Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Inação do Programa Brasil Alfabetizado.

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. EDUCAÇÃO.:
  • Inação do Programa Brasil Alfabetizado.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/2004 - Página 18615
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, DESCUMPRIMENTO, PROJETO, ALFABETIZAÇÃO, ADULTO, APRESENTAÇÃO, ESTUDO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, DADOS, PERCENTAGEM, ANALFABETO, POPULAÇÃO, BRASIL, COMPARAÇÃO, MUNDO, AMERICA LATINA.
  • REGISTRO, EDITORIAL, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, GOVERNO FEDERAL, SUPERIORIDADE, INTERESSE, ENSINO SUPERIOR, PREJUIZO, ENSINO FUNDAMENTAL, NECESSIDADE, ERRADICAÇÃO, ANALFABETISMO, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, RENDA, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, PROPOSTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROJETO, RECUPERAÇÃO, ECONOMIA, PAIS SUBDESENVOLVIDO, DEFESA, NECESSIDADE, INCENTIVO, EDUCAÇÃO.
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CRITICA, PARALISIA, EFEITO, CONFLITO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • REGISTRO, EDITORIAL, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), NECESSIDADE, AFASTAMENTO, JOSE DIRCEU, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Como Líder. Sem revisão do orador.) - E, caso não tenha concluído, pedirei a prorrogação na forma regimental.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, “o amoroso é sincero até quando mente”. (Nelson Rodrigues)

O escritor Lima Barreto tem um conto sensacional, escrito em 1921, que resume, com refinada picardia, as relações hipócritas da classe média amanuense da República Velha no Rio de Janeiro. Especialmente o comportamento de um dos personagens, Fortunato Guaicuru, tem muita verossimilhança com as fantasiosas realizações do Presidente Lula. A trama se passa em um solar no Andaraí, de propriedade de Feliciano Campossolo Nunes, subdiretor de secção do Tesouro Nacional. “Homem grave, ventrudo, calvo, de mãos polpudas e dedos curtos”, Campossolo tinha uma filha para casar. Em certos domingos convidava dois dos mais próximos subordinados para compartilhar das “efusões familiares” do almoço. Eram eles o próprio Guaicuru e outro escriturário, Simplício Fontes. Este, um carioca franzino, pálido, de comportamento distante, e “de uma timidez de donzela”. Aquele, um mato-grossense audacioso, com feições indígenas, que se formara numa Faculdade de Direito que, por não ser reconhecida, fazia dele um falso bacharel.

Dona Sebastiana, mulher de Campossolo, não escondia a predileção pelo rábula e certa vez o inquiriu porque não advogava. Depois de algumas escapatórias, embora fosse um ignorante completo, Guaicuru saiu-se bem com a estória de que estava fazendo um livro. Um estudo comparado sobre o direito administrativo atual e o antigo direito público português. Indagado de quando iria publicar a obra, Guaicuru afirmou que antes do Natal, para aproveitar as promoções na repartição. Elas vieram. Simplício acabou sendo contemplado, e caiu nas graças de Dona Sebastiana.

Lima Barreto termina o conto com o seguinte dilema:

Depois de um lustro de casados, ainda teimam. Ele diz: - Foi nosso Senhor Jesus Cristo que nos casou. Ela obtempera: - Foi a promoção. Fosse uma cousa ou outra, ou ambas, o certo é que se casaram. É um fato. A obra de Guaicuru, porém, é que até hoje não saiu...

Sr. Presidente, igual ao livro que o rábula Guaicuru nunca escreveu, em abril do ano passado, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou o maior programa do planeta de alfabetização de adultos. Depois de escorraçar com todas as iniciativas do passado, que de fato não trouxeram resultados de qualidade, anunciou o espetáculo da escolarização com o Brasil Alfabetizado. Assim como Guaicuru prometera atestar que o direito trazido por Dom João VI se adaptou ao nosso meio sob o influxo das concepções liberais, o Presidente Lula garantiu que iria alfabetizar 20 milhões de brasileiros até o final do seu governo.

