Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a votação do novo salário mínimo.

Autor
Efraim Morais (PFL - Partido da Frente Liberal/PB)
Nome completo: Efraim de Araújo Morais
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • Considerações sobre a votação do novo salário mínimo.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/2004 - Página 18784
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • PROXIMIDADE, VOTAÇÃO, REAJUSTE, SALARIO MINIMO, REPUDIO, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, ALEGAÇÕES, IMPOSSIBILIDADE, CONTAS, PREVIDENCIA SOCIAL, EXCESSO, INVESTIMENTO, LEI ORGANICA DA ASSISTENCIA SOCIAL (LOAS), BOLSA FAMILIA, CRITICA, AUSENCIA, PRIORIDADE, TRABALHADOR, CONTRADIÇÃO, ATENDIMENTO, SUPERAVIT, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), DESCUMPRIMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • DEFESA, RECUPERAÇÃO, PODER AQUISITIVO, SALARIO MINIMO, ATENDIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DIGNIDADE, TRABALHADOR.

           O SR. EFRAIM MORAIS (PFL - PB. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senado vive hoje um dia solene. Dentro em pouco, estaremos votando a medida provisória que fixa o novo salário mínimo. O Governo trouxe-nos uma proposta que, sem exagero, podemos considerar indecente. Fixa o salário mínimo em R$260,00, ignorando o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal, que estabelece que o salário mínimo deve atender às necessidades básicas do trabalhador ¾ e de sua família ¾ nos seguintes quesitos:

(...) moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (...)

Como é óbvio, os R$260,00 propostos pelo Governo não atendem nem remotamente a essas exigências. Nem mesmo as propostas alternativas aqui encaminhadas, incluindo a do meu partido, o PFL, de R$275,00, atendem, mas pelo menos atenuam a disparidade entre o que determina a Constituição e o que de fato é oferecido à classe trabalhadora.

Mais que isso, essas propostas alternativas sinalizam com a disposição de recuperar e constitucionalizar o salário mínimo.

O Governo alega o impacto nas contas da Previdência de um aumento maior. O Presidente Lula se diz constrangido em não poder ir além do que está propondo. Sustenta que haveria impacto insuportável para a Previdência Social. O Governo diz que a dificuldade em relação ao salário mínimo não é só financeira, do Orçamento, é também porque está investindo R$10,5 bilhões na Loas - Lei Orgânica da Assistência Social - e no Bolsa Família.

São argumentos frágeis, que não se sustentam. Basta ver que o mesmo critério não prevaleceu quando se tratou de oferecer ao FMI aumento espontâneo no superávit primário ¾ o dinheiro destinado ao pagamento de juros aos bancos ¾, que estava pactuado em 3,75% e passou - repito, espontaneamente - a 4,25%, o que representou gasto adicional de mais de R$8 bilhões, o suficiente para um aumento bem mais significativo no salário mínimo.

O gasto anual com essa rubrica já estava na impressionante casa dos R$70 bilhões e foi agravado em mais R$8 bilhões, sem que o FMI houvesse feito qualquer exigência nesse sentido.

Quando se trata, porém, de atender ao trabalhador, o critério, como estamos vendo agora, é bem outro. Aí, sim, há rigor fiscal implacável. São dois pesos e duas medidas. Um, para atender à banca internacional; outro, para os trabalhadores. O paradoxo está em que o partido que está no poder ainda conserva em seu nome a palavra “Trabalhadores” ¾ Partido dos Trabalhadores. E esse termo é tão real quanto a constitucionalidade do salário mínimo proposto. É tão letra morta quanto o dispositivo constitucional que define e estabelece o que deve ser o salário mínimo.

O que estamos prestes a assistir, dentro em pouco nesta Casa, é a mais um capítulo do monumental e vergonhoso estelionato eleitoral aplicado pelo PT em seu eleitorado.

O partido firmou sua imagem, em duas décadas de existência, como defensor dos assalariados. Rejeitou, ao longo de sua história, todos os argumentos monetaristas e contábeis que buscavam justificar a exigüidade do salário mínimo ¾ os mesmos argumentos que, com rigor ainda maior, sustenta hoje.

O único de seus representantes a manter a coerência do passado em torno dessa matéria é o Senador Paulo Paim, que propõe salário mínimo de US$100.00 e está sendo, por isso, ameaçado com punições.

            Lembramos que, no final do governo passado, ao interpelar o Ministro da Fazenda, Pedro Malan, em torno dessa matéria, o então Deputado Aloizio Mercadante disse, com ironia, que o aumento proposto para o mínimo não dava nem para pagar a tinta da caneta Mont Blanc que o ministro supostamente usava. A mesma lógica se aplica agora ao governo do qual o hoje Senador Mercadante tornou-se Líder.

