Discurso durante a 86ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crítica ao teor da Resolução 11, de 22/3/2004, do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino - FNDE, que regulamenta a lei 10.845, de 5/3/2004.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Crítica ao teor da Resolução 11, de 22/3/2004, do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino - FNDE, que regulamenta a lei 10.845, de 5/3/2004.
Aparteantes
Alvaro Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2004 - Página 18966
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VETO TOTAL, PROJETO DE LEI, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, INCLUSÃO, ESTUDANTE, PORTADOR, DEFICIENCIA, CALCULO, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, ENSINO FUNDAMENTAL.
  • REGISTRO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), GOVERNO FEDERAL, PROGRAMA, COMPLEMENTAÇÃO, ATENDIMENTO, EDUCAÇÃO, PESSOA DEFICIENTE, REPUDIO, INFERIORIDADE, REPASSE, ENSINO ESPECIAL.
  • REGISTRO, EDITORIAL, JORNAL, SOCIEDADE PESTALOZZI DO BRASIL (SPB), INFERIORIDADE, REPASSE, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, COMPARAÇÃO, ESTUDANTE, ENSINO PUBLICO, COBRANÇA, REVISÃO, PORTARIA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC).
  • CRITICA, ATUAÇÃO, TARSO GENRO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), NECESSIDADE, PROVIDENCIA, POLITICA, EDUCAÇÃO.
  • REGISTRO, MANIFESTO, FEDERAÇÃO NACIONAL, ASSOCIAÇÃO DOS PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS (APAE), REPUDIO, INFERIORIDADE, REPASSE, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ENSINO ESPECIAL, ACUSAÇÃO, DISCRIMINAÇÃO, REIVINDICAÇÃO, DIREITOS, IGUALDADE.
  • SOLICITAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, SENADO, LUTA, INCLUSÃO, ENSINO ESPECIAL, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO, ENSINO FUNDAMENTAL, SUGESTÃO, REEXAME, PROJETO DE LEI.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do Orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o assunto que me traz hoje à tribuna é grave, muito grave, estarrecedor até. Refiro-me à regulamentação do Paed - Plano de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência.

Quando o assunto é assistência às crianças deficientes, o governo do Presidente Lula consegue, a cada nova decisão, superar a sua falta de sensibilidade, a sua falta de conhecimento e a sua disposição visivelmente discriminatória para com as crianças deficientes.

Devo rememorar os fatos para que V. Exªs tenham a noção exata do absurdo cometido por esse Governo.

O Senado Federal aprovou, em outubro de 2003, o PL nº 4.853/2001 de autoria do Deputado Eduardo Barbosa, tendo como relator nesta Casa o Senador Flávio Arns, defensor histórico das causas dos deficientes.

O projeto previa a inclusão para o cálculo da distribuição dos recursos do Fundef dos alunos portadores de deficiência regularmente matriculados nas Apaes e casas Pestalozzi em todo o Brasil, bem como em outras instituições que se dedicassem ao aluno excepcional.

Tenho aqui esse projeto, Sr. Presidente. V. Exª o acompanhou também: é o Projeto nº 4.853/2001 na Casa de origem. É um projeto bastante simples - só tinha dois artigos. Um deles modificava a lei que criou o Fundef, dizendo: “As matrículas na educação especial oferecidas por instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva nessa modalidade de ensino, nos termos do art. 70, caput, da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1966, a LDB. Portanto, Sr. Presidente, apenas incluía esses alunos na contagem do Fundef. Era muito interessante, porque são menos de 300 mil alunos que se incluem nessa situação no Brasil, enquanto que o Fundef atende 30 milhões de alunos hoje. O acréscimo para atender as crianças que mais necessitam, que são aquelas que precisam de atendimento especial, seria algo equivalente ao atendimento de 1% a mais no número de alunos.