Certamente, no calendário presidencial, sob a sistemática supervisão do Ministro do Planejamento, Guido Mantega, foram subtraídos os seis primeiros meses de 2004. Neste ano, conforme dados do Siafi - Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal -, o Programa Brasil Alfabetizado recebeu investimento de apenas 7,13%. Isto que dizer que, rigorosamente, da dotação ínfima de R$216 milhões, foi emitido um único empenho e executados pouco mais de R$2 milhões.

Gostaria de convidar as Srªs e os Srs. Senadores a entender o abismo que existe entre os devaneios vespertinos do Presidente Lula e as reais intenções da sua administração. Nesta conta de diminuir, o resultado é sempre da maior gravidade para o resgate da dívida social brasileira. De acordo com os indicadores do PNAD - Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio -, 12,4% da população brasileira com mais de 15 anos é analfabeta, o que equivale a um número redondo de 21 milhões de pessoas. O Presidente Lula prometeu alfabetizar cinco milhões a cada ano.

Nunca é demais lembrar o discurso que o Presidente Lula realizou em abril do ano passado, quando o País ainda estava inebriado com as estultices do primeiro-mandatário. Na ocasião, Luiz Inácio falou:

Quando falamos de alfabetização, lembramos de que (sic) durante muitos anos, quando se falava em educação, se dizia: Eu não posso fazer tal investimento porque custa muito caro. E, em nome de uma economia insensata, não se investiu em educação. E, hoje, cada um de nós poderia encostar a cabeça no travesseiro e perguntar a nós mesmos: quanto custou e quanto custa para este País não ter alfabetizado seu povo há 30, há 40 ou há 50 anos?

Os dados do Siafi respondem: neste ano, o Governo Lula permitiu-se à folgança de gastar R$10,20 por ano para resgatar a cidadania de cada um dos integrantes das massas analfabetas e marginalizadas, repito, R$10,20 por analfabeto.

Sr. Presidente, no ano passado, o Ministério da Educação, por encomenda do ex-Ministro e Senador Cristovam Buarque - por quem tenho a maior admiração e reputo uma das maiores autoridades brasileiras em educação, e talvez por essa razão tenha se incompatibilizado com o caráter fanfarrão deste governo -, elaborou um estudo sobre o financiamento da educação no Brasil. A principal conclusão do relatório é que para atingir os novos patamares de atendimento em qualidade e quantidade definidos no PNE - Plano Nacional de Educação - o Brasil deveria sair do atual gasto público da ordem de 4,3% para 8% do PIB.

Para que as Srªs. e Srs. Senadores tenham noção de como se processam os investimentos no setor, o documento do MEC reconhece:

Quando se considera apenas a Receita Líquida de Impostos, a União possui um potencial muito pequeno de recursos para a educação, inferior inclusive àquele dos Municípios, apesar de sua capacidade de mobilizar recursos ser muito maior.

O estudo indica que o setor perdeu em 2003, só com a DRU - Desvinculação das Receitas da União - R$3,6 bilhões. É interessante notar as diferenças do ponto de vista do núcleo duro do Governo Lula e o otimismo da equipe do ex-Ministro Cristovam Buarque, que previa o fim da DRU no ano passado e o ingresso de um recurso extra de R$2,4 bilhões neste ano.

Em outro interessante estudo, pesquisadores do Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - e do Iets - Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade - apontam a magnitude do problema do analfabetismo no Brasil. De acordo com levantamentos, 55% dos países do mundo têm uma taxa menor do que a brasileira. Quando a comparação é feita entre as nações latino-americanas, a posição brasileira é ainda pior: 72% dos países do continente estão em melhor situação do que o Brasil. Normalmente, nações com maior renda per capita têm uma taxa de analfabetismo inversamente proporcional.

Conforme estabelece o estudo, fugimos à regra. “Países com nível de renda per capita similar à brasileira apresentam uma taxa de analfabetismo próxima dos 5%”. Ou seja, a brasileira é mais do que o dobro. Conforme a evolução temporal do analfabetismo no Brasil, desde os anos 1940, quando a taxa batia os 50%, estava estimado que no ano 2005 o indicador estaria abaixo dos 10%, o que nos situaria na condição atual do Paraguai. Já em 2014 estaria em uma patamar inferior a 5%.

