Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem de pesar pelo falecimento do ex-governador Leonel de Moura Brizola.

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem de pesar pelo falecimento do ex-governador Leonel de Moura Brizola.
Publicação
Publicação no DSF de 23/06/2004 - Página 19040
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, LEONEL BRIZOLA, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA (PDT), ELOGIO, VIDA PUBLICA.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (Bloco/PTB - RS. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, registro a manifestação e o imediato deslocamento ao Rio de Janeiro, em nome do Partido Trabalhista Brasileiro, da sua Executiva Nacional da qual eu, com muita honra, faço parte.

Deixo aqui algumas palavras também com relação aos sentimentos que envolvem hoje todos nós, brasileiros, mas especialmente nós, gaúchos.

Permita-me, meu colega e amigo David Coimbra, apropriar-me de algumas palavras escritas por ele hoje e que recebem o título de “O homem que nunca desistiu”. Paulo Paim deve ter conhecimento desta manifestação, deste texto que imagino que abriga muito dos conceitos com relação à vida de Leonel Brizola.

Em seus 82 anos de vida, Leonel Brizola muitas vezes se sentiu atraiçoado, noutras tantas foi derrotado, freqüentemente se encontrou sozinho, mas nunca, nunca desistiu. Do tanto que foi, Leonel Brizola, sobretudo, foi um sobrevivente.

Sobreviveu, primeiro, à pobreza. Brizola contava que a mãe, Oniva, usava um único livro para alfabetizar os seus cinco filhos, mais os seis do segundo marido.

Ela juntava a turma debaixo de um arvoredo e fazia o livro circular de mão em mão - lembrava Brizola.

Essa é uma das muitas histórias que Brizola contou no saguão da Assembléia Legislativa por ocasião das comemorações dos quarenta anos da Legalidade, comemorações que o Parlamento gaúcho promoveu no período em que tive o privilégio de presidi-lo.

Em sua cidade natal, Carazinho, Brizola foi jornaleiro, engraxate e carregou malas na estação de trem. Aos 14 anos, mudou-se para Porto Alegre, onde foi ascensorista e jardineiro de praças. Com dificuldade, conseguiu concluir o supletivo no Colégio Júlio de Castilhos e ingressar na faculdade de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Tudo isso - dizia Brizola - me fez eleger a educação pública como prioridade.

E seguramente dois Estados são testemunhas da determinação de Brizola com relação à educação. O Rio de Janeiro com os Cieps são a memória mais recente. Mas para aqueles que viveram na sua infância a primeira administração de Brizola como Governador do Rio Grande do Sul lembram com certeza as 6.302 escolas públicas que Brizola instalou em cada recanto do Rio Grande do Sul, em cada grotão daquele Estado, em cada linha da colônia. Seguramente, se hoje o Rio Grande do Sul tem um Índice de Desenvolvimento Humano destacado, deve-se àquela iniciativa pioneira lá dos anos 50, lá atrás, quando os filhos de colonos, filhos de pequenos agricultores puderam acessar à escola primária devido ao projeto das famosas escolas rurais, Senador Capiberibe, onde meninos e meninas dividiam-se entre um cabo de enxada lá na roça e o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto ano primário.

Lembro-me de quando estava no primeiro ano e convivia com meu colega que já estava no quinto ano. Iniciávamos em cinco ou seis e apenas dois ou três, no máximo, terminavam o curso. Muitas vezes apenas um conseguia chegar ao quinto ano porque a roça não permitia que se estudasse tanto, mas pelo menos houve acesso ao mínimo necessário para se discernir e iniciar uma nova atividade, um novo momento em sua vida.

Brizola ainda era Governador quando houve ameaça de golpe de Estado após a renúncia do Presidente Jânio Quadros, em 1961. O Vice-Presidente João Goulart, cunhado de Brizola, estava na China. O Congresso não reagia, a sociedade civil jazia perplexa. Não parecia haver ninguém capaz de impedir o movimento militar, exceto a velha tenacidade do Governador dos gaúchos.

Brizola recusou-se a aceitar a deposição do Vice-Presidente legítimo, liderou a campanha da legalidade e acabou garantindo o retorno seguro de Jango ao País. A vitória, porém, seria breve. Três anos depois, Brizola foi cassado pelo golpe de 1964. Conseguiu sair do País vestido de brigadiano, como intitulamos a PM - no Rio Grande a PM foi batizada de brigada militar - para só retornar após 15 anos. Foi o mais longo exílio político da história brasileira e uma dura provação para Leonel Brizola.

Brizola foi um frasista. Tive o privilégio de entrevistá-lo, como jornalista, quando candidato a Presidente da República. Provocado sobre sua candidatura ele cunhou a frase: “Sou como as plantas do deserto. Alimento-me das gotas do orvalho e resisto enquanto não chega a temporada das águas, a temporada das chuvas”.

Sr. Presidente, concluo com mais uma de suas históricas frases, a frase sobre sua aposentadoria: “Tem muita gente desejando que eu passe de uma vez; que assuma minha aposentadoria. Mas isso não vai acontecer porque serei como um cavalo inglês: só vou morrer na cancha”. Foi exatamente o que aconteceu com Leonel Brizola, morreu na cancha.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/06/2004 - Página 19040