Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento do ex-governador Leonel de Moura Brizola.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento do ex-governador Leonel de Moura Brizola.
Publicação
Publicação no DSF de 23/06/2004 - Página 13032
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, LEONEL BRIZOLA, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA (PDT), ELOGIO, INTEGRIDADE, VIDA PUBLICA, LIDERANÇA, ATUAÇÃO, POLITICA, EMPENHO, DEFESA, INTERESSE NACIONAL.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Para encaminhar a votação. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, a morte de Leonel Brizola dá a dimensão muito exata de que certos homens públicos têm, eles próprios, um tamanho, uma dimensão acima dos mandatos formais. Ele acabou de ser derrotado na disputa pelo Senado da República no Rio de Janeiro, colocando-se num aparentemente bisonho quarto lugar, e, de repente, sua figura imensa avulta sobre a cena nacional.

Ouvi os Senadores discorrerem sobre a personalidade de Brizola, sobre seus governos, e eu nem sequer gostaria de me deter nos seus governos, de ficar cotejando suas idéias com as do meu Partido, de dizer se concordava ou não com elas.

O que para mim realçava em Leonel Brizola era a figura do polemista, a figura do homem público íntegro que não dobrava sua coluna vertebral diante de poder algum. Essa era a verdade nua e crua dos fatos. Brizola encantava e seduzia pela capacidade de dizer “não” muito mais que pela sua dificuldade de dizer “sim”.

Eu me punha a rememorar certos eventos protagonizados por ele, como a cadeia da legalidade, em 1961. João Goulart tomou posse na Presidência da República graças à resistência oposta à tentativa de golpe militar dos três ministros militares, liderada por Leonel Brizola, contagiando como contagiou, com sua liderança, o General Machado Lopes e o alto Comando do III Exército. Aceitou a contragosto a fórmula parlamentarista que a índole conciliatória de Jango com ela concordara por entender que qualquer coisa seria melhor que o derramamento de sangue.

Depois, vem todo aquele episódio do Governo João Goulart. Nesse caso, sinceramente, não sei de dá para dizer que Brizola tenha agido com justeza política em todos os episódios.

Meu pai era líder do Governo Goulart no Senado e era a favor, claramente, do estado de sítio, negado a Jango por lideranças trabalhistas importantíssimas, como Leonel Brizola, Miguel Arraes de Alencar e Almino Afonso, entre tantos outros. Meu pai entendia, de maneira bem pragmática, que, primeiro, não se fugia da Constituição com estado de sítio; segundo, que estava em marcha um golpe, sim, liderado, na parte civil, pelo Governador da Guanabara, Carlos Lacerda, pelo Governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, pelo Governador de São Paulo, Ademar de Barros. O sítio seria a forma que Jango teria de destronar os três conspiradores e de, com isso, aspirar a chegar ao final do seu Governo.

A resistência interna foi tão grande - refiro-me novamente às três figuras simbólicas: Almino Afonso, Miguel Arraes, Leonel Brizola - que Jango não teve outra alternativa a não ser retirar a mensagem que propunha o estado de sítio.

Depois, vem o Golpe de 64. A radicalização que ele propunha pode - quem sabe - ter dado ensejo, ter dado oportunidade, ter dado espaço para o avanço da trama golpista. Agora, uma coisa é verdade. Por ele, João Goulart teria resistido.

Parece-me, Sr. Presidente, que havia uma dicotomia muito grande de posições entre os dois. Ninguém me convence do contrario. Noutro dia, jantando com sua viúva, Dona Maria Tereza, e com seu filho, João Vicente, na residência do nosso colega Senador Tasso Jereissati, ao lado do Senador Pedro Simon, João Vicente, de certa forma confirmou essa suspeita minha. João Goulart imaginava que não haveria o Ato nº 1, que não haveria - talvez cassação de mandato, sim - suspensão de direitos políticos, que não haveria esse exílio que, para alguns, foi externo e foi doído e que, para outros, foi interno e doloroso.

Brizola antevia que o golpe vinha para se transformar em ditadura. Não vinha para fazer mero alerta nem para repor o Brasil nos trilhos que a política conservadora recomendava.

João Goulart foi apanhado pela edição do AI-5 e pela suspensão de seus direitos políticos, fazendo uma pescaria em território brasileiro, segundo seu filho João Vicente nos relatou. Brizola, naquele momento, queria ser nomeado por Jango Ministro da Justiça e queria liderar o combate, o enfrentamento militar ao golpe no Rio Grande do Sul, onde havia a figura brava e legalista do General Ladário Pereira Telles, Comandante do III Exército.

Brizola era o polemista, o líder político, acima do detentor de mandatos, irrelevante se foi Presidente da República ou se não foi, completamente irrelevante se foi ou não foi Presidente da República, completamente irrelevante se perdeu ou ganhou a eleição para Senador do Rio de Janeiro, completamente irrelevante se venceu duas ou três eleições para Governador de Estado; relevante era sua figura, era a saúde cívica e civil que fazia dele alguém fascinante a meus olhos.

Eu olhava seu ideário econômico sem concordar com quase nada; eu olhava seu sistema tático-político e discordava de quase tudo. Mas sinceramente a figura de Brizola a mim me seduzia, a mim me encantava, a mim me surpreendia a cada momento.

