Discurso durante a 81ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a mudança de posicionamento do Partido dos Trabalhadores enquanto governo.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Reflexão sobre a mudança de posicionamento do Partido dos Trabalhadores enquanto governo.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2004 - Página 18116
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • PROXIMIDADE, VOTAÇÃO, SALARIO MINIMO, SENADO, ANALISE, INTERFERENCIA, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, ATUALIDADE, SEMELHANÇA, GOVERNO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REELEIÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO, VOTO.
  • NECESSIDADE, PRESENÇA, SENADOR, PLENARIO, VOTAÇÃO, SALARIO MINIMO, CONTESTAÇÃO, ACUSAÇÃO, IMPRENSA, ACORDO, VIAGEM, OMISSÃO, OCULTAÇÃO, POSIÇÃO.
  • CONCLAMAÇÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PRESIDENTE DA REPUBLICA, RETORNO, ETICA, JUSTIÇA SOCIAL, HISTORIA, IDEOLOGIA, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, CRITICA, EXCESSO, PRIORIDADE, PAGAMENTO, DIVIDA EXTERNA.
  • CRITICA, BANCADA, DEPUTADO FEDERAL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), CONTRADIÇÃO, DECLARAÇÃO DE VOTO, IMPRENSA, VOTAÇÃO, SESSÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, APROVAÇÃO, PROPOSTA, GOVERNO, SALARIO MINIMO.
  • COMENTARIO, DIVISÃO, MEMBROS, GOVERNO FEDERAL, QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, votaremos nesta semana - tudo leva a crer - a medida relativa ao salário mínimo no Senado. Aprovado até com facilidade na Câmara dos Deputados, chega a esta Casa esse projeto, e as notícias são as mais desencontradas com relação à fórmula como tramitará nesta Casa.

Mas chama atenção a certa falta de devido cuidado, de devido resguardo com que alguns parlamentares ou com que alguns homens do Governo têm dado informações em relação ao está ocorrendo nesta Casa. Falam, por exemplo, da Liderança do Governo, da Liderança do PT na Casa. Contam que, para aprovar o projeto, muitos parlamentares não virão ao Senado. “Ninguém é obrigado a vir!”, diz a notícia. Ninguém é obrigado a estar presente, logo muitos não virão! Citam até os nomes dos parlamentares, dizendo que fulano e sicrano, do PMDB e de tal partido, são contra o projeto, mas serão inclinados ou a viajar - segundo a Líder, viagem sempre é algo muito importante na vida do Parlamentar e não há Parlamentar que não tenha razão para viajar -; ou, mesmo não viajando, a não estar presente na hora da votação.

Não sei, mas ultimamente os projetos que têm sido votados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal têm sido acompanhados de uma série de insinuações acerca de uma intervenção do Poder Executivo que nada deixa a desejar àquilo que comentávamos - e como comentávamos - do Governo anterior. Era talvez - eu insistia muito desta tribuna nessa crítica - a parte mais dolorosa do Governo Fernando Henrique Cardoso, que procurava mais cooptar que orientar, que esclarecer, que convencer a pessoa pela lógica e pelo raciocínio, ouvindo que se tem razão.

Para a cooptação, valia qualquer preço. Tivemos o exemplo clássico da votação da emenda da reeleição. Tratava-se de uma emenda desgastante. Na Constituinte, ela não passou, foi rejeitada. Cinco anos depois, tivemos a revisão da Constituição. Eu era Líder do Governo Itamar e, falando em nome do seu Governo, fomos radicalmente contra a emenda da reeleição. Naquela altura, o Governo ia muito bem. Onde se ouviu falar que um Ministro da Fazenda seria candidato e ganharia a Presidência da República? Naquela hora, não se falava que o Ministro da Fazenda seria candidato a Senador por São Paulo. Ele pensava em sua candidatura a Deputado Federal, porque não havia chance de reeleição; mas, de repente, o Plano Real o fez candidato. Com a credibilidade dada pelo Plano Real e muita gente falando que o Itamar tinha todas as condições de ser candidato à reeleição, o Sr. Fernando Henrique foi claro e disse: “Na Constituinte, votei contra a reeleição. Nós, o Governo, somos contra a reeleição”. Lembro-me, estava na reunião do Palácio, quando os Líderes e os Ministros debatiam, e o Fernando Henrique foi o primeiro a dizer: “Claro, não estão vendo, somos radicalmente contra a reeleição”. Ele opinou contra a reeleição radicalmente.

