Discurso durante a 73ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Adiamento da implantação da Renda Básica de Cidadania.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Adiamento da implantação da Renda Básica de Cidadania.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 09/06/2004 - Página 17633
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, TRAMITAÇÃO, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, INCLUSÃO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, GARANTIA, RENDA MINIMA, CIDADANIA, ANALISE, PROPOSIÇÃO, ISENÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), ELOGIO, FRANCELINO PEREIRA, SENADOR, RELATOR, ATENÇÃO, RESPEITO, LEGISLAÇÃO, RESPONSABILIDADE, NATUREZA FISCAL, DISPENSA, REFERENDO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DADOS, EVOLUÇÃO, RECURSOS, TRANSFERENCIA, RENDA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, na última sexta-feira o jornalista Ribamar Oliveira, do jornal Valor Econômico, perguntou-me se eu estava ciente do que havia ocorrido na Câmara dos Deputados, na comissão que está examinando a reforma tributária, depois de modificada a Proposta de Emenda à Constituição aqui no Senado, uma vez que havia sido retirada uma parte importante aprovada tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado, duas vezes. Refiro-me justamente ao princípio da garantia de renda mínima, apresentado pelo Presidente Lula em abril de 2003, com o consenso dos 27 Governadores, perante todo o Congresso.Esse foi um dos momentos mais altos da relação entre o Presidente e o Congresso. Lembro-me muito bem de que naquele dia, o Ministro Antonio Palocci, que estava numa cadeira de rodas, pois havia se acidentado num jogo de futebol, ao passar pelo plenário, no corredor, disse a mim, logo após o Presidente Lula ter discursado: “Você viu, Eduardo, que nós colocamos o princípio da garantia de uma renda mínima na Constituição? Havíamos acordado que esse seria um dos pontos programáticos do Governo Luiz Inácio Lula da Silva e do programa do PT.

Eu disse então ao Ministro Antonio Palocci: Que bom! Ótimo! E perguntei-lhe se podia fazer alguma sugestão de aperfeiçoamento. Ele disse-me: “É claro”.

Aprovado na Câmara por duas vezes, veio ao Senado, e como aqui tramitava, já na sua fase conclusiva, o projeto que institui a renda básica de cidadania, eu sugeri ao então Relator Romero Jucá que fizesse uma pequena modificação. Essa modificação foi acordada com ele e com o Ministro Antonio Palocci, com o testemunho do Líder do Governo, Aloizio Mercadante, e do Líder Tião Viana, no ano passado, de tal maneira que ficou assim estabelecido:

Art. 203

Parágrafo único: A União instituirá programa de renda mínima destinado a assegurar a subsistência das pessoas e das famílias, priorizando-se inicialmente as de baixa renda, podendo ser financiado e realizado por meio de convênio com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na forma da lei.

Isso foi aqui plenamente acordado e votado duas vezes.

O que houve de modificação em relação ao que havia sido aprovado na Câmara? Acrescentou-se a expressão “das pessoas”, acrescentou-se a expressão “priorizando-se inicialmente as de baixa renda”. Por que razão? Para se ter a perspectiva, conforme o projeto de lei aprovado pelo Congresso e sancionado pelo Presidente, de que iniciamos dando prioridade às pessoas de baixa renda, até que um dia cheguemos à renda básica incondicional como um direito à cidadania para todos, tornando facultativo o possível entendimento com Estados e Municípios. E eis que vários Estados e Municípios estão realizando convênios com o Governo da União, a exemplo do Município de São Paulo, do Governo do Estado de São Paulo, do Governo do Estado do Rio de Janeiro, de Rosinha Garotinho, do Governo do Ceará, de Lúcio Alcântara, e assim por diante.

Ora, fui verificar, e de fato ocorreu - talvez por cuidado, por prudência do Deputado Virgílio Guimarães - a retirada desse item do parágrafo único do art. 203. De pronto, telefonei ao Deputado na sexta-feira e perguntei o que havia acontecido. Ele me disse que estava votando agora apenas aquela parte que fora objeto de consenso entre os Parlamentares e o Governo porque havia, por exemplo, uma proposição de emenda modificativa da Deputada Maria Helena, do PMDB de Roraima, ao parágrafo único, que ficaria com a seguinte redação:

A União instituirá programas de renda mínima destinados a assegurar os direitos básicos das pessoas e das famílias, priorizando-se as de baixa renda, podendo ser financiados e realizados por meio de convênio com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na forma da lei, não incidindo sobre esses programas, sobre os seus beneficiários, ou seus representantes legais, sobre as empresas privadas, relativamente aos valores decorrentes dos programas de que trata este parágrafo, o tributo estabelecido pela Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, e suas alterações.

