Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento do ex-governador Leonel de Moura Brizola.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento do ex-governador Leonel de Moura Brizola.
Publicação
Publicação no DSF de 23/06/2004 - Página 19030
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, LEONEL BRIZOLA, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA (PDT), ELOGIO, INTEGRIDADE, LIDERANÇA, ATUAÇÃO, POLITICA, EMPENHO, DEFESA, INTERESSE NACIONAL.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o Brasil tem muitos políticos, mas raros são aqueles entre nós que ficam na história como líder. Brizola foi um deles. Temos alguns líderes, mas poucos, entre eles, podem apresentar um histórico de 50 anos de luta. Brizola foi um deles. Desses, raros foram às ruas combater com armas, quando necessário, as forças golpistas dos militares. Brizola foi um deles. Desses, poucos tiveram uma vida inteira de clara honestidade e austeridade. Brizola foi um deles. Entre esses, raríssimos foram, ao longo de 50 anos, coerentes no compromisso nacional e trabalhista ao lado do povo. Brizola foi um deles. E, entre esses raríssimos, que não devem chegar a mais de 10 durante os 500 anos de nossa história, apenas um carregou, ao longo de sua luta, a bandeira da educação de nossas crianças como a cruzada de sua vida. Brizola foi esse.

Brizola foi o único que juntou a liderança e 50 anos de luta à valentia de combater nas ruas, o que era preciso, sempre nacionalista e trabalhista, carregando a bandeira da educação das nossas crianças. Brizola vai fazer uma falta enorme no cenário nacional.

Diz-se que nunca esquecemos nosso primeiro voto, mas nem sempre nos orgulhamos de lembrá-lo. Tenho a honra de dizer que me orgulho por que meu primeiro voto para Presidente da República foi dado a Leonel Brizola. Da mesma forma, orgulho-me em dizer que meu primeiro voto majoritário para Governador foi dado ao Dr. Miguel Arraes de Alencar.

No tempo em que dei o meu primeiro voto a Brizola, sem ter qualquer filiação partidária, lutei ao lado de Fernando Lyra e Darcy Ribeiro pela eleição de Brizola. Eu tinha o maior respeito pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que, durante a campanha, veio à minha casa com Luiz Carlos Sigmaringa, que conversou comigo para convidar-me a participar de sua campanha. Naquele momento, porém, deixei claro que via no PT o único partido para um dia conduzir o destino do Brasil e completar a revolução estancada desde 1888 e 1889, mas que, naquele momento, em 1989, o PT não estava pronto e que seu programa de governo se concentrava na economia e nos salários. Já o de Brizola se concentrava na educação, para conduzir os destinos do Brasil de forma nacionalista e trabalhista.

Quinze anos depois, estou convencido de que eu estava certo. A eleição de Brizola em 1989 teria permitido a virada responsável à esquerda de que o Brasil e a América Latina precisavam, nas vésperas da aventura neoliberal iniciada por aquele que venceu as eleições.

Brizola teria significado uma posição forte no cenário internacional, a reorientação nas prioridades em direção à educação, a responsabilidade na gestão pública, o exemplo de vida austera e honesta. Esse significado não era fruto apenas de uma esperança, em 1989, para o futuro, mas da observação da vida que ele tinha demonstrado por quase 40 anos. Brizola deixa um exemplo a todos nós por sua valentia, coerência, austeridade e compromisso com a educação.

Sua passagem pela Prefeitura de Porto Alegre e pelo Governo do Rio Grande do Sul deixa essas marcas. Até hoje, o Rio Grande do Sul apresenta os melhores índices educacionais de todo o Brasil. Sabemos que há outras razões para isso, mas sem dúvida foram fundamentais as ações daquele Prefeito e Governador que, 50 anos atrás, deu prioridade às escolas e investiu no futuro por meio da educação das crianças de sua cidade e de seu Estado.