Depois, quando chegou a sua vez, votou a favor, quer dizer, ele era Presidente da República, orientou a favor. O que é normal. Mudar de posição também é normal. Fernando Henrique falar de uma emenda da reeleição para que o Itamar fosse reeleito é diferente de Fernando Henrique, Presidente da República, falar de emenda da reeleição. Entendo a mudança. O que não entendo é o método, a forma como foi feito.

A emenda da reeleição, falando em nome do Governo, sendo radicalmente contra, perdeu por pouco, quase passou a emenda da reeleição, porque os governadores queriam, faziam questão da reeleição. A diferença foi de meia dúzia de votos.

Quando chegou a vez do Fernando Henrique, para ganhar aquela emenda da reeleição, gastou-se uma fortuna. A imprensa publicou - aliás, não deixar criar aquela CPI foi um escândalo - a quantia de dinheiro, quanto o Deputado tal ganhou em espécie; tantos mil reais foram entregues ao Sr. Deputado Fulano de tal... Tudo isso foi publicado.

Esse passou a ser o estilo do Presidente Fernando Henrique. A máquina PMDB/PSDB e, quando precisavam, iam ao PFL, iam ao PP buscar os votos necessários para que se votasse tudo o que bem entendessem. A história cuidará desse governo.

Fico com vontade de rir quando vejo notícias de que o Sr. Fernando Henrique voltará a ser Presidente da República. Duvido, porque, se ele for candidato - até bom seria se fosse -, virão a claro, por exemplo, as privatizações das estatais, o escândalo da privatização da Vale do Rio Doce etc.

Passou a ser esta a rotina para que passassem as matérias. Os ministros faziam as contas: para bancada tal, isso, para a outra, aquilo, muda aqui, muda lá, dá uma verba aqui, um favor lá, dá uma vantagem ali adiante, e as coisas passavam. Isso marcou o Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso. Esse estilo marcou o Governo do Sr. Fernando Henrique.

O que estamos vendo agora, meu Deus do Céu? É mais ou menos o mesmo estilo, a mesma fórmula, o mesmo jeito. Há até menos categoria do que houve no Governo Fernando Henrique. Durante o Governo de Fernando Henrique, todo o Governo ia junto. Nas últimas votações, metade do Governo foi para um lado e a outra, para o outro. O companheiro do meu Partido, o Ministro das Comunicações, virou-se, correu, trabalhou para votar o salário mínimo do Governo. Outros membros do meu Partido, em outros cargos, trabalharam em sentido contrário, ou seja, para derrotar a medida do Governo. Estou fazendo confusão, peço-lhes desculpas. Falo da votação da emenda da reeleição dos Presidentes da Câmara e do Senado. Na reeleição dos Presidentes da Câmara e do Senado, os homens do PMDB, dentro do Governo, se dividiram: uns estavam de um lado e outros, do outro. Dizem até que o Chefe da Casa Civil era favorável e costurava a reeleição dos Presidentes da Câmara e do Senado, enquanto o Líder político tramava pela derrota da emenda.

Assim iremos votar amanhã. Estou com um filho adoentado - graças a Deus, está bem - e não pude viajar para o Rio Grande do Sul. No último final de semana, eu tinha de ir a Porto Alegre. Neste momento, a Executiva do meu Partido, do qual sou Presidente, está reunida. Como viajaria, tomei as providências. Iria na sexta-feira, voltaria amanhã pela manhã, porque a reunião da Executiva se realizou à tarde. Então, lembrando que há dias os aviões só levantam vôo às 16 horas em Porto Alegre, resolvi não ficar. Decidi voltar de carro para Brasília, porque não teria como explicar, caso a votação acontecesse na terça-feira, que eu estava em Porto Alegre.

Meus amigos, o noticiário está tão infeliz que não podemos deixar de estar aqui quando da votação. Não importa se a favor, contra, ou até omitir, pode fazer o que bem entender. O Senador é livre. O voto é dele. Ele não tem que dar satisfação, mas tem que estar aqui.