O que aconteceu com esse projeto? Para surpresa geral, o Presidente Lula, em vez de sancionar, vetou totalmente o projeto. A justificativa - como V. Exªs todos se lembram - seria a de que estariam gastando recursos públicos que, na realidade, não estavam disponíveis. Eram apenas oito milhões de reais, durante um ano, que seriam gastos com esse projeto. Se considerarmos que apenas o avião que o Presidente Lula está comprando custa 176 milhões de reais, esses oito milhões não pagam sequer as cadeiras e a banheira que há no avião.

Assustado com a repercussão negativa do fato e visivelmente constrangido pelo absurdo de seu ato, pois a aprovação do referido projeto havia sido negociada nesta Casa diretamente com o Líder do Governo, Senador Aloizio Mercadante, o Governo editou a Medida Provisória nº 139, de 2003, que instituiu, novamente, o Paed, sob nova concepção, desvinculando-o do Fundef, mas com a promessa de que, através desse programa, seriam repassados recursos para entidades assistenciais na mesma proporção prevista no projeto original.

Ora, Sr. Presidente, o novo projeto, que criou o Programa de Complementação do Atendimento Educacional Especializado, destinado a pessoas portadoras de deficiência e deu outras providências, virou a Lei nº 10.845, de 5 de março de 2004. Ele foi editada inicialmente como medida provisória e, posteriormente, virou projeto de lei. Dizia-se que fora editado para substituir o projeto que havia sido vetado pelo Presidente da República.

Até agora esse projeto não havia funcionado, porque havia a necessidade de ser regulamentado e, para tanto, deveria ser editado um decreto assinado pelo Presidente da República e pelo Ministro da Educação.

Essa regulamentação saiu agora sob a forma de resolução: Resolução do FNDE nº 11, de 22 de março de 2004. A sua fundamentação legal é bastante ampla e apresenta todos os procedimentos necessários para a transferência desses recursos.

Acontece que, na realidade, está previsto aqui, no art.5º, §1º, o seguinte: “O valor devido anualmente a cada escola privada de educação especial será calculado tomando-se como parâmetro o número de alunos nela matriculados segundo o senso escolar realizado pelo MEC do ano anterior ao do atendimento”. E pasmem: o parágrafo primeiro estabelece que o valor por aluno equivalerá a R$33,50 por ano, Senador Alvaro Dias.

Na realidade, o que o Governo vai transferir para essas Apaes, Senador Paulo Paim, é R$33,50 por ano; portanto, é menos de R$3,00 por mês, quando o Fundef, que é pouco, transfere R$564 por ano e todos nós sabemos que isso não dá para colocar o aluno em uma escola de qualidade. Pois fizeram isso tudo, vetaram o projeto original, baixaram uma medida provisória, nós tivemos aqui que aprová-la e depois disso tudo eles agora a regulamentam, transferindo R$33,50 por ano.

Eu gostaria de ler aqui o material que tenho a respeito desse assunto. Este aqui é o jornal da Pestalozzi, que é um dos tipos de associação. Eu lerei apenas o editorial que esse jornal fez. Ele colocou até uma manchete muito mal feita - “Educação especial recebe 94% a menos do que o Fundef paga”. Ora, noventa e quatro a menos representam 6%. Seria muito mais prático se dissessem que recebe 6%. Mas eu lerei o editorial para que V. Exªs entendam qual a idéia dessas pessoas.

Somos diferentes.

A decisão de taxar em R$ 33,50 o valor anual a ser pago por criança matriculada em escolas especializadas deixa claro que, para o Governo Lula, somos realmente diferentes.

Como podem explicar um valor tão absurdo e tão abaixo das expectativas? Qual a matemática dos tecnocratas de Brasília, que conseguem chegar à conclusão de que uma criança que estuda na Apae ou na Pestalozzi deva receber 94% menos do que o mesmo governo paga por uma criança que estuda no ensino regular público?

Depois das idas e vindas do projeto do Paed, depois de veto presidencial ao programa negociado diretamente com a liderança do governo no Senado, e que tinha o aval do então Ministro da Educação, Cristovam Buarque, esperávamos, com sinceridade, um pouco mais de sensibilidade por parte do Governo Lula.

