Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 22/06/2004
Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Décima Primeira Reunião da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), ocorrida em São Paulo, de 11 a 18 do corrente.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
- Décima Primeira Reunião da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), ocorrida em São Paulo, de 11 a 18 do corrente.
- Publicação
- Publicação no DSF de 23/06/2004 - Página 19067
- Assunto
- Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
- Indexação
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- REGISTRO, REALIZAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REUNIÃO, CONFERENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DEBATE, COMERCIO, DESENVOLVIMENTO, INSERÇÃO, GLOBALIZAÇÃO, IMPORTANCIA, OCORRENCIA, FORO, SOCIEDADE CIVIL, COMENTARIO, DECLARAÇÃO, DEFESA, SOBERANIA, RECURSOS NATURAIS, BIODIVERSIDADE, FACILITAÇÃO, TRANSFERENCIA, TECNOLOGIA, PROIBIÇÃO, PATENTE DE REGISTRO, RECURSOS VIVOS, QUESTIONAMENTO, COMERCIALIZAÇÃO, PRODUTO TRANSGENICO, OPOSIÇÃO, COLONIZAÇÃO, DOMINIO, PAIS, PRIMEIRO MUNDO.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a cidade de São Paulo sediou, de 11 a 18 de junho, a décima-primeira Reunião da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, a Unctad. Foram 180 chefes de delegação, 2 mil e 500 delegados, além de centenas de organizações, jornalistas e representantes de agências ligadas à ONU, reunidos para discutir temas como estratégias de desenvolvimento numa economia globalizada, a construção de capacidade produtiva e competitividade internacional, os ganhos de desenvolvimento a partir de negociações comerciais internacionais e as parcerias para o desenvolvimento.
Os temas, como se vê, são da maior relevância. Hoje, é impossível pensar o desenvolvimento de um país sem que se leve em conta a maneira como ele se insere