A imprensa não tem autoridade para publicar nem alguns Líderes para dar nomes de quem não virá ou de quem é até favorável, mas não virá. Onde estamos? O Parlamento tem uma vida agitada, cheia de projetos e de questões complexas e diferentes que nem sempre a sociedade acompanha, ainda que haja a TV Senado, e nem sempre o cidadão tem a obrigação de acompanhar e de estar presente. Mas há momentos e momentos; há projetos e projetos.

Desta vez, da maneira como foi colocado, o Senador, desculpem-me, não pode deixar de estar aqui. Vote como quiser, mas ausente não pode estar.

A querida Líder falou, de maneira muito ingênua, que “não comparecer não quer dizer nada. É um direito do Senador não comparecer”. Não é um direito. Perdoe-me, mas não é um direito. É uma obrigação do Senador comparecer à sessão em que se aprecia matéria dessa natureza. Principalmente quando se está a especular que a ausência é exatamente um acordo feito nesse sentido.

Um grande amigo meu, empresário no Rio Grande, que lá ocupa cargo no Governo Estadual, alguém da mais alta capacidade técnica e da maior dignidade, ao telefone, fez um apelo - aliás, o único que recebi - no sentido de que meu voto deveria ser favorável ao salário mínimo do Governo. Disse-lhe que eu até poderia votar assim, pois não tenho obrigação de votar de um ou de outro lado. Voto de acordo com a minha consciência. Mas recomendei que ele reparasse nos noticiários dos jornais os argumentos que estão sendo usados para não se votar esse salário. Há promessa disso, daquilo, mais isso e aquilo. Você acha, meu irmão e amigo, que posso mudar o meu voto? Ele me respondeu que eu não poderia. Não me deram uma chance para mudar o meu voto. Houve a pressão, a coação, isso ou aquilo.

Eu não venho à tribuna falar isso agora, para influenciar a maneira de se votar. Eu venho à tribuna nesta hora chamar a atenção dos meus amigos do PT e de modo especial do Presidente Lula. Eu volto a dizer, a repetir que dois foram os princípios, os baluartes que fizeram com que aquele partido romântico e sem expectativa nenhuma, o Partido dos Trabalhadores, chegasse à Presidência da República, tendo à frente o Presidente Lula. Eles conseguiram, nos anos de Oposição, dar uma sublimação a algo que se chama ética num País como o nosso, em que tudo está desmoronando, onde os princípios sociais, morais, de dignidade, de família, de Constituição praticamente desapareceram. O mundo disse que para fazer negócio com o Brasil é preciso ter cuidado, porque a corrupção é institucionalizada. Neste País, onde se olha para qualquer canto e lugar e se sente, vê-se que essas coisas estão acontecendo, o PT era a nossa consciência, o PT era a consciência da Nação, no sentido de apontar, de orientar, de dizer: “É por aqui!”

Isso era importante. A base número um do PT foi sua consciência, sua ética. Quando denunciava, diziam que ele era a pedra que se atirava nas vidraças, que era o estilingue e que exagerava. Pode ter sido! Mas nada que passava ele deixou de denunciar. Era a favor das boas causas. Era a favor das causas justas, corretas, talvez até sublimadas, utópicas, sonhadoras e impossíveis. Mas eram as causas que tinham a credibilidade, o respeito, a esperança da Nação. Nisso se sustentou o PT.

Defendia também as causas sociais. O PT era o Partido que defendia a importância do social, o significado do social. Mostrava a diferença fantástica. O Lula dizia: “Como o Presidente da República dorme, pagando uma dívida externa escandalosa como esta?!” E o Dr. Tancredo Neves, eleito Presidente, que, como morreu, não assumiu, disse, em sua primeira entrevista como Presidente eleito: “Não pagarei a dívida à custa do sangue e do suor dos trabalhadores brasileiros.” A preocupação com o social era importante. Está ali o Senador Paulo Paim. Foi importante a greve da fome para elevar o salário, levar os produtos de mercado para mostrar como o salário não tinha valor nenhum. Os episódios mais impressionantes, mais significativos, mais rudimentares, mas que impressionavam, eram usados pelo PT para chamar a atenção para o drama social, que era o drama número um.