Primeiro, há uma pequena modificação. A Deputada propõe que “a União instituirá programas da renda mínima destinados a assegurar os direitos básicos” em vez de “a subsistência”. Como sempre ficará a critério do Poder Executivo estabelecer o que é direito à subsistência ou direitos básicos, na verdade, sobre essa expressão não haveria uma divergência maior. O que constitui uma modificação mais significativa refere-se ao seu propósito de isenção da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a CPMF, que é objeto da Lei 9.311, de 24 de outubro de 1996. Ora, em verdade, do ponto de vista da técnica legislativa, não caberia citar uma lei que pode ser modificada no texto da Constituição. Portanto, essa isenção da CPMF sobre a transferência de renda, seja na forma da bolsa-família ou da renda básica de cidadania, pode perfeitamente ser objeto de modificação da lei sobre a CPMF.

Aliás, chamou-me a atenção o Senador Aloizio Mercadante, Líder do Governo, para a tramitação, nesse momento, de projeto de conversão de medida provisória que trata da CPMF, em que, por exemplo, o Senado está propondo que haja isenção de CPMF para pessoas físicas que fazem modificações na sua carteira de investimentos, se realizadas na própria instituição onde têm os seus investimentos, e se resolverem modificar os seus investimentos de uma composição para outra, e neste caso, sendo a própria pessoa que está fazendo, haveria então isenção. Nós estamos modificando isso aqui; e, da mesma maneira, se acharmos justo e de bom senso, como quer a Deputada Maria Helena, poderemos também apresentar uma emenda no sentido de isentar da CPMF os programas de transferência de renda para a população mais carente ou os programas como o Bolsa-Família, o Peti, eventualmente o Seguro-Desemprego, a Renda Básica de Cidadania e assim por diante. Portanto, não precisaríamos agora excluir o que já foi aprovado, por duas vezes, por ambas as Casas.

Transmiti na sexta-feira e hoje reiterei ao Deputado Virgílio Guimarães o meu apelo para que seja novamente considerado aquilo que já foi aprovado em ambas as Casas: que o princípio da garantia de renda mínima possa ser de fato instituído na Constituição. O Deputado Virgílio Guimarães disse que como não é mandatório, poderia isso ficar para mais tarde, até porque já foi aprovada pelo Congresso Nacional a renda básica de cidadania.

Se estiver escrito de fato na Constituição, obviamente o Presidente da República e o Congresso Nacional devem obedecer ao mandamento constitucional, que muito claramente diz:

A União instituirá programa de renda mínima, destinado a assegurar a subsistência das pessoas e das famílias, priorizando-se inicialmente as de baixa renda, podendo - esta parte é optativa - ser financiado ou realizado por meio de convênio com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na forma da lei.

Por que na forma da lei? Porque já foi aprovada uma lei ordinária; não precisaria nem mesmo lei complementar.

O Deputado Virgílio Guimarães me disse que, ao final da manhã, esteve com o Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Eduardo Refinetti Guardia, e que este teria levantado algumas objeções. De pronto, telefonei. Há 15 minutos, falei com o Governador Geraldo Alckmin e recordei-lhe o texto do parágrafo único e ele me disse que está plenamente de acordo, que não tem qualquer objeção. Na próxima semana, assinará, com o Ministro Patrus Ananias, um entendimento pelo qual fará um entrosamento dos programas de transferência de renda: do Bolsa Família, do Governo da União, do Renda Cidadã, do Governo estadual, e de programas de transferência de renda mínima associados à educação, como o do Município de São Paulo, da Prefeita Marta Suplicy.

Quero aproveitar aqui para fazer uma homenagem ao Senador Francelino Pereira, que adentra o plenário. Ele foi o relator do projeto de lei que institui a renda básica de cidadania. Graças ao bom senso, à experiência extraordinária, à vivência política tão rica do Senador Francelino Pereira, ele resolveu estudar com atenção o projeto de lei que eu apresentara para instituir uma renda básica de cidadania para todos os brasileiros. Após estudar a matéria, ele disse a mim, Senador Ramez Tebet: “Eduardo, acho boa a proposição, mas queria fazer algumas recomendações, porque tenho algumas preocupações. Primeiro, que a renda básica de cidadania, por sua lei, respeite as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal”. Por essa razão, propôs o Senador Francelino Pereira fosse instituído gradualmente, passo a passo, começando pelos mais necessitados, até que um dia venhamos a oferecer a todos os brasileiros - hoje seriam quase 179 milhões - o direito inalienável de participar da riqueza da Nação, recebendo uma modesta renda.