Encerro, Sr. Presidente, dizendo que encaminhei um requerimento que se soma a tantos outros de homenagem ao Governador Leonel Brizola.

Lembro que, recentemente, visitei com o Presidente de meu Partido, Senador José Serra, o Presidente do PDT Leonel Brizola. Tive a impressão de que ele padecia de algum mal, porque estava visivelmente menor em estatura física. Comentei com Serra, dizendo: “Olha, Serra, o Brizola me dá a impressão de que, em dois anos, em cinco anos no máximo, nos deixa, a não ser que, em gesto muito coerente com a sua própria vida, resolvendo contrariar a sua própria natureza, ele resolva ficar mais uns 20.” Parece que ele não resolveu optar por esse caminho de luta e acabou até se antecipando aos dois anos que parecia um mau agouro na minha percepção sobre a saúde, sobre a sua sobrevida, sobre a sua sobrevivência.

Ele deixa como legado já de agora um gesto oposicionista. Ele tumultuou, embananou completamente a votação do salário mínimo na Câmara dos Deputados. O seu último gesto foi um gesto oposicionista: morreu embananando a votação do salário mínimo na Câmara dos Deputados.

Ele deixa para seus sucessores, a começar por essa bancada de escol, preparada, liderada pelo Senador Jefferson Péres, integrada por Senadores do melhor calibre nesta Casa, deixa para os pedetistas que o sucedem um grande desafio, o desafio de manterem vivo o ideal trabalhista, o desafio de fazerem de sua vida um verdadeiro tributo à idéia da justiça social, o desafio de fazer esse Partido não só sobreviver, como crescer. Tenho certeza de que Brizola será honrado pelos seus companheiros competentes e preparados das bancadas na Câmara e no Senado do Partido Democrático Trabalhista.

Meu pai não era muito ligado a Brizola nas lutas do PTB. Meu pai filiava-se mais à moderação de Jango, embora ele próprio fosse um tribuno inflamado, um tribuno de muita fibra. Meu pai entendia que o principal valor a ser preservado era a democracia em si mesma e que qualquer tentativa de radicalização uniria o que se chamava à época de setores conservadores. Isso só faria com que se implantasse o que se implantou o que acabou se implantando neste País, ou seja, uma ditadura que, no começo, não se supunha fosse durar tanto, mas que durou 21 anos e foi encerrada pela epopéia da sua eleição para a Vice-Presidência da República e do Presidente Tancredo Neves para a Presidência da República.

Tancredo morre, V. Exª, com enorme correção, enorme sentido ético, assume a Presidência da República e escreve uma página muito brilhante da transição democrática. Mas foram 21 anos até se chegar àquele momento, e foi preciso a dissidência, que, depois, virou Frente Liberal, liderada por V. Exª e por Marco Maciel. Foi preciso o acordo com a dissidência do PDS para se vencer a eleição no Colégio Eleitoral e se começar a dissolver o regime de força, indo ao Colégio Eleitoral, para que, depois, nunca mais, conforme a promessa de Tancredo e de V. Exª, se reunisse, espúrio que era, negador da liberdade que era. Ou seja, os caminhos talvez não fossem os do radicalismo proposto por Brizola, mas talvez o da ampliação das alianças, para se dissolver a ditadura da maneira que fosse possível.

Aqui deixo o testemunho, em nome do meu Partido, sabendo que é inútil, porque todos os Senadores haverão de chegar aqui para dar seu testemunho sobre Leonel Brizola, que a todos nos toca, em todos os nossos corações, ele mexe e mexia.

Fugir do lugar comum, como? Perdemos um grande brasileiro, abre-se um grande vácuo, insubstituível. Não tem como ser criativo quando se fala de alguém que, de fato, é insubstituível e que deixa um grande buraco, sim, na vida nacional.

Perguntava-me, há pouco, uma jornalista: deixou herdeiros políticos? Ouvi falar que ele teria um neto jeitoso para a política. Até isso é irrelevante. Herdeiros de Brizola, somos todos nós que temos obrigação de fazer política com ética, com honra, com decência, numa hora em que o Brasil precisa do sentimento de ética, do sentido de honra e de decência.

Portanto, aqui fica a minha homenagem pessoal e, evidentemente, da minha Bancada, que se soma à homenagem de todos os Senadores e brasileiros. O fato de as pessoas gostarem ou não de Brizola não era importante, pois todos o respeitavam. As pessoas poderiam concordar ou não com ele, pois isso também não era o mais relevante. Todos haveriam de manter o seu sentimento de respeito e acatamento pela figura decente de quem fazia apenas os gestos nos quais acreditava e tomava apenas as atitudes que queria. Alguém pode dizer que Brizola, em alguns momentos, parecia equivocado quando falava de economia ou de sua visão sobre o Estado. Também não vejo que isso devesse separar os que concordavam com ele dos que, como eu, dele discordavam - e muito.

Pura e simplesmente, registro, na fase final desta fala modesta e sentida, que o aspecto negativo é o fato de o Brasil amanhã acordar desfalcado na sua ética, na sua honra, na sua valentia, com a morte de Brizola. O aspecto positivo é que ele foi tão getulista, tão trabalhista que, tanto quanto seu inspirador, o seu grande líder, acaba de deixar a vida terrena para entrar na História.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/06/2004 - Página 13032