Hoje, às vésperas da votação do salário mínimo, vemos, em São Paulo, a reunião da qual participa o Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, para mim, um homem fantástico, talvez o homem público mais importante no Brasil e no mundo. Quando o americano quis destroçar, desmoralizar a ONU, pensando que a havia destruído, ele ficou ali quase morto. Mas Annan se refez, renasceu das cinzas. De certa forma, está aí a ONU tentando aparecer, mostrando que os Estados Unidos ficaram desmoralizados e ridicularizados; que a ONU estava certa, pois não era ocasião de intervir no Iraque. O Conselho de Segurança da ONU teve coragem, apesar de pressões e coações, de votar contra a intervenção americana no Iraque. E a intervenção foi ao ridículo. E está aí o resultado: o Tony Blair recebeu uma desmoralização, uma derrota fantástica jamais vista nas eleições municipais na Inglaterra. Parece que é o que espera o Sr. Bush dentro de poucos meses.

Então ali está o Sr. Annan mostrando as desigualdades mundiais, mostrando que as nações em desenvolvimento devem bater na mesa e buscar as posições, defendê-las, analisar as posições reais, concretas na busca de um objetivo; mostrando que o mundo gastou US$1 trilhão em armamentos este ano, 11% a mais do que o valor despendido no ano passado. Metade dessa verba acabaria com a fome no mundo. E não acontece nada.

O Brasil pagou no ano passado e pagará este ano US$150 bilhões em juros. E não acontece nada.

O Líder do PFL esteve na tribuna. Até considerei exagerada a fala, mas S.Exa disse a verdade. Comprar um avião de luxo é uma realização que não fica bem para o Governo do PT. Fernando Henrique, que era o Fernando Henrique, estava doido para comprar o avião. Ele, sim, Fernando Henrique é um homem que nasceu para entrar no avião do Presidente dos Estados Unidos. É um homem preparado, mas não teve peito para comprar o avião. Seus auxiliares disseram para não fazer isso, porque o povo não iria aceitar. Falaram para ele andar na lata velha que tinha, mas não fazer a compra. E ele não fez. Entretanto, o nosso amigo Lula compra um baita de um avião e levará seis meses para recebê-lo, porque serão feitas enormes reformas e adaptações.

Agora a última. O Presidente comprou motos a preço de um avião e capacetes a preço de um automóvel. Nem os americanos, pelo que estou vendo, terão a pose, a pompa e a sustentação que terá o nosso amigo Lula, com motos espetaculares e capacetes brilhando com as luzes do céu. Meu Deus! Meu Deus! E isso quando estamos aqui discutindo o salário mínimo!

Vamos fazer justiça ao PFL, que está querendo um salário mínimo de R$275,00. A proposta do PFL não é como as do PT de antigamente, em que o valor era lá na Lua, para não ser aprovado. Perdoe-me o Senador Paulo Paim, mas, na verdade, o PT fazia uma proposta daquelas, que o Governo não tinha condições de aprovar. Não é o que o PFL está fazendo. O PFL está propondo R$15,00 a mais.

O próprio Senador Paulo Paim mostra que é somente olhar o que os bancos não estão pagando, é somente olhar a sonegação dos bancos. É claro que o Presidente do Banco Central não vai olhar. Essa não é a visão dele. Ele está acostumado a olhar os bancos com um outro olhar, um olhar de Presidente do Banco de Boston e não um olhar de brasileiro.

Então, estamos vivendo um momento que considero muito sério.

Ao Presidente Lula, meus cumprimentos. Desejo felicidade ao Presidente e à sua esposa pelos trinta anos de casamento. Os dois lutaram, esforçaram-se e são um casal digno do respeito de toda a sociedade brasileira. Não há dúvida nenhuma. Fizeram a festa que tinham de fazer, uma festa caipira. Nós somos um povo caipira mesmo. Penso que a festa foi justa, lá onde as festas sempre são orientadas pelo Itamaraty. Aquela foi uma festa bem rústica, de Brasil. Mas Sua Excelência tem que pensar.

Vejo que o Lula mantém a credibilidade, e isso é muito interessante.

