Discurso durante a 79ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a importância da conquista tecnológica brasileira para enriquecimento de urânio.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NUCLEAR. POLITICA EXTERNA.:
  • Reflexão sobre a importância da conquista tecnológica brasileira para enriquecimento de urânio.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/2004 - Página 17961
Assunto
Outros > POLITICA NUCLEAR. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PAIS, EXISTENCIA, JAZIDAS, URANIO, SAUDAÇÃO, VITORIA, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, BRASIL, DESENVOLVIMENTO, TECNOLOGIA, PRODUÇÃO, URANIO ENRIQUECIDO, INFERIORIDADE, CUSTO, ELOGIO, CIENTISTA, DIFICULDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, CORTE, RECURSOS ORÇAMENTARIOS.
  • EXPECTATIVA, SUBSTITUIÇÃO, IMPORTAÇÃO, URANIO ENRIQUECIDO, PRODUTO NACIONAL, NECESSIDADE, RECURSOS FINANCEIROS, VIABILIDADE, CONTINUAÇÃO, PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO, UTILIZAÇÃO, TECNOLOGIA, ABASTECIMENTO, USINA NUCLEAR.
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, POSSIBILIDADE, ACORDO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, COOPERAÇÃO CIENTIFICA, BUSCA, AUTO SUFICIENCIA, COMBUSTIVEL NUCLEAR, PREVISÃO, LOBBY, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), TENTATIVA, MANUTENÇÃO, DEPENDENCIA, BRASIL.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e srs. Senadores, como todos sabemos, o urânio enriquecido é a fonte de energia mais sofisticada, mais controlada e mais cobiçada do mundo. Contam-se nos dedos os países que possuem reservas de urânio em estado bruto no seu solo. Contam-se nos dedos os países que controlam tecnologia para enriquecer esse urânio natural para fins pacíficos. É evidente, portanto, que aquele país que dispuser de reservas de urânio e, ao mesmo tempo, de tecnologia para enriquecê-lo estará de posse de uma fonte bilionária de divisas internacionais e poderá poupar divisas deixando de importar urânio.

Pois bem, é em torno dessa questão nuclear que quero levantar duas questões para reflexão nesta Casa.

Em primeiro lugar, chamo a atenção para dado estrategicamente importante: o Brasil possui a sexta reserva mundial de urânio natural. Apenas cinco países no campo das grandes potências possuem em seu solo mais urânio bruto do que o Brasil. E aqui é preciso que se considere que nosso País só pesquisou 30% do seu solo em busca de urânio. Ou seja, se o Brasil possui a sexta reserva internacional de urânio, tendo feito prospecção em menos de um terço de seu território e sem fazer sondagens desde 1985, é fácil imaginar que nossa posição no ranking mundial deverá ser muito mais importante - quem sabe poderemos estar entre as primeiras reservas mundiais daquele tão cobiçado mineral!

Finalmente, a segunda consideração, estratégica também e da máxima importância: o Brasil veio desenvolvendo na última década equipamentos para enriquecimento de urânio e hoje se pode dizer com tranqüilidade que dispomos da melhor tecnologia do mundo nesse campo, a mais eficiente e a de mais baixo custo. Com essa tecnologia nacional, o enriquecimento de urânio sai 70% mais barato. Portanto, estamos diante da mais brilhante conquista científica brasileira no campo do átomo, as centrífugas de enriquecimento de urânio natural (da pasta amarela) mais avançadas que se conhece, “um verdadeiro patrimônio nacional”, nas palavras do Ministro Eduardo Campos, da Ciência e Tecnologia. Os Estados Unidos, a Alemanha ou qualquer outro país jamais permitiram que o Brasil conhecesse o segredo de suas centrífugas, guardaram seu monopólio tecnológico a sete chaves. Mesmo assim, nossos cientistas foram capazes de inventar uma tecnologia tão avançada que há quem diga que está cinco anos à frente dos avanços científicos das grandes potências.

