Discurso durante a 85ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários ao artigo "Populismo no ensino superior", de autoria do ex-Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, publicado no jornal O Estado de S.Paulo, edição de 30 de maio último.

Autor
Eduardo Azeredo (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MG)
Nome completo: Eduardo Brandão de Azeredo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Comentários ao artigo "Populismo no ensino superior", de autoria do ex-Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, publicado no jornal O Estado de S.Paulo, edição de 30 de maio último.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2004 - Página 18856
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, PAULO RENATO, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), APREENSÃO, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, AUMENTO, DEMOCRACIA, ACESSO, ENSINO SUPERIOR, MOTIVO, RISCOS, QUALIDADE, ENSINO.

            O SR. EDUARDO AZEREDO (PSDB - MG. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, “populismo no ensino superior”: Este é o título do artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo do último dia 30 de maio do corrente e que é assinado por Paulo Renato Souza, ex-Ministro da Educação do Governo Fernando Henrique Cardoso.

O autor, em seu artigo, mostra que as medidas recentemente anunciadas pelo Governo na área do ensino superior podem comprometer a qualidade construída ao longo de várias décadas em nossas instituições públicas de ensino. Isso tudo em nome de uma suposta democratização no acesso a esse nível de ensino.

            Sr. Presidente, requeiro que o artigo acima citado seja dado como lido e considerado como parte integrante deste pronunciamento.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO AZEREDO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Populismo no ensino superior.”

            Populismo no ensino superior

O Estado de S. Paulo

30/05/2004

Três conjuntos de medidas recentemente anunciados pelo governo na área do ensino superior ameaçam interromper o processo de expansão com melhoria da qualidade que se iniciou em 1995 e podem comprometer a qualidade construída ao longo de várias décadas em nossas melhores instituições públicas. Isso tudo em nome de uma suposta democratização no acesso a esse nível de ensino, que já vinha ocorrendo a passos largos sem, contudo, provocar diminuição da qualidade acadêmica. Dois desses conjuntos confirmam os temores que já expressei em artigos publicados neste mesmo espaço:

- Haverá mudanças na realização do Exame Nacional de Cursos, o Provão, agora rebatizado e que passará a ser trienal em cada área e por amostragem, deixando de ser universal para todos os formandos. Desta maneira se compromete gravemente a pertinência de seus resultados para avaliar os cursos superiores e o acesso da sociedade a informações simples e transparentes;

- Anuncia-se que a aprovação de novos cursos dependerá da demanda social em cada cidade ou região. Esta medida restringe a concorrência salutar entre instituições e retrocede a política de ensino superior às velhas práticas do antigo Conselho Federal de Educação, que criaram as reservas de mercado e tantos lucros proporcionaram aos empresários do ensino. Além disso, favorece escandalosamente as antigas universidades privadas, que em função de sua autonomia não necessitam pedir licença a ninguém para abrir novos cursos.

O terceiro, depois de vários balões-de-ensaio lançados, acaba de ser remetido ao Congresso Nacional e define o processo de compra de vagas nas instituições privadas - sob o nome pomposo de Universidade para Todos - e estabelece cotas no acesso às instituições federais. Nas instituições privadas que aderirem ao programa, pretende-se adquirir 10% de suas vagas mediante a isenção de impostos e, nas filantrópicas, pretende-se a ocupação de 20% de suas vagas por alunos oriundos de famílias com até um salário mínimo per capita. As matrículas nas instituições privadas de ensino se expandiram em 116% entre 1994 e 2002, o que significa que estão tendo acesso ao ensino superior segmentos antes excluídos. Os dados do último Provão mostram que cerca de 10% dos alunos das instituições privadas e 20% das públicas são constituídos de pessoas que provêm de famílias que têm uma renda familiar de até três salários mínimos. Estas porcentagens se referem aos formandos, ou seja, aos que ingressaram há quatro anos ou mais no ensino superior. Nos atuais ingressantes as proporções já devem ser bem maiores. O problema aqui, portanto, não é garantir o acesso, mas sim garantir o financiamento ao aluno carente.

A opção adotada pelo governo é a mais atrasada possível: a isenção de impostos ou contribuições. Perdeu-se, assim, uma grande oportunidade para que se desse mais transparência e modernidade à concessão de benefícios sociais, vinculando a retribuição dos educacionais aos serviços efetivamente prestados. Criar novas isenções é ampliar um sistema que tem historicamente estimulado a burla da legislação tributária e a falta de transparência.

Nas instituições federais, pretende-se reservar 50% das vagas a alunos oriundos de escolas públicas. Fosse essa a única determinação, o prejuízo do critério de mérito na seleção para ingresso nas instituições de ensino não seria muito grande, pois se estaria ainda fazendo uma seleção entre os melhores alunos das escolas públicas. Há, contudo, dois pontos adicionais que vão distorcer gravemente o processo de seleção para ingresso nessas instituições: a cota deve ser aplicada no ingresso a cada curso e turno e são estabelecidas subcotas por raça autodeclarada, segundo a proporção em relação à população total registrada no censo do Estado em que se situa a instituição.

A combinação de todas essas variáveis haverá de fazer com que o ingresso nas universidades federais se aparte bastante do que seria se fossem aplicados critérios puramente de mérito acadêmico.

Como também já tive oportunidade de destacar neste espaço, o acesso à universidade só será democratizado de fato quando todos os jovens tiverem condições de cursar um ensino médio de boa qualidade, seja público ou privado. Enquanto não chegamos à eliminação dessas diferenças, devem ser adotadas algumas ações afirmativas importantes que não colidem com o critério de mérito na seleção de alunos. O apoio financeiro a cursos pré-vestibulares gratuitos dirigidos aos pobres, afrodescendentes e indígenas me parece, hoje, a mais oportuna. Isso foi iniciado no governo passado e tem sido seguido, diga-se de passagem, no atual. Para aplicar outras medidas paliativas é preciso estar seguro de que seus efeitos negativos não venham a ser maiores do que o alívio que podem eventualmente proporcionar e que não substituam as soluções definitivas.

Uma boa universidade se faz com bons professores e com bons alunos. Nosso país seguiu até agora um modelo seletivo no ingresso às instituições públicas que garantiu a manutenção de sua qualidade acadêmica. Em outros países latino-americanos, como a Argentina, o México e o Peru, o modelo foi outro. Eliminaram-se os exames de ingresso nas universidades públicas e passaram a ser admitidos todos os alunos formalmente qualificados. O resultado foi a expansão enorme das matrículas e a perda total de qualidade nessas instituições. Nesses países, o ensino de qualidade está nas universidades privadas. Quiçá venha a ser esse o resultado das medidas que o atual governo começa a adotar para as instituições públicas. Neste caso, não seria mais eficaz seguir o modelo de alguns de nossos vizinhos? Pelo menos se estaria beneficiando um maior número de pessoas. 
Paulo Renato Souza, consultor, foi ministro da Educação no governo Fernando Henrique Cardoso, gerente de Operações do BID, reitor da Unicamp e secretário de Educação do Estado de São Paulo no governo Franco Montoro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2004 - Página 18856