riquezas nas mãos dos mais ricos. Bancos têm tido os maiores lucros da história. A balança comercial está superavitária; a receita tributária, em ampliação. E tudo isso é sinônimo de riqueza, de ampliação da riqueza. Em compensação, aquele que disse que representava os trabalhadores deste País assumiu a Presidência da República traindo a sociedade, mais de perto os trabalhadores, e apresenta-se agora oferecendo um salário mínimo que sintetiza a verdadeira espoliação do operário brasileiro.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, não há nada que justifique a proposta desse salário mínimo de R$260,00 a não ser a verdadeira característica deste Governo e, especialmente, o perfil do atual Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que, de operário, transforma-se em pequeno burguês; que, de operário que representava a esperança do povo brasileiro, transforma-se em pequeno burguês que semeia a desesperança, tal qual aquele outro da Polônia, Lech Walesa, que teve a sua origem em um estaleiro em Guidanski, no Sindicato Solidariedade, assumiu o comando daquele País e, da mesma forma, levou a desesperança ao seu povo.

Essa é a postura de traição que jamais poderíamos esperar do Presidente da República, operário no passado e, portanto, conhecedor da labuta, do trabalho, do sacrifício do trabalhador brasileiro. Como já dizia Marx no século antepassado, no Manifesto Comunista, no Manifesto da Associação Internacional dos Trabalhadores, operários viveram e morreram de inanição pela condição de miserabilidade imposta pelo vil salário mínimo. E a história o registra com muita clareza para todos nós.

Se aqui nos encontramos hoje, sem dúvida alguma, é para me somar a tantas outras vozes que me antecederam e que, tenho certeza, vão me suceder nesta tribuna do Senado Federal. E o Senado da República do Brasil haverá de se fazer altivo e grandioso perante a sociedade brasileira, resgatando a condição digna da classe política ao dizer “não” aos R$260 e ao estabelecer um salário digno para o trabalhador brasileiro.

Concedo um aparte ao nobre Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Nobre Senador Almeida Lima, todo o País e eu estamos ouvindo atentamente o pronunciamento de V. Exª, que tem muito conteúdo histórico. Pretendo salvaguardar a grandiosa história do operário Lech Walesa, Líder do Solidariedade. Ele teve a grande virtude da humildade. Como disse Napoleão Bonaparte, “a maior desgraça é exercer um cargo para o qual não se está preparado”. Quis Deus que eu estivesse aqui com um folheto de outro grande líder mundial nas mãos, Simón Bolívar - acabei de chegar da Venezuela -, que disse: “Um homem sem estudo é um ser incompleto, e um ser incompleto não pode ser autoridade”.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Agradeço-lhe o aparte, Senador Mão Santa, que trouxe a síntese, devidamente clareada, do pensamento de Simón Bolívar, grande libertador da América, dando a dimensão exata do momento que vivemos neste País. Como ressalvou V. Exª, é preciso ter humildade.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Quero lembrar apenas que Lech Walesa teve humildade e passou o cargo para alguém que tinha estudo e preparo para dirigir a Polônia.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE) - Embora V. Exª não tenha complementado essa idéia, ela ficou implicitamente colocada no aparte de V. Exª.

Aproveitando a ressalva feita por V. Exª à minha fala, pretendo mostrar que a humildade cabe em todos os quadrantes e em todas as pessoas.

O Senado Federal quer colaborar. Nós, sobretudo a Oposição, nos encontramos aqui para alertar o Governo. São injustificáveis as alegações de que o Governo somente tem possibilidade de conceder um aumento que elevaria o salário mínimo para R$260,00. Estudos mostram, por exemplo, que 1% a menos de juros na Taxa Selic, em um ano, representaria algo em torno de R$7,5 bilhões. Se 12 milhões de inativos recebem salário mínimo, multiplicados por R$15,00 (a diferença entre R$260,00 e R$ 275,00) e por 13 (doze salários e 13º salário), obteríamos o valor de R$2,34 bilhões, inferior aos R$7,5 bilhões que seriam a economia obtida com a redução de 1% desses juros.

Na verdade, o objetivo dessa política monetária está muito claro: cada vez mais, engordar a conta dos banqueiros e dos especuladores internos e externos. Assim como no século antepassado, os operários de então são os mesmos da atualidade, padecendo de políticas que visam, exclusivamente, a ampliar a riqueza daqueles que a possuem, aumentando a pobreza dos operários, não apenas deste País, mas de todo o mundo, que morrem por inanição. Daí a expressão final do manifesto a que me referi: “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!” Pelo menos, trabalhadores do Brasil, estejam unidos e busquem, por meio da luta, a mudança dessa realidade, que é perversa, espoliadora e deprimente para a condição humana e do trabalhador brasileiro.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2004 - Página 17538