Sr. Presidente, nossos cientistas se empenharam, desde os anos 70, num esforço descomunal de praticamente reinventar a roda, sem apoio financeiro internacional, sem chance de visitar qualquer centrífuga do mundo, contra a pressão dos países hegemônicos que costumam ver com maus olhos e temor qualquer progresso no campo nuclear. E, apesar de tudo isso, nós chegamos lá. Inclusive lutando contra a falta de recursos, com o programa nuclear quase deixado de lado pelo Governo anterior, com sucessivos cortes orçamentários. Ainda assim estamos de posse dessa conquista tecnológica.

Essas reflexões precisam ser levadas em conta com toda seriedade por esta Casa. Em poucas palavras, chamo a atenção para os seguintes pontos: mesmo tendo investido pouco em prospecção, nós já contamos com a sexta reserva internacional de urânio em estado natural, e já contamos com a tecnologia necessária para seu enriquecimento em escala industrial. Já dispomos de centrífugas que vêm sendo instaladas no Estado do Rio de Janeiro (Resende), e que parecem já ter se tornado objeto de cobiça internacional. Por conta de tudo isso é que o Brasil finalmente se encontra num patamar superior e agora se trata simplesmente de avaliar se queremos ir em frente ou não, se vamos avançar ou se vamos recuar.

Em outras palavras, o Brasil já conta com os meios científicos e com os recursos naturais para superar uma condição, no mínimo, absurda e que é conhecida de todos: mesmo dispondo de uma fartura de urânio natural, somos importadores de urânio enriquecido para abastecer nossas usinas nucleares de Angra 1 e 2. O urânio brasileiro bruto vem sendo exportado para o Canadá e, em seguida, para a Alemanha, e só depois dessa volta, quando devidamente centrifugado, é que ele retorna para ser utilizado em nossas usinas. Com essa “viagem” estamos gastando cerca de 12 milhões de dólares por ano. Ora, a única razão que justificava esse gasto e essa volta toda era o fato de que o Brasil não contava com a tecnologia para enriquecer o urânio; ou seja, o nosso país apenas dispunha de tecnologia para extrair e selecionar urânio natural na forma de uma pasta amarela que depois sofria uma segunda etapa do seu processamento no Canadá e uma última na Alemanha, para finalmente ser utilizado como combustível em Angra. Perdia-se - e ainda se perde - muito tempo e muito dinheiro, já que não tínhamos acesso àquela tecnologia de enriquecimento de urânio dominada por Canadá e Alemanha, sem falarmos nos Estados Unidos e na França. E o urânio enriquecido importado sequer cobre a nossa demanda.

Nossos cientistas não perderam tempo e, trabalhando contra todos os obstáculos, criaram uma tecnologia de enriquecimento 100% nacional e superior à que existe no mundo inteiro. No segundo semestre, já estará funcionando a primeira usina de enriquecimento em Resende, apta para uma certa escala industrial. Só que tudo isso se dá em pequena escala, com o programa nuclear aos trancos e barrancos, sofrendo os cortes que já mencionei e ameaçado: segundo o Ministro Eduardo Campos, se for mantido o padrão de investimentos dos últimos 15 anos, o programa nuclear se inviabiliza.

O que nos falta então, Sr. Presidente? Recursos financeiros. Recursos financeiros para o programa nuclear em geral e recursos para fazer funcionar nossas centrífugas em escala industrial, em escala de auto-suficiência. Nem os Estados Unidos e nem a Europa fornecem esses recursos. Pelo contrário. Volta e meia aparece uma pressão ou um boato que praticamente pretende colocar o Brasil ao lado do chamado eixo do mal, ao lado de países que são tomados pelos Estados Unidos como interessados em urânio enriquecido para fins militares. Ora, esse nunca foi e nem é o caso do Brasil. Nosso País já assinou os dois principais tratados internacionais contra o uso militar do urânio e não temos qualquer tradição nesse campo das armas nucleares. No entanto, podemos, sim, poupar divisas, deixando de importar urânio enriquecido e, neste caso, estaremos deixando de ser dependentes do Canadá, da Alemanha, dos Estados Unidos, de qualquer potência, e conquistaremos uma outra posição dentro do comércio internacional de combustível atômico para fins pacíficos, podendo, quem sabe, gerar divisas num mercado que, só em 2001, girou 18 bilhões de dólares.