Foi ele também que, ainda naquele tempo, valorizou uma palavra que a política brasileira nem sempre gostou de usar: o “não” contra os poderosos. Ele não caiu na tentação de entrar na onda. Ele foi contra a onda do golpe. E não surfou nela. Enfrentou-a, desafiou-a e construiu um mito da Resistência pela democracia. Minha geração despertou com o discurso do Brizola na rede da legalidade.

No exílio, comportou-se com dignidade e combatividade. Não descansou nem se dobrou, duas tendências comuns entre os condenados à vida do exílio. Lembro-me dos dias em que, expulso de Montevidéu, ele chegou a Nova Iorque e foi morar em um pequeno hotel, onde o localizei e convidei para uma reunião. Tinham-se passado poucos dias de sua inesperada expulsão. Mesmo assim, ele aceitou o convite e viajou para uma conversa com brasileiros que não tinham qualquer expressão política, apenas porque éramos brasileiros, e ele queria falar, ouvir e organizar a luta pela democracia.

Voltou ao Brasil sem fazer qualquer concessão e, em pouco tempo, era outra vez Governador, no Rio de Janeiro. Vinte e cinco anos depois de quando começou, repetiu a mesma prioridade à educação, com o mesmo firme discurso por uma saída nacional em defesa do Brasil e de seu povo. Vinte e cinco anos se passaram sem que Brizola mudasse, porque ele tinha uma coerência dentro de sua alma. Trouxe o óbvio que nenhum líder nacional viu e ainda hoje é ignorado: o direito de toda criança ter escola em horário integral. Defendeu e implantou com Darcy Ribeiro os Cieps, que, se tivessem sido levados a todo o País, teriam feito um Brasil diferente, não por sua arquitetura, mas por seu compromisso de dar a toda criança uma escola em horário integral.

Como candidato a Presidente, Brizola centrou sua campanha no resgate da nacionalidade e na defesa da escolaridade. E teria feito isso se tivesse ganho em 1989. Ele sabia que a Nação é fabricada pela escola, pelos professores. Sabia que um marechal pode proclamar a República, mas só um exército de professores bem preparados, motivados e bem remunerados é capaz de construí-la. Ele sabia e denunciava que a desigualdade na escola faz a desigualdade na sociedade. Ele sentia que o berço da desigualdade está em como a escola é desigual desde o berço.

Aproveito, Sr. Presidente, para dar uma oportunidade ao Senador Mão Santa para falar, conforme solicitou.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney. PMDB - AP) - No encaminhamento, não é permitido aparte.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Perdeu, então, Sr. Presidente, uma eleição, perdeu outra e aceitou o que dificilmente um líder de sua estatura aceitaria. Com modéstia, foi ser vice de um político quase trinta anos mais jovem, a quem ele havia enfrentado e que o tinha derrotado poucos anos antes. Esse gesto de modéstia demonstra seu caráter pessoal. Mas, acima de tudo, é um gesto de um político com amor ao País e disposição para servir ao seu povo. Abriu mão de todas as vaidades, porque sabia que naquele momento era a vez do jovem metalúrgico substituir o velho engenheiro na condução dos interesses nacionais e dos trabalhadores.

Com a mesma coerência com que foi vice, ele passou à oposição ao Governo Lula quando sentiu que, na sua opinião, o Governo não estava dando prioridade à educação, aos setores populares, não defendia a nacionalidade com o vigor que ele queria.

E morreu, Sr. Presidente, criticando, seguindo o que sua consciência lhe dizia. Ligou-me duas ou três vezes, nesses meses recentes, para confessar sua frustração com o presente que o Brasil enfrenta. Mas, depois de segundos de começar a dizer de sua frustração, sua fala já era de otimismo e de luta pelo futuro do Brasil.

Foi um combatente incansável e coerente com as boas causas da Nação e do povo como raramente se vê; e foi, principalmente, um combatente pelas crianças, nas quais ele via o futuro ser construído nas escolas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nossa mensagem final deve ser: Descanse, Brizola, você merece. O Brasil não vai esquecê-lo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/06/2004 - Página 19030