Discurso durante a 86ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reitera posicionamento em favor de um salário mínimo maior.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL.:
  • Reitera posicionamento em favor de um salário mínimo maior.
Publicação
Publicação no DSF de 22/06/2004 - Página 18984
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • IMPORTANCIA, POSIÇÃO, SENADO, APROVAÇÃO, REAJUSTE, SALARIO MINIMO, SUPERIORIDADE, INDICE, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL.
  • ANALISE, EVOLUÇÃO, DESVALORIZAÇÃO, REDUÇÃO, PODER AQUISITIVO, SALARIO MINIMO, BRASIL.
  • ANALISE, INFLUENCIA, SALARIO MINIMO, ECONOMIA, REFORÇO, MERCADO INTERNO.
  • REITERAÇÃO, POSIÇÃO, ORADOR, DEFESA, AUMENTO, VALOR, SALARIO MINIMO, CONTESTAÇÃO, ALEGAÇÕES, IMPOSSIBILIDADE, REAJUSTE.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Serys Slhessarenko; Srªs e Srs. Senadores, li os jornais publicados no fim de semana e, apesar de mais uma vez me dizerem para eu não falar mais sobre o salário mínimo, não há como evitar o assunto. Por isso, hoje pela manhã, escrevi o pronunciamento que passo a ler rapidamente.

O Senado da República reviveu, na semana passada, ao aumentar para R$275,00 o valor do salário mínimo, pela simbologia, os dias de glória que marcaram este plenário na segunda metade da década de setenta, transformado no maior e mais importante palco do cenário nacional. Nesta tribuna, àquela época, revezavam-se - e eu assisti - nomes como os de Paulo Brossard, Marcos Freire, Itamar Franco, que, na defesa de seus princípios, colocaram seus mandatos a prêmio.

Ainda hoje, retornando de Porto Alegre, tive a alegria de encontrar o ex-Senador Paulo Brossard, que fez sua estréia neste plenário anunciando que não abdicaria de suas convicções, ainda que isso pudesse custar-lhe o mandato.

“Não sei se o meu mandato será de oito anos, de oito meses ou de oito dias”, desafiava Brossard em sua luta intransigente pela redemocratização do País.

Naquela época, pesava sobre a cabeça dos Parlamentares a ameaça da perda do mandato; hoje, a ameaça é da perda da legenda.

Hoje, na defesa de um salário mínimo maior para a população, como ontem, na defesa do Estado de Direito, esta Casa confirma a sua posição de vanguarda quando se trata de defender os interesses maiores da Nação.

Assim, não podemos aceitar as insinuações de que o Senado é uma instituição conservadora e, por isso, deveria - vejam bem - ter aprovado um salário mínimo maior.

Desde quando, ao longo da História, da Revolução Francesa à Revolução Industrial, defender liberdades e melhores condições de trabalho é sinônimo de conservadorismo? Essa é a pergunta que fica.

Estão invertendo o significado das palavras e o sentido das coisas, quando querem tachar de conservadores os que votaram por um salário mínimo maior, que resultará, sem sombra de dúvidas, em melhores condições de vida para os trabalhadores. É uma inversão total de valores.

Tive que ouvir, em uma rádio de Porto Alegre, um cidadão do Congresso dizer o seguinte: “O Paim é incoerente, porque, quando em campanha, no palanque, defendia um salário mínimo maior e, agora, votou por um salário mínimo maior!” Tive que ouvir isso! Quer dizer que quem defende um salário maior e vota por ele é incoerente? Parece que o certo é defender um salário mínimo maior e votar em um menor! Veja a que ponto chegamos! Isso é deseducativo! É uma contradição enorme! Quem me está ouvindo neste momento ou me assistindo não está entendendo nada: quem prega um salário maior deve votar em um salário maior! Bom, o argumento era este: “Quem prega um salário mínimo maior tem que defender um salário mínimo menor”.

Ser progressista é tomar atitudes como esta Casa fez na semana passada, votando, por ampla maioria, democraticamente, pelo valor maior, e respeitando, como faço sempre, quem votou por um valor menor.

Da mesma forma, não vou aceitar a infeliz comparação, que tive que ler em alguns jornais, entre a vitória dos trabalhadores nesta Casa e a batalha final dos aliados para vencer os nazistas. A vitória dos trabalhadores não pode ser interpretada como se fosse derrota do Governo. Da mesma forma que não podem ser tachados de nazistas os que defendem um salário mínimo maior. Isso eu não aceito.

Mas, já que tocaram nos aliados, que seria da França subjugada pelas patas nazistas, à época da Segunda Guerra Mundial, e vendo boa parte de suas elites acovardadas ante o invasor, se não fosse a ensandecida e obstinada luta da Resistência? A comunicação histórica da Resistência com o povo se dava pelo dobrar dos sinos. Imaginem quanto aborrecimento não causaram esses heróis, considerados imprudentes e irresponsáveis principalmente pelos defensores da “governabilidade da República de Vichy”. Estou me referindo a eles. Nada a ver com o momento da história.