É nesse ponto que o acordo que está sendo firmado pelo Brasil com a China cumpre um papel estratégico que não deve ser minimizado e, ao contrário, deve ser avaliado em suas dimensões históricas e econômicas. No fim de contas, o que está em jogo nessa busca de cooperação científica com a China é a possibilidade de o Brasil tornar-se ou não auto-suficiente em urânio combustível para suas duas (ou três) usinas nucleares. Nem se compara com os Estados Unidos que já possuem mais de 100 usinas atômicas em funcionamento e dispõem de sua própria tecnologia que não abrem para nada.

O que está em jogo para nosso país - já estou encerrando, Sr. Presidente - é a possibilidade concreta e estratégica de sairmos daquele círculo vicioso de termos que enviar nossa pasta de urânio bruto para ser processada lá fora ao custo de milhões de dólares, ao custo da dependência tecnológica, quando podemos, perfeitamente, como já argumentei antes, ser completamente auto-suficientes nesse combustível cobiçadíssimo e ainda poupar e gerar divisas.

O acordo nuclear Brasil-China está dando passos positivos. O Presidente Lula nomeou uma comissão para redefinir nosso programa nuclear até o segundo semestre, quando uma comissão chinesa de alto nível estará em nosso País.

Naturalmente, Sr. Presidente, as grandes potências, Estados Unidos à cabeça, poderão tentar embaralhar o problema, esconder a essência de toda essa questão, desviando a discussão para outros terrenos, talvez para ocultar o fato essencial básico e elementar de que o Brasil acaba de dar um passo de gigante na tecnologia do urânio, e pode tornar-se um grande parceiro internacional dentro do pequeníssimo grupo dos países que dominam a tecnologia de enriquecimento de urânio.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª me permite um breve aparte a V. Exª? É uma informação...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Pergunto ao Presidente se é possível, já é o final do meu pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Peço a V. Exª que seja rápido. Já estourou o tempo do Senador orador.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Com muito prazer, Senador Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Pedi o aparte apenas porque se relaciona ao tema que V. Exª está aqui trazendo. Aproveito a oportunidade para informar que o Comandante da Marinha, Roberto Guimarães Carvalho, está convidando as senhoras e os senhores Senadores para visitarem as instalações da Marinha no Centro Experimental de Aramar, em São Paulo, Iperó, no próximo dia 18. V. Exª, todos os Senadores e os membros da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional estão convidados. Os Srs. Senadores estarão conhecendo melhor justamente todos os acordos que têm sido feitos pelo Governo brasileiro, o Ministério da Defesa a respeito do urânio. Obrigado.

O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Agradeço a V. Exª. Certamente muitos Senadores estarão presentes a esse encontro.

Os próprios Estados Unidos, Sr. Presidente, junto com a Rússia e o Canadá, estão procurando encaminhar parcerias de cooperação nuclear pacífica com a China. Agora é a nossa vez, é a vez do Brasil.

Podemos e devemos ser auto-suficientes no campo do átomo. O Brasil sempre seguiu à risca todas as regras internacionais de não proliferação de armas nucleares. O Brasil possui reserva de urânio entre as maiores do mundo e o nosso País acaba de concluir, com sucesso, um esforço de décadas ao desenvolver uma tecnologia que está sendo cobiçada pelo mundo inteiro por sua eficiência e baixíssimo custo.

Meus parabéns aos cientistas brasileiros.

Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/2004 - Página 17961