Discurso durante a 86ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Justificativas para a votação contrária ao salário mínimo de R$ 260,00. Irregularidade nos pagamentos de supostos débitos do Estado de Mato Grosso do Sul pela Petrobrás.

Autor
Juvêncio da Fonseca (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MS)
Nome completo: Juvêncio Cesar da Fonseca
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL. ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), GOVERNO ESTADUAL.:
  • Justificativas para a votação contrária ao salário mínimo de R$ 260,00. Irregularidade nos pagamentos de supostos débitos do Estado de Mato Grosso do Sul pela Petrobrás.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2004 - Página 18971
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL. ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • EXPLICAÇÃO PESSOAL, VOTO CONTRARIO, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, REAJUSTE, SALARIO MINIMO, PROTESTO, POLITICA SALARIAL, INSUFICIENCIA, VALOR, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO.
  • REPUDIO, CONDUTA, GOVERNO FEDERAL, AMEAÇA, CORTE, VERBA, EMENDA, ORÇAMENTO, AUTORIA, SENADOR, TROCA, VOTO FAVORAVEL, PROJETO DE LEI, EXECUTIVO.
  • REGISTRO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, AUTORIA, ANTERO PAES DE BARROS, SENADOR, SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, PAGAMENTO, DEBITOS, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), ACUSAÇÃO, ILEGALIDADE, PROCESSO, NEGOCIAÇÃO.
  • APRESENTAÇÃO, DOCUMENTO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, PROCURADORIA DA REPUBLICA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), AÇÃO CIVIL PUBLICA, GOVERNO ESTADUAL, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), EFEITO, MOVIMENTAÇÃO, DINHEIRO, AUSENCIA, CONTABILIDADE, RECEITA, ESTADO.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), SONEGAÇÃO FISCAL, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), DESVIO, FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR (FAT), FAVORECIMENTO, PARENTE, GOVERNADOR, ADMINISTRAÇÃO, PORTO MURTINHO (MS).

O SR. JUVÊNCIO DA FONSECA (PDT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dispus-me inicialmente a vir a esta tribuna hoje para fazer um desabafo sobre o meu voto contrário ao salário mínimo de R$ 260,00. Farei uma rápida justificativa e, em seguida, abordarei um tema que considero importantíssimo e atual em Mato Grosso do Sul, que foi trazido ao Senado Federal pelo Senador Antero Paes de Barros: a operação de pagamento de débitos do Estado pela Petrobras.

Sr. Presidente, preciso dizer à população do Brasil e de Mato Grosso do Sul por que votei contra o salário mínimo de R$260,00. Foram dois os motivos. O primeiro porque considero irrisório esse valor. Seriam suficientes R$ 275,00? Sabemos que não. Esse é um processo democrático de contraditório, de luta social e luta política em relação ao qual, a cada ano, nós vamos avançando. Sei perfeitamente que o meu voto pelos R$ 275,00 não significa muito no sentido de recursos para o trabalhador, mas representa o meu protesto contra a continuidade dessa opressão salarial.

O segundo motivo, que considero pior, Sr. Presidente, é que o Governo Federal noticiava todos os dias, quando ia-se avizinhando a votação no Senado Federal, que estava liberando emendas para comprar a consciência e o voto de cada Senador. Isso foi muito ruim para o relacionamento entre o Senado e o Executivo. Aqui estão Senadores, ex-Governadores, ex-Prefeitos, Senadores reeleitos, homens experiente, de comprovada probidade em todo território nacional, que não poderiam, de forma nenhuma, se curvar diante da ameaça de corte de verbas em troca do seu voto. Isso é um absurdo! As minhas emendas estabelecem recursos para a Maternidade de Campo Grande, para a Apae de Campo Grande, para os Municípios do meu Estado. Essas emendas não pertencem ao Executivo, ao Legislativo, não são minhas, nem do Lula, mas infelizmente essa mesquinharia no relacionamento passou dos limites. E graças a Deus votamos contra o salário de R$260,00 e pudemos dar uma lição moral de volta.