Defender um maior poder de compra para o salário mínimo, a meu ver, é impulsionar a economia. É isso que dá dinamismo ao próprio capitalismo, pois salário maior aumenta o consumo, as vendas, a produção, o trabalho, a arrecadação dos governos.

Quando foi criado, em 1940, por Getúlio Vargas, o salário mínimo valia em torno de R$600,00. Chegou a valer R$700,00 na época de Juscelino Kubitschek.

O reajuste do salário mínimo sempre foi e continua sendo a principal referência de todos os assalariados brasileiros.

Estudo do economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas, mostra que, para cada 10% de reajuste no salário mínimo, diminui em 5% a pobreza no País.

É bom lembrar quem, no Brasil, dois terços da população vivem com uma renda de até um salário mínimo. O salário mínimo no Brasil é um dos piores do mundo. Só como exemplo, o da Venezuela é de US$170. No Uruguai, no Paraguai, na Argentina e no Chile, vai de US$180 a US$250. No Brasil, é de pouco mais de US$80.

Nos países em desenvolvimento, o salário mínimo cumpre o papel fundamental para distribuir renda e gerar emprego. Tanto que o mínimo está entre US$900, US$1000 a US$2000. Enquanto, aqui, nós ficamos sonhando em atingir um dia um salário mínimo de US$100.

            É preciso entender que o salário mínimo ajuda a economia dos Municípios brasileiros, não apenas no Nordeste. Em 70% dos Municípios, inclusive no Estado de São Paulo, o dinheiro dos aposentados que recebem um salário mínimo ultrapassa a transferência do famoso Fundo de Participação dos Municípios. Citamos o Nordeste porque a maioria da população depende exatamente da aposentadoria para poder tocar a economia local.

            O salário mínimo repercute positivamente sobre os pisos regionais, pisos das categorias, cargos e salários das empresas, e na economia informal. Sobre os vencimentos de 22 milhões de aposentados e pensionistas - o que não é pouco -, sobre o seguro-desemprego, bolsa família, bolsa escola etc. Até a Justiça de Pequenas Causas utiliza o salário mínimo para cálculo das indenizações.

Cada real acrescido ao salário mínimo injeta R$198 milhões na economia. Se o salário mínimo fosse para R$300,00, como propus, nós teríamos R$11 bilhões a mais circulando na economia. Com isso, o salário mínimo estaria fortalecendo o mercado interno e gerando emprego e renda.

É inacreditável que o Governo aceite reajustes dos mais variados percentuais para todos os setores da economia, menos para o salário mínimo. Se observarmos categorias organizadas, em relação às quais não tenho nada contra, houve reajuste salarial de até 35%. Enquanto para o salário mínimo alegam que não é possível, que só podem conceder para o aposentado um reajuste de, no máximo, 4,53%, e para o salário mínimo 8,8%.

Isso chega a ser desumano, já que estamos falando de fome e de miséria.

Assusta-me, Senadora Serys Slhessarenko, que parte das esquerdas, que historicamente defende o salário mínimo, agora taxe de conservadores os que querem distribuir renda e falam em reajuste do salário mínimo. Aí não entendo mais nada. Então é demagogo quem fala em R$175,00, quem fala em R$180,00, quem fala em R$300,00? Se eu defendesse aqui o salário mínimo do Dieese, aí seria uma outra discussão. Mas ninguém está falando nisso, estamos falando em R$15,00, R$20,00, e aí nos chamam de conservadores.

A contradição é tanta que dá a impressão de que vale tudo na disputa eleitoral. E depois fica o dito pelo não dito.

Mais uma vez, quero reafirmar que é possível, sim, conceder um salário mínimo maior, de até R$300,00. Apresentamos mais de dez fontes de recursos. Não vou repeti-las todas aqui outra vez, no meu pronunciamento descrevi as dez fontes de recursos: Cofins, CPMF, desvios nos últimos cinco anos do dinheiro da seguridade para outros fins, que foram quase R$ 40 bilhões. Reafirmo que acredito muito na recuperação do valor do salário mínimo e continuarei apresentando e defendendo essa proposta.

Na última sexta-feira, apresentei um projeto de lei estabelecendo que o salário mínimo seja corrigido uma vez por ano, de acordo com a inflação e pelo dobro do percentual de variação do PIB. Se o País ficou mais rico, por que não pensarmos nos mais pobres? Se o País crescer 2%, concede-se um reajuste, para os mais pobres, de 4% de aumento real. Se crescer 5%, os mais pobres ganharão 10% de aumento real acima da inflação.