No Governo anterior, o Fernando Henrique tinha mais desgaste do que o seu Governo; e aquele Governo tinha Ministros de grande credibilidade: o próprio Ministro da Fazenda, o Presidente do Banco Central, o Ministro José Serra, da Saúde - excepcional, diga-se de passagem. E o Fernando Henrique Cardoso tinha um poder encantador. Eu sempre dizia que ele era um homem que fazia as pessoas se dobrarem a seus argumentos; todo mundo saía do Palácio aceitando o que dizia. Apesar disso, foi levado ao desgaste, ao imenso desgaste, que, a meu ver, foi o maior fator da derrota de José Serra; não tenho nenhuma dúvida.

Mas hoje isso não ocorre. Hoje, o Governo num todo está vivendo um mau momento; quanto a Lula, há uma interrogação, há uma angústia. Eu diria que estão todos olhando, rezando, torcendo para que dê certo. E o Presidente, com o seu linguajar singelo, fala coisas que gostaríamos de ouvir, só que não correspondem à realidade.

Antes de esse projeto ser votado na Câmara, usei a tribuna no Senado para fazer um apelo ao Presidente. Convidei alguns Parlamentares, mas infelizmente não encontrei eco. Sugeri que reuníssemos alguns Líderes para falar com o Ministro da Fazenda ou até com o Presidente da República, a fim de encontrarmos um entendimento a respeito do valor do salário mínimo. Em vez de tentar colocar a faca no peito do Senador Paulo Paim, com a ameaça de expulsá-lo, propus a busca de um entendimento, uma forma em que todos saíssem com dignidade. No entanto, isso nunca foi feito; essa tentativa não foi feita. Alguns que me procuraram disseram que era bobagem porque o Presidente do Senado e o Presidente da Câmara haviam falado com o Presidente da República a fim de evitar a expulsão do jornalista americano, mas saíram falando sozinhos. O Governo não teve a grandeza de compreender, de aceitar e de entender a sugestão e disse “não” aos Presidentes das duas Casas. Porém, uma semana depois, o Governo voltou atrás por conta própria.

Teria sido um gesto muito bonito se o Presidente da República tivesse tomado tal atitude juntamente com os Presidentes da Câmara e do Senado. Na verdade, não houve uma palavra de entendimento, apenas a palavra de dobrar. E dobraram.

Vejo aqui os meus irmãos de outros Estados. Neste momento, dirijo-me ao Senador Paulo Paim, que está na Presidência. No Rio Grande do Sul, é diferente. Perdoem-me os companheiros de outros Estados, mas no Rio Grande do Sul a política é diferente. O Senador Paulo Paim é PT desde que nasceu. Eu era do PTB; quando fecharam esse Partido no Rio Grande do Sul, todos fomos para o PMDB. E estou nessa vida até hoje. Brigas internas, divergências, conflitos os mais diferentes, mas sou do meu Partido. Nós defendemos, abraçamos e lutamos pelas nossas posições. No Rio Grande do Sul, se questionarem sobre qualquer assunto importante, sobre qualquer político de qualquer partido, se forem lá e perguntarem como é o Senador Paulo Paim ou o Senador Pedro Simon, eles dirão: O Paim é assim. O Pedro Simon é assim. Essa é a tradição do Rio Grande.

Nesse Rio Grande, dessa tradição, o Zero Hora fez uma enquete sobre como votariam os Deputados do Rio Grande do Sul e divulgou o resultado no domingo: todos os Deputados do PT votariam contra o Governo na questão do salário mínimo; na terça-feira todos votaram a favor. Até hoje o Rio Grande do Sul não entende. Nunca aconteceu um fato dessa natureza no meu Estado e num Partido como o PT! Perdoem-me a sinceridade: se fosse outro Partido...

Disseram que a Direção do Partido foi de um lado para outro, negociou isso e aquilo. Mas no PT? Foi algo que até hoje o pessoal do Rio Grande se pergunta como aconteceu.