O outro assunto que me traz à tribuna, Senador Antero Paes de Barros, é o seu requerimento de pedido de informações sobre a questão dos pagamentos de supostos débitos do Estado para empreiteiras e outros fornecedores por intermédio da Petrobras, que eu acompanhei atentamente. Tenho em mãos a petição inicial da Procuradoria da República que propõe uma ação civil pública cumulada com ação de improbidade administrativa, ante o relato dos fatos.

Para esclarecermos de imediato quais fatos são estes para o pleno conhecimento da população, existiam várias empresas credoras do Estado de Mato Grosso do Sul, empreiteiras, fornecedores de milhões e milhões de reais. Trata-se de um dívida que foi contraída em grande parte pela administração anterior e que vinha se acumulando. Estava muito certo o Governador, Senador Antero Paes de Barros, em querer pagar essas dívidas. Concordo plenamente, porque o Estado tem que honrar seus débitos, seus compromissos. O que fez o Estado? A Petrobras tinha crédito de ICM com o Estado, que, por sua vez, tinha dívidas com empreiteiros e fornecedores. Aproximou-se a Petrobras no sentido de comprar esses créditos, de negociá-los. A Petrobras seria credora, então, do Estado no que diz respeito aos créditos adquiridos e o Estado compensaria no crédito de ICM que teria a receber da empresa. É uma operação triangular que parece até certo ponto justa para o Estado, mas que não foi legalmente procedida. Essa operação tem vícios de ilegalidade e imoralidade, porque tudo que não é legal é imoral, já que a lei se funda na moral e na ética.

O Ministério Público Federal, por intermédio dos Procuradores da República em Mato Grosso do Sul, na sua ação contra diversas pessoas do Governo do Estado e até contra a Petrobras, diz o seguinte - e isso, Senador Antero Paes de Barros, é importante porque talvez V. Exª ainda não tenha em mãos esta documentação que lhe passarei em seguida:

Conforme já ressaltado, a competência da Justiça Federal para o julgamento da ação em apreço resulta do interesse específico da União, haja vista o prejuízo resultante do fato de o Estado do Mato Grosso do Sul vir omitindo receitas correntes líquidas na sua contabilidade.

Essa entrada de dinheiro nos cofres do Estado, para pagamento dos empreiteiros, que era feito diretamente pela Petrobras, não entrava na contabilidade do Estado como receita corrente, mas sim apenas composição do seu patrimônio, lesava o Estado, a União - porque não pagava sua dívida, seu duodécimo que todo mês desconta para a União -, e os Municípios em 25% do recebido; e lesava ainda a cota-parte constitucional da Educação e da Saúde.

Trata-se de irregularidade absoluta e de uma imoralidade, porque o que se fala aqui nesta petição e à boca pequena no Estado é que há a constituição de um caixa 2, porque a Petrobras e o Estado tinham condições de fazer essa negociação, desde que com um possível deságio.

Qual seria a vantagem da Petrobras em fazer uma negociação como esta se não houvesse um deságio no crédito? Mas o deságio não se deu, o pagamento foi feito integralmente.

Ademais, a título de mero registro, vale lembrar que o fato de as compensações autorizadas pelo Estado não estarem sendo contabilizadas como receita corrente líquida (o que, aliás, foi confessado explicitamente pelos réus), acabou por gerar prejuízos não apenas para a União, mas também para os Municípios (que deixaram de receber o percentual de 25% sobre o ICMS) {...}; para o Ministério Público Estadual e para o Tribunal de Contas Estadual, {...} ,gerando efeitos, inclusive, sobre a própria aplicação dos percentuais relativos à Saúde e à Educação.