De acordo com o ânimo alfabetizador do Governo Lula, a meta dificilmente será alcançada. É como ressaltou hoje o editorial do Jornal O GLOBO:

O governo anda tonto em matéria de educação. Mira preferencialmente (ou obsessivamente) nas universidades, quando o grande problema está ao rés do chão. É como se alguém tentasse construir uma casa sem alicerces. O desastre é certo.

            O Governo Lula, que a cada reunião promete surtos de distribuição de renda e emprego, bem que poderia conseguir algum resultado atacando o analfabetismo, uma vez que não consegue administrar um aumento maior que R$20,00 no salário mínimo e se converteu no maior gerador de desemprego do País. De acordo com as estimativas, o impacto da alfabetização sobre os rendimentos no mercado do trabalho indica uma elevação dos salários em 41%, em média.

A erradicação do analfabetismo, devido ao seu impacto sobre a remuneração dos analfabetos ocupados, representaria um aumento na renda nacional de R$5,6 bilhões ao ano.

Na última segunda-feira, na abertura da XI Unctad - Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento -, o Presidente Lula propôs uma espécie de plano Marshall moreno para recuperar as economias dos países periféricos. Uma inominada e incabível bobagem adornada da singela expressão de que “este é o tempo de tomarmos decisões que lancem pontes para o amanhã”. Ora, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil, por exemplo, cresceu e permaneceu à frente dos chamados Tigres Asiáticos durante as décadas de 1960 e 1970, mas ficou para trás porque não tinha suporte educacional para sustentar o seu desenvolvimento.

Infelizmente, o imobilismo, a letargia, a ocupação simulada e a intriga são as marcas mais salientes do Governo do PT. Hoje, também em O Globo, o jornalista Elio Gaspari resumiu com precisão a capacidade do PT de semear, por intermédio do fuxico, comoções intestinas:

A opção preferencial do comando petista pela fofoca tem suas raízes com conciliábulos da política sindical e/ou das agremiações estudantis cujas brigas não têm custo. O sindicalista sempre pode responsabilizar os patrões pelos seus fracassos e os estudantes podem acusar o imperialismo agonizante. No Governo as coisas têm custo e o de Lula está paralisado pela intrigalhada.

A inação do Programa Brasil Alfabetizado não é uma exceção, mas um traço comum ao comportamento geral da Esplanada dos Ministérios. É lamentável que, em vez de ação, o Governo pratique a reunião, essa doença infantil do esquerdismo que contamina verticalmente a desastrosa aventura do Partido dos Trapalhões no ramo da administração do Brasil.

Sr. Presidente, os desencontros do Governo Lula já estão classificados no Código Internacional de Doenças, e quem os diagnosticou não foi nenhum alienista, mas o próprio Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu, para quem “o Brasil tem crises e problemas demais e vive uma situação um pouco esquizofrênica”.

No âmago deste desvairado Governo, o ridículo, o acintoso e o insano encontram confortável acolhida. Senão vejamos: empreiteiros vão ao Palácio da Alvorada discutir com o Presidente um projeto de infra-estrutura para o País, mas recebem e assentem com o pedido de reformar graciosamente a residência oficial, a um custo de R$15 milhões. Em seguida, em vexaminoso espetáculo de caipirismo, o Presidente promove festa junina regada a paçoca e aguardente na Granja do Torto. Na ressaca do dia seguinte, se envolve em um imbróglio de arapongagem dentro do Palácio do Planalto, cujo epicentro, mais uma vez, localiza-se no gabinete do Ministro José Dirceu. Aqui, vale ressaltar o editorial de hoje do Estadão, em que se lê:

Quando rebentou o Waldogate, este jornal sustentou que Lula devia afastar José Dirceu até que se comprovasse que ele não sabia e muito menos participara dos ilícitos do seu auxiliar. O ministro ficou e nem uma coisa e nem outra foi devidamente investigada. Abafou-se o caso, mas o desmedido apetite político de Dirceu continuou o mesmo - e a intriga palaciana é a forma como procura satisfazê-lo. Está demonstrado que a sua permanência no Governo antes prejudica do que beneficia o presidente a quem ele jura “fidelidade canina”. É difícil, mas Lula deve saber que não tem escolha.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/2004 - Página 18615