Teve razão, não sei se o Lula ou o Chefe da Casa Civil, quando disse que aquela vitória do salário mínimo na Câmara não era para ser festejada. Não era; mas festejaram. E aí vejo a diferença entre o PT no Governo e o PSDB de Fernando Henrique. Pelo menos, o PSDB do Fernando Henrique tinha uma coordenação, um comando; ia daquele jeito e sabíamos o que era. Agora, por exemplo, estamos vendo o que está na imprensa. Há uma certa ciumeira porque o Ministro Aldo estaria dando certo como coordenador político. Ele teve a primeira vitória derrotando a emenda da reeleição para as Presidências da Câmara e do Senado, que coordenou, e agora o salário mínimo lá. A votação do salário mínimo aqui seria uma espécie de novo teste: como votará o Senado o valor do salário mínimo?

São essas questões que entendo muito dolorosas para o nosso querido PT. Sempre admirei o PT. No Rio Grande do Sul, os meus amigos do MDB me olhavam com certa mágoa, mas sempre tive carinho por pessoas como meu amigo Tarso Genro e o Senador Paulo Paim, com quem tenho mantido amizade ao longo tempo. Não nego que gosto, mas não gosto do que estou vendo aí. De repente, o PT vai comprar a melhor sede de partido político da América Latina: um prédio na Avenida Paulista. Pode até ter dinheiro, pode até ter condições, mas vá pro inferno! Por que não compra um prediozinho, uma casinha simples, singela, uma coisa mais modesta e não essa pompa? O prédio mais bonito de um partido político na América Latina será do PT.

Mesmo nos Estados Unidos, o Partido Democrata e o Partido Republicano não têm prédio e, sim, alguns andares de determinado edifício. No Watergate, quando foram invadir a sede do Partido Democrata, invadiram andares - três andares eram daquele Partido. Pois o nosso Partido dos Trabalhadores vai ter como sede um prédio bonito, moderno, na Avenida Paulista!

O Presidente do nosso Partido disse que a campanha municipal vai ter uma conta centralizada. Essa história de cada Município do Partido fazer tesoureiro para acompanhar Caxias, Bento Gonçalves, Garibaldi, Foz do Iguaçu, Rio, Bahia, não sei o que não vai haver; será uma conta coordenada. O PT vai ter uma conta geral, que depois será distribuída entre eles.

Fizeram um acordo não sei de quantos milhões com uma empresa de informática no sentido de fazer um levantamento técnico de todos os dados do Partido. É uma coisa tão espetacular, em termos de modernidade, que não há Partido algum no mundo que tenha atingido isso que o PT vai fazer! Vai ter uma tecnologia tal que estará tudo no computador. Vai ter todo o conhecimento do que é, do que não é; de como está, de como não está; tudo estará organizado.

Pombas! E para aumentar o salário mínimo não dá? E para fazer e ver o que desenvolveu não existe? Eu não sei, tchê! Juro que não sei!

O PSDB é um Partido de vaidosos. Dizem que o Fernando Henrique aceitou o tucano em função de sua plumagem, das suas cores, que ele se identificava muito com a ave. O Fernando Henrique é vaidoso e é o primeiro que reconhece. Ele diz que até teria condições de ser vaidoso, pois é professor universitário, fala várias línguas, mas que não o é (não é pouco, digo eu).

O PT, nessa altura, concordo...

É verdade que só podia entrar na festinha que ele fez... Aquilo é o PT. A “festa na roça” é algo que caracteriza um partido como o PT. O maior prédio, comprado pelo partido mais moderno da América Latina, não sei... Juro que não sei.

Dizem alguns que Fernando Collor de Mello se organizou e, se o esquema tivesse dado certo, ele montaria uma engrenagem para durar não sei quanto tempo. E podia ter durado. Collor rompeu com os militares, não queria falar em militar, não queria político e não queria empresário. Ele usou aquele discurso, com que ganhou espetacularmente a eleição. O mal é que continuou desprezando os políticos e a sociedade. E, quando houve a CPI... Vou contar a V. Exªs uma coisa...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) Já encerro, Sr. Presidente. Passei a respeitar o Collor por causa daquela CPI. Quando vejo o Governo do PT impedir a criação de uma CPI para apurar as denúncias referentes ao bingo, reconheço que o Presidente Collor agiu com a maior dignidade. A CPI funcionou. Collor determinou que o Banco Central, a Polícia Federal, a Receita Federal, a Procuradoria da República colaborassem. E colaboraram dando todos os dados para a CPI funcionar. É verdade que ele nunca imaginou que as investigações fossem terminar nele. Nem nós imaginamos isso. Nunca pensamos que a CPI terminaria no Collor, mas de repente apareceu aquele motorista. E vejam que a CPI terminou no Collor por valores infinitamente menores do que esses que dizem que estão roubando. Terminou nele porque o motorista disse que, com o cheque tal, cheque fantasma, foi a Goiás e comprou o carro em nome do Presidente da República. E lá estava o carro em nome do Presidente da República. Havia as contas fantasmas e havia a secretária fulana de tal, que lhe dava as contas da primeira-dama e da casa da Dinda, e ele pagava tudo.