Ainda que, por absurdo, se viesse a considerar que os pagamentos realizados diretamente pela Petrobras às empresas credoras do Estado (na conformidade das autorizações documentadas), não se tratavam de “ressarcimento” direto efetivado através daquela sociedade de economia mista {...} {estaria contrariando toda a legislação vigente.}

E prossegue a Procuradoria na sua petição:

É certo afirmar, pois, que, sem os registros dos cofres do Estado e sem as devidas contabilizações que a Lei 4.320/64 e a Lei Complementar nº 101/2000, determinam, explicitamente, que os agentes do Estado criaram um verdadeiro CAIXA DOIS, no qual somente algumas pessoas tinham acesso aos “supostos pagamentos” e que não possuíam (nem possibilitavam) o regular controle determinado na legislação. Tal assertiva é corroborada pelo depoimento de alguns dos réus junto à Procuradoria-Geral da República.

E cita os depoimentos. Prossegue:

Note-se que os servidores do Estado acabavam por atuar como verdadeiros gestores das empresas beneficiadas, uma vez que se predispunham até mesmo a procurar a PETROBRAS para que a mesma viesse a ressarcir diretamente as empresas indicadas pelos mesmos (e aqui fica o questionamento: qual o verdadeiro interesse do Estado em deslocar seus servidores até a sede da PETROBRAS para convencê-la da necessidade de ressarcimento direto, de créditos financeiros e tributários, das empresas que o Estado mesmo indicaria?)

Prossegue a Procuradoria-Geral da República.

Imperativo gizar, ademais, que a atitude dos demandados ensejou, inclusive, ambiente propício para a ocorrência de um prejuízo tributário adicional aos cofres da União, uma vez que, com o pagamento “por fora” e sem a devida retenção do imposto de renda na fonte e sem a respectiva comunicação à Receita Federal dos pagamentos efetuados pelo Estado às empresas credoras, o controle e a fiscalização tributários dessas operações restaram enfraquecidos. A esse respeito, mister destacar o trabalho desenvolvido pela Secretaria da Receita Federal em Mato Grosso do Sul, a qual, auditando sete das empresas beneficiadas com essa forma de pagamento dos seus créditos em face do Estado, apurou que, efetivamente, não houve registro da operação no caixa das mesmas [nenhum registro, Sr. Presidente!] fato que levou ao lançamento dos impostos inerentes. O quadro abaixo demonstra a vultosa quantia envolvida nas sete empresas já auditadas e devedoras de impostos da União.

Faz, então, todo o relatório das empresas, mostrando todas as empresas que se beneficiaram, sendo que a soma total de todos os créditos pagos por meio da Petrobras chega a R$80 milhões.

Cabe mencionar que, dentre as empresas beneficiadas, encontrava-se inclusive uma “que já não estava em atividade desde 1998 e que não possuía seus livros fiscais, como constatado pela Auditoria da Receita Federal, quando do levantamento dos impostos devidos pela mesma (oportunidade em que foi realizado o lançamento)”.

Ouçam o que diz um funcionário do Estado:

Em atendimento à intimação, o contribuinte alegou estar com suas atividades paralisadas desde dezembro de 1998 [quem o diz é a gerência da empresa], e, devido a esse fato, ocorreu o extravio de todos os seus livros e documentos contábeis. O ocorrido enquadra-se na hipótese de arbitramento do lucro previsto no inciso III do art. 47 da Lei nº 8.981/95.

Isso comprova essencialmente que o Estado pagou até para empresas que nem sequer em atividade se encontravam, cujos livros sumiram, desapareceram e que facilitaram a fraude.

Ouçam o depoimento do servidor público estadual Paulo Roberto Duarte, Secretário de Receita e Controle do Estado do Mato Grosso do Sul, candidato a Governador, apoiado pelo atual Governador:

O benefício do Estado era quitar suas dívidas e, caso o valor do ICMS devido pela Petrobras entrasse no caixa do Estado, haveria uma vinculação com o pagamento das dívidas com a União e repasses legais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, verifiquem como está operando o Estado de Mato Grosso do Sul. Disponho de alguns dados do Tribunal de Contas do Estado, com referência às contas de 2002, que constam do relatório de 2003.