Se o Senador houvesse dito ao eleitor, um ano e meio atrás, que defenderia o salário mínimo que está defendendo, seguramente não teria chegado a esta Casa com a avalanche consagradora de votos que conquistou. Nem, da mesma forma, o candidato Lula teria sido eleito Presidente da República.

Sabemos que não há solução imediata para as distorções ¾ legais e morais ¾ que cercam historicamente o mínimo. Segundo o Dieese, o salário mínimo, para tornar-se constitucional - isto é, para permitir o custeio daqueles quesitos que a Constituição relaciona e mencionei no início -, deveria estar em torno de R$1,5 mil.

É claro que não há como se chegar a essa cifra num toque de mágica ou mesmo num único governo. Mas é claro que é preciso pelo menos sinalizar que há disposição política para chegar-se um dia - e com a maior brevidade possível -àquele patamar.

E aí está o problema: não há nem sinal de uma política de recuperação do salário mínimo, compromisso também assumido na campanha eleitoral pelo Presidente Lula. Sua Excelência, como todos se recordam, prometeu dobrar o valor do salário mínimo nos seus quatro anos de mandato.

Pelo que está propondo neste momento, pela dimensão do reajuste que hoje nos submete, isso não ocorrerá nem mesmo se vier a ser reeleito e tiver mais quatro anos de mandato.

Estamos, portanto, diante de mais um estelionato eleitoral. Um escandaloso estelionato eleitoral.

O que nós, da oposição, cobramos, mais até que o percentual de reajuste, é uma política clara e objetiva de reconstitucionalização do salário mínimo. Ou retiramos da Constituição o que lá está conceituado como sendo o salário mínimo ou - o que é mais lógico e moral - fazemos com que o salário mínimo atenda à exigência da Carta Magna e seja posto em patamar mais digno.

O que não é possível é continuar convivendo com essa aberração jurídica, já denunciada pela OAB, de um País inconstitucional.

Meu temor é o de que, a pretexto de recompor o salário mínimo, haja apenas sua desvinculação das aposentadorias, o que levaria a achatá-las ainda mais. Não pode essa conta ser paga pelo aposentado, já perversamente condenado a pagar a conta do rombo da Previdência pela reforma recém-aprovada pelo Governo - e hoje contestada, nesse aspecto, por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

Assim como o governo, a pretexto de combater o desemprego, começa a falar em flexibilização da CLT e em supressão de direitos trabalhistas - o que é gravíssimo -, fala agora em desvincular o mínimo da Previdência para achatar as aposentadorias.

É espantoso que, exatamente no governo do PT - criado e forjado em memoráveis lutas trabalhistas nos anos 70 -, seja-nos oferecida essa agenda retrógrada e injusta, que suprime direitos conquistados à custa de sangue, suor e lágrimas, em décadas e décadas de lutas do sindicalismo brasileiro.

É chocante que o Presidente Lula, a maior liderança sindical da História do Brasil e primeiro trabalhador a chegar ao comando político do País, esteja à frente de um Governo que nos propõe essa agenda lesiva ao assalariado.

Os jornais de hoje fazem menção ao rolo compressor do Planalto que ontem teria obtido, à base de benesses e fisiologismos, a adesão de senadores que se haviam comprometido a rejeitar o salário mínimo de R$260,00.

Prefiro crer que haja exagero por parte do noticiário. Mas aproveito para apontar mais uma contradição do discurso petista, tão crítico no passado à política do rolo compressor e hoje plenamente a ela integrado.

Não tenho dúvidas de que a votação de hoje terá forte cunho emblemático, mostrando quem é quem na efetiva defesa dos interesses do trabalhador brasileiro. É hora de tirar as máscaras e mostrar de que lado cada qual está.

De minha parte, não tenho dificuldades em antecipar meu voto: fico com o salário mínimo proposto pelo meu partido, o PFL, de R$275,00.

Está longe de ser o salário mínimo dos nossos sonhos, mas ao menos atenua o pesadelo do mínimo proposto pelo Governo. E, o mais importante, sinaliza nossa determinação de estabelecer uma proposta eficaz e exeqüível de recomposição e reconstitucionalização desse salário, que hoje resume e expressa a natureza excludente do modelo econômico em vigor.

Deixo aqui estas reflexões, na expectativa de que esta Casa confirme logo mais seu compromisso com o bem-estar e a dignidade do trabalhador brasileiro.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/2004 - Página 18784