Mas o Presidente Collor não movimentou uma palha, não tomou uma atitude contra a CPI. Ele foi cassado, mas não há um ato dele tentando impedir os trabalhos da CPI.

Ele imaginava construir um arcabouço, que ruiu porque não tinha alicerce. O mesmo aconteceu com Fernando Henrique. O Serjão, nosso querido Serjão, que fez falta quando faleceu, estava armando um arcabouço para, no mínimo, doze anos. Agora se diz que, de certa forma, ocorre isso. Só que o PT está mais preocupado com o arcabouço do partido e da engrenagem do que com o Governo. A melhor maneira para um partido como o PT se reeleger duas ou três vezes é fazer um grande governo, um governo popular, social e ético. Essa seria a fórmula para o PT conquistar o povo e ganhar credibilidade. Com seriedade, ele avançaria e teria o respeito da população. Querer o partido mais bem organizado da América Latina, a sede mais importante da América Latina... É doloroso ver o que está acontecendo. É triste ver, na distribuição das verbas, que o PT, com 10% das prefeituras, recebeu do Governo Federal mais do que o PFL, o PMDB e o PSDB, que têm muito mais prefeituras. Não é assim que o PT vai desempenhar o grande papel ao qual ele foi destinado.

Digo isso, Sr. Presidente, pensando na votação do salário mínimo, que ocorrerá amanhã ou depois. Quero abrir a discussão neste sentido: que cada Senador tenha condições de sustentar a sua palavra, mas que volte para casa de cabeça erguida. Talvez uma derrota aqui seja muito melhor para o Dr. Lula do que uma vitória conseguida aqui como aconteceu na Câmara. Talvez a derrota aqui o faça reunir-se com a gente dele e entender que não é isso que ele quer, não é esse o seu partido, não foi para isso que ganhou a eleição, não é esse o seu compromisso. Será lamentável ver uma vitória no pior estilo das costuras, como parece que estão querendo.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Com prazer, se o Presidente o permitir.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador Cristovam Buarque, sinto que todo o Plenário, em silêncio, ouve o pronunciamento do Senador Pedro Simon. Não tive coragem de interrompê-lo em nenhum momento. Permitirei a V. Exª que, no prazo de um ou dos minutos, faça seu aparte.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Senador Pedro Simon, sou o único Senador do PT aqui no plenário, pois o Senador Paulo Paim está na Presidência. Minha obrigação, como militante do Partido dos Trabalhadores, seria a de tentar defender o Partido de suas posições. Quero dizer que a melhor defesa que posso fazer é distribuir o seu discurso para toda a militância do meu Partido. Assim, provocarei dentro do Partido, entre todos nós, um debate para saber se V. Exª está equivocado e, sobretudo, para tirar proveito. Não há melhor aliado do que o aliado crítico, do que o aliado leal. Creio que V. Exª está trazendo muitos pontos. Não podemos dizer que não são verdadeiros como descrição. Sobre aquilo de que discordo seria muito bom se pudéssemos fazer um debate. Não tenho dúvidas de que seria bom se pudéssemos fazer um acerto de contas com o nosso discurso do passado. Estamos precisando descobrir qual é, com clareza, a herança que queremos deixar para o Brasil. Em vez de rebater o que V. Exª está dizendo, o que eu não teria condição de fazer, quero dizer que oxalá tivéssemos outras pessoas que, com sua lealdade, fizessem as críticas que V. Exª faz com o intuito de melhorar o Governo e o Partido dos Trabalhadores.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Agradeço muito o aparte de V. Exª, que é um homem de linha reta. Desde que começou sua vida pública e até hoje, V. Exª é considerado um sonhador. Na universidade, alguns diziam: “Ele é um ótimo teórico, um homem perfeito, mas, entre o ser e o realizar, há diferença”. V. Exª mostrou que pôde fazer. V. Exª esteve no Governo e mostrou que pôde fazer e manter essa linha.