É inadmissível que o governo nos veja como diferentes e nos discrimine, afrontando a Constituição Federal, que abomina qualquer tipo de discriminação. Vamos cobrar do governo revisão da portaria que regulamentou o repasse do Paed e fazer valer nossos direitos.

Queremos condições para continuar a trabalhar no sentido de dar educação de qualidade aos portadores de deficiência, e para isso precisamos de recursos. Ao contrário do que possa parecer para os técnicos de Brasília, não estamos atrás de esmolas.

O Sr. Álvaro Dias (PSDB - PR) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Pois não.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador José Jorge, o pronunciamento de V. Exª ressalta um fato que nos vem chocando: a insensibilidade humana do atual Governo e o seu engajamento em determinados setores em detrimento de outros. E V. Exª traz o valor do repasse a alunos das Apaes neste País. Esse valor, no entanto, contrasta com aquele que revelamos há poucos dias e que o Ministério da Educação repassa ao Iterra em Veranópolis, no Rio Grande do Sul, instituição ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra para alfabetização. Há um valor de R$7,5 mil. Veja o contraste gritante, a diferença enorme, distanciando um valor do outro. Isso revela o engajamento do Governo em determinados setores e o afastamento de áreas eminentemente sociais, que deveriam merecer maior respeito da autoridade governamental. E gostaria de citar um outro dado: as emendas parlamentares. Sou autor de diversas delas beneficiando as Apaes. A maior parte do valor a mim atribuído para repasse por meio de emendas parlamentares foi destinado a essas entidades no meu Estado do Paraná. Pois bem! O Governo não liberou nenhuma delas. Contrastando com o que libera para Deputados e Senadores situacionistas, já que o percentual favorável, por exemplo, ao PC do B, foi de 96% das emendas liberadas; ao PT, 95% das emendas liberadas; ao seu PFL, apenas dois e alguma coisa por cento...

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Menos de dois, Senador!

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Exato! ... e ao PSDB, 1,8% das emendas liberadas. Estou destacando este fato, não só porque realmente o Governo não é um Governo de todos, não é um Governo da Nação, mas um Governo que governa para alguns e não para outros, que discrimina, que estabelece o engajamento visível com determinados segmentos e faz questão de se afastar de outros. E, no plano político, age com essa relação promíscua, em prejuízo de entidades assistenciais, de entidades do porte das Apaes, que prestam extraordinário serviço. Repassei o valor, por exemplo, para a Escola Vivian Marçal, em Curitiba, que é uma escola especial, para a qual o Governo não libera. Portanto, Senador José Jorge, V. Exª tem razão. Associo-me ao discurso de V. Exª, protestando contra esse tipo de comportamento insensível do Governo Federal.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE) - Muito obrigado, Senador Alvaro Dias. Na realidade, trata-se de uma resolução do FNDE, assinada pelo próprio Ministro Tarso Genro. Inclusive, na sexta-feira passada, fiz um discurso bastante crítico em relação à atuação do Ministério da Educação no Governo Lula.

A jornalista Miriam Leitão, há uns 15 dias, fazendo uma avaliação do Governo, escreveu que o Ministro Tarso Genro tinha uma idéia ruim por dia. Infelizmente, tenho que concordar: realmente, todo dia, o Ministério da Educação lança uma idéia ruim para que possamos analisar e acompanhar. É necessário, portanto, que o Governo tome uma providência efetiva sobre a sua política educacional.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou ler também um manifesto sobre este assunto, que foi lançado à Nação pela Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais, que une as Apaes de todo o Brasil.

MANIFESTO

A Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais, associação civil, filantrópica, de caráter cultural e assistencial, atua também nos setores saúde, trabalho e educação, congregando cerca de 2.000 Apaes e co-irmãs, estabelecidas nos mais diversos municípios do Brasil.

É estruturada em 21 federações estaduais e 230 delegacias regionais, que têm a missão de promover e articular ações em defesa dos direitos, na prevenção, orientação e prestação de serviços de apoio à família.