Ele também disse que não precisaria haver o referendo popular que eu havia proposto para outubro deste ano. O Senador Francelino, que certo dia, como Presidente da Arena, disse e tornou famosa a sua citação “que País é este?”, afirmou no seu parecer que não precisaria haver o referendo popular porque, afinal, quem se pronunciaria contra o direito de todos os brasileiros de receber uma renda básica? Assim, concordei. E graças a suas duas observações e sugestões, o projeto foi aprovado unanimemente na Comissão de Assuntos Econômicos, presidida por V. Exª, a quem dou um aparte, Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Eduardo Suplicy, não quero só cumprimentar V. Exª, quero registrar como Deus é bom. Que coincidência boa V. Exª falar num projeto que é de sua iniciativa mas que foi compartilhado, aprovado pela unanimidade da Casa. Durante a discussão, houve a participação preponderante do Senador Francelino Pereira, que agora adentra o nosso plenário. É uma coincidência feliz esta, Senador Francelino Pereira, como a dizer à Nação brasileira que a sua presença nesta Casa foi marcante. V. Exª, Senador Francelino Pereira, está em Minas Gerais, naturalmente dividindo o seu coração entre Minas e Piauí, Estado que lhe serviu de berço. V. Exª nos visita, acho que pela primeira vez, no Senado, quando está o Senador Suplicy na tribuna e, com justiça, faz referência a V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Acompanhado do Senador Geraldo Melo, que também participou do debate e da votação da matéria.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Eu iria chegar lá. De ambos, do Senador Francelino Pereira e do Senador Geraldo Melo, tenho saudade. A Casa tem saudade desses dois brilhantes Senadores, mas a sorte é de V. Exª, que está na tribuna, e de toda a Casa, que recebe a visita desses dois ilustres companheiros de Senado: Geraldo Melo e Francelino Pereira. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Ramez Tebet. É muito justa a referência que V. Exª faz aos nossos dois companheiros.

Hoje, pela manhã, Senador Paulo Paim, quando o Ministro Antonio Palocci veio nos trazer os dados referentes à evolução do salário mínimo, suas conseqüências e perspectivas, às limitações que temos - peço, Sr. Presidente que sejam inseridos nos Anais os gráficos e tabelas que nos apresentou hoje o Ministro da Fazenda -, S. Exª assinalou como o aumento do salário mínimo de 2004 está sendo significativo ou, pelo menos, moderadamente significativo em relação ao do ano passado. Falou da evolução do valor real do salário mínimo, de 1995 a 2004, maior do que a do valor médio do salário na indústria; mostrou como as aposentadorias e transferências cresceram mais do que os investimentos, na década de 90; mencionou que o grau de pobreza ao longo do ciclo da vida, ou seja, para as pessoas mais idosas, vem diminuindo, graças às transferências tanto da aposentadoria quanto da Lei Orgânica da Assistência Social. Com respeito a essas transferências de renda, mostrou um quadro com evolução bastante interessante.

Sr. Presidente, gostaria aqui de fazer uma comparação. Em 2002, nós, povo brasileiro, com juros pagos pelo setor público sobre a dívida interna mais a externa, nos três níveis, municipal, estadual e federal, gastamos R$114 bilhões; em 2003, R$145 bilhões; para 2004, estão previstos R$121 bilhões. Ora, as transferências de renda que, em 2002, somavam R$2,5 bilhões, se contadas as da Loas, R$5,956 bilhões, em 2003 passaram para R$3,5 bilhões, ou R$7,9 bilhões, respectivamente, considerando transferência de renda mais a Loas. Já em 2004, dados os novos ajustes, as transferências de renda (como a da bolsa família e outras) passaram para R$6,222 bilhões, consideradas as da Loas R$11,711 bilhões. Ou seja, se considerarmos a evolução do pagamento de juros do setor público de 2002 para 2004, vai-se de R$114 bilhões para R$121 bilhões, diminuindo o pico de R$145 bilhões atingido em 2003. Já no que diz respeito às transferências de renda, elas passaram de R$2,5 bilhões, em 2002, para R$3,5 bilhões em 2003, chegando a R$6,222 bilhões em 2004. É um progresso significativo num dos instrumentos para se erradicar a pobreza.

Sr. Presidente, teremos oportunidade de continuar a análise da recuperação do valor do salário mínimo e das formas de erradicação da pobreza, por intermédio de programas como o Bolsa Família, que serão transformadas, com o tempo, na renda básica de cidadania.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Gráficos e tabelas apresentados pelo Ministro da Fazenda”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/06/2004 - Página 17633