            Senador Cristovam Buarque, ainda no dia de hoje ouvi um aparte de V. Exª. Concordo com o conjunto da obra. Tenho claro que é preciso um investimento no social, mas também no salário mínimo. Temos que caminhar nessa direção. Caso contrário, daqui a alguns dias, chamaremos de progressistas quem quiser reduzir o valor do salário mínimo, quem sabe para R$240,00, R$200,00, R$180,00, R$150,00, e quem quiser aumentar o valor da bolsa escola. Sei que não é a posição do Senador Cristovam Buarque, a quem, inclusive, agradeço o tempo a mim cedido. A posição do Senador Cristovam Buarque é a de, efetivamente, distribuir mais. Citei apenas como exemplo a bolsa escola, que, ao lado do salário- família e do seguro desemprego, está ligado ao salário mínimo. Se o salário mínimo ficar arrochado, naturalmente, não haverá essa distribuição de renda.

Quero deixar bem claro - porque sei que vamos nos reunir amanhã, Senadora Serys Slhessarenko - que, em nenhum momento, estou chamando de nazista quem votou em R$260,00. Quem votou assim o fez de acordo com sua consciência e na expectativa de que possa melhorar. Não vou aceitar, também, que chamem de nazista e conservador quem votou em um valor de R$275,00. É deseducativo. Quem está assistindo à TV Senado poderá dizer, por exemplo, quem é coerente com o que pregou ontem - e o Senador Cristovam Buarque foi coerente porque demonstrou muito bem as suas posições - e como vota na Casa. O que é, então, coerência e incoerência?

Com essa fala rápida, Srª Presidente, deixo registrada mais uma vez a minha posição. Tenho enorme respeito a todos os Senadores, os que votaram contra e os que votaram a favor, porque isso é democracia. Respeitem quem pensa diferente. Eu respeito e a Bancada sabe disso por todos os debates de que participei.

E o Senado, inclusive, foi generoso com a minha posição. Na última quarta-feira falei desta tribuna durante 50 minutos. Sabia, pelos números, que venceria o valor de R$275,00. Isso não significa que foi derrotado o Governo. Avisamos o Governo na quarta-feira. Pelos meus cálculos, Senadores Antonio Carlos Magalhães, Cristovam Buarque, Ramez Tebet, todos os presentes, seriam 47 votos. Como dois Senadores faltaram, porque estavam viajando, e um se absteve, o total foi de 44 votos. Senão, seriam 47 votos a favor dos R$275,00.

Até o último momento eu tive boa vontade - e a Senadora Serys Slhessarenko e o Senador Flávio Arns foram testemunhas. Quando o Presidente do Partido, José Genoíno, nos ligou, eu avisei que o Governo poderia perder por uma diferença muito grande e sugeri que conversassem com a Situação e com a Oposição - o Senador Antonio Carlos Magalhães estava perto e me ouviu dizer isso - para que encontrássemos uma saída e o entendimento prevalecesse. Mas não foi possível!

Por isso espero que o desgaste não seja ainda maior. Calculem V. Exªs se a Câmara dos Deputados retirar os R$15,00 que a população está já contabilizando? Mal ou bem, como alguém já disse, R$10,00 R$15,00 R$20,00 ou R$30,00 a mais, para quem não tem nada no bolso, são valores que, no mínimo, têm de ser respeitados.

A população já está contabilizando pelo menos mais R$15,00. E, agora, a Câmara vai retirar R$15,00 de quem recebe um salário de fome - porque todos sabemos que o salário mínimo, no Brasil, ainda é um salário de fome? É o pior do mundo! Eu não consegui ninguém que me provasse o contrário. Será que só nós estamos certos em manter o nosso povo com um salário mínimo em torno de US$80? Com certeza, não.

Na Câmara dos Deputados, já havíamos alertado para esse quadro. Telefonamos para aquela Casa e avisamos: “Não votem”! Avisamos a todos os Líderes. “Se os senhores votarem, a Câmara vai acabar, mais uma vez, em uma situação difícil, porque o Senado vai aprovar um valor maior - o Senador Cristovam Buarque estava presente quando dissemos isso”. Infelizmente, não houve essa possibilidade de diálogo, e a Câmara votou.

Portanto, neste momento, a Câmara deve referendar, segundo o meu entendimento, o que foi aprovado pelo Senado, e o Presidente deveria sancionar a matéria. Assim, encerraríamos a discussão. E vamos trabalhar, então, para que, no ano que vem, o salário mínimo seja bem superior ao que foi aprovado neste ano. Do contrário, para mim, o desgaste continua. É um desgaste da Câmara; queiramos ou não, é um desgaste do Partido e é um desgaste do Governo. Democracia é isto: “Prevaleceu a vontade da maioria”.

O Senado, e não só eu, apresentou as fontes de recursos. O Governo usa essas fontes, garante os R$275,00 pelo menos e vamos trabalhar para um projeto definitivo a partir do ano que vem. Assim, estaremos evitando este debate, que é dolorido para todos nós. Noto que ninguém está aqui feliz, alegre. Se tivéssemos aprovado R$300,00 e o mesmo percentual para os aposentados e pensionistas, seria outra a discussão. Avançamos um pouquinho só, mas isso simbolicamente demonstra que o Senado tem compromisso com o povo deste País.

Obrigado, Srª. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/06/2004 - Página 18984