O Presidente Lula é um dos meus melhores amigos. A minha esposa é apaixonada pelo Lula, vibra quando ouve os pronunciamentos dele. Não nego que, no final da campanha do Lula, achei que havia chegado a vez do Brasil. Pensei: chegou a nossa vez, o povo tem direito, chegou a sua hora, chegou a sua oportunidade de encontrar o caminho. Vamos começar, mas vai ser difícil.

Eu não pensava nos milagres. Não me passaram pela cabeça os dez milhões de empregos. Não pensava nisso. Eu pensava em começar a seguir uma trilha diferente, e o resto viria atrás.

Nem V. Exª, nem eu, nem muitos que estão aí, nem o Celso Furtado... Na sua grandeza, mas na sua singeleza, o Celso era homem a ser consultado e não a ser colocado de lado. O PT devia ouvir um pouco mais aqueles que não são os “oba-oba”, os que batem palma, os que estão no Governo e dizem amém. ‘

Uns estão embevecidos. Acho o presidente do PT uma pessoa extraordinária pelo fato de haver passado por aquilo por que passou, pelas lutas que enfrentou. Não digo agora que está no poder, mas, quando estava na Oposição, tinha disposição de mudar, de não guardar mágoa nem ressentimento, de buscar conversar com os militares, fazer um entendimento com um grupo de militares que queria mais abertura. Ele teve uma atuação realmente da maior importância.

Mas cá entre nós: o nosso querido Genoíno está embevecido. Não é o Presidente do PT que imaginávamos hoje. O Presidente do PT era uma pessoa que tinha inclusive de discordar do Presidente da República e dizer-lhe: olha, Presidente, o senhor me desculpe, esse negócio está ficando muito mal. Nós botamos para a rua a Senadora Heloísa Helena e outras pessoas sem reunir o Partido para discutir conteúdo e matéria, o que é ou o que não é. Fechamos questão em torno do nada. Está fechada a questão em torno da decisão que o Partido tiver. E qual será a decisão? Vamos ver depois.

Isso não existe nem em partido de direita, nem em partido radical, quanto mais num partido democrático.

Acho que o Genoíno, que é um homem de bem, íntegro, que tem passado, que tem biografia, podia começar a ouvir mais V. Exª, Senador Cristovam. Em vez de pensar em botar na rua, devia ouvir um pouco melhor a sua gente.

Como brasileiro torço para que o meu País vá bem. Já estou chegando no final da minha caminhada e poderia dizer, como São Paulo, que combati o bom combate, que fiz o que devia.

As idéias de São Paulo foram exatamente as de Cristo. Muitos consideram São Paulo quase um Cristo. Os dois grandes homens da humanidade, Sócrates e Cristo, não escreveram uma palavra. Sócrates teve suas idéias difundidas por meio dos Diálogos de Platão e Cristo, claro, pelos evangelistas; mas, basicamente, pelas Epístolas de São Paulo, que as propagou de tal forma que as idéias foram sendo levadas.

Eu não posso dizer isso. Eu posso dizer que combati o bom combate. Mas nem as idéias de Pasqualini, que é meu líder, de quem eu gosto, por cujas idéias sociais sou apaixonado, nem as idéias do Sr. Pasqualini eu consegui implantar. Publiquei-as, debati na faculdade, durante vinte anos, quando lecionei para vinte gerações. Mas não consegui.

Mesmo assim eu diria que torço. Sou um crente, rezo. Acreditem, meus irmãos, rezo pela minha família e pelo Governo do Presidente Lula. Eu rezo para que ele encontre o caminho, o lugar, a linha,para que entenda, acorde...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Para que ele faça aquilo que estamos esperando.

Obrigado pela tolerância até demasiada de V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - A tolerância da Presidência foi a tolerância do Plenário.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2004 - Página 18116