Com objetivos relacionados à melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência e à construção de uma sociedade justa, solidária e igualitária, principalmente por meio da inclusão educacional e da inserção social, vem, por meio de sua Diretoria Executiva, reunida na cidade de Florianópolis/SC, apresentar MANIFESTO DE INDIGNAÇÃO diante do desrespeito à Constituição da República e à legislação vigente, e, ao mesmo tempo, repudiar a discriminação que se constata para com as Escolas Especiais do País, considerando:

1 - que não obstante as atribuições no âmbito da defesa dos direitos e dos interesses desse segmento da sociedade, hoje estimado em 14,48% da população, que se traduz em 24,5 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência;

2 - que 230 mil pessoas com deficiência mental são atendidas nas Escolas Especiais das Apaes;

3 - que os alunos atendidos nas Escolas Especiais não são contemplados com os recursos do Fundo da Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef, diferentemente dos alunos matriculados nas escolas de ensino regular;

4 - que a edição da Resolução nº 11, de 22.03.2004, que regulamenta a Lei nº10.845, de 05.03.2004, que institui o Programa de Contemplação ao Atendimento Educacional Especializado aos Portadores de Deficiência - Paed, na verdade, vislumbra e confirma a prática de discriminação e desrespeito com relação aos alunos atendidos nas Escolas Especiais, que passarão a receber R$33,50 anuais, per capita, sendo que os alunos da rede regular de ensino recebem o valor mínimo anual de R$537,71 (Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série) e R$564,60 (Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série), através do Fundef, conforme Decreto 4.966, de 31 de janeiro de 2004.

É até perigoso falarmos nisso, porque dá impressão de que esses valores do Fundef são altos, o que não é verdade, pois são bastante inferiores à necessidade. Para se colocar uma criança em uma escola de qualidade e melhorar o seu atendimento, precisaríamos de pelo menos R$1 mil por ano, que, aliás, era o valor que o PT, quando da Oposição, defendia, alegando que o Fundef tinha um valor baixo. Portanto, esses valores de aproximadamente R$500,00 são baixíssimos, mas, quando vêm para as Apaes apenas R$33,00, temos a impressão de que são altos.

RESOLVE, por meio do Movimento das Apaes do Brasil, manifestar-se sob protesto, até que os direitos da pessoa com deficiência passem a ser cumpridos, obedecendo ao princípio da igualdade.

Florianópolis, 25 de março de 2004.

Diretoria Executiva da Federação Nacional das Apaes.

Trago esse assunto ao Senado Federal com um certo atraso, mas o fato é que somente agora, por meio do jornal, vim saber desse valor. Na realidade, não sabia que tinha sido um valor tão baixo. Assim, peço a todos que nos movimentemos a fim de que possamos voltar à situação anterior, qual seja, que esses alunos sejam considerados como alunos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef. Isso não muda nada para os alunos do ensino regular, porque, como eu disse, são 300 mil alunos em 30 milhões, portanto 1% deles.

Creio que o melhor caminho para rediscutirmos o assunto é reapresentar o projeto vetado pelo Presidente Lula - e podemos reapresentá-lo, já que foi vetado no ano anterior - e, assim, resolver de todo essa questão. Inclusive, quando esse projeto foi vetado e essa medida provisória editada, eu disse que isso seria um paliativo que não resolveria nada. Qual não foi a minha surpresa quando vi que o paliativo era muito pior do que eu pensava. Eu jamais imaginaria que o Governo tivesse a cara-de-pau - é esta a expressão certa - para retirar esses alunos do Fundef, como retirou com o veto, e colocá-los nesse programa, em que são dados apenas R$33,00 por ano para cada aluno. É um absurdo! Nós aqui, no Senado Federal, da mesma maneira como nos revoltamos com o salário mínimo, vamos nos revoltar com isso também. Portanto, vamos reapresentar o projeto, vamos aprová-lo e, então, mandá-lo para a Câmara dos Deputados, esperando que aquela Casa o aprove, para depois vermos se o Governo terá coragem de vetá-lo novamente.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2004 - Página 18966