Diz o Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul o seguinte, analisando as contas do Governo estadual:

As demonstrações contábeis da prestação de contas do Governo não foram apresentadas, conforme dispõe o art. 50 da Lei de Responsabilidade Civil.

Há desorganização, há falta do atendimento das regras legais. Onde está a Lei de Responsabilidade Fiscal?

Ainda o Tribunal de Contas do Estado:

Não destaca na demonstração das variações patrimoniais a origem e o destino dos recursos provenientes da alienação de ativos - art. 50 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Foi justamente aí, nas variações patrimoniais, que o Estado contabilizou a negociação entre Petrobras e os seus credores.

Diz mais o Tribunal de Contas do Estado: “Empenho de despesas, sem saldo de dotação suficiente para a mesma.” No Estado de Mato Grosso do Sul já se empenha sem dotação orçamentária suficiente. Insuficiência dos controles sobre os créditos tributários manifestados do elevado cancelamento de valores inscritos em dívida ativa”. Cancela-se dívida por ineficiência dos controles do próprio Estado.

“Na despesa com educação, procedendo-se às exclusões necessárias, constata-se que o Governo do Estado aplicou na manutenção e desenvolvimento do ensino a importância de R$314 milhões; a menor, ficando, portando, abaixo do valor mínimo constitucionalmente constituído”.

Já estava faltando com a educação do seu povo em 2002. E faltava também investir em educação, tendo em vista essa operação da Petrobras, porque a cota constitucional não era repassada e as despesas não eram feitas pelo Estado. Com isso, o gestor estadual não cumpriu o mandamento constitucional expresso no art. 212 da Carta magna e no art. 198 da Constituição Federal, apesar de alguns artifícios, restando, para posterior aplicação, sem prejuízo das penalidades legais, R$44,250 milhões.

E finaliza, entre tantas outras recomendações do Tribunal de Contas do Estado. Pediu que se adotassem providências para o correto cálculo da receita corrente líquida.

Como o Estado atenderá essa recomendação do Tribunal de Contas do Estado, se ele não quer, de forma nenhuma, que a contabilidade da receita corrente líquida seja correta, para que possa fazer as artimanhas contábeis denunciadas pelo Senador Antero Paes de Barros e que estamos abordando hoje?

Houve uma diferença, a menor registrada, na receita corrente líquida de R$187 milhões. Essa operação da Petrobras é de R$80 milhões, mas a irregularidade chega a R$187 milhões.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, falei rapidamente, mas precisava me posicionar, da tribuna do Senado, em relação ao problema denunciado pelo Senador Antero Paes de Barros. O nosso Estado não pode continuar nessa direção. A questão da Petrobrás, a questão do mosaico, hoje conhecida como a trama na área fiscal do Estado para a sonegação muito grande do ICMS que está ocorrendo; é o rombo do FAT, que comprometeu secretários, demitidos e, depois, readmitidos, mas com nenhuma defesa que pudesse ser convincente, e o que é pior e que vem à tona agora: o nepotismo não no emprego, mas na atividade econômica, com o Sr. Governador favorecendo seus irmãos e parentes mais próximos em Porto Murtinho. Aliás, essa questão foi mencionada ontem em um programa da TV Bandeirantes, em que foi entrevistado o Governador, o qual estava irritado, nervoso, mas que não soube explicar: “Não, mas para meu irmão, para o meu outro irmão, para meu cunhado, para minha cunhada é legal. Se é legal, é moral”.

O povo de Mato Grosso do Sul não agüenta mais. Essas irregularidades estão aflorando, estão acontecendo a cada dia. É preciso que haja um basta. A nossa esperança é que a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal ajam com a lisura de sempre, em favor da defesa do Erário público sul-mato-grossense.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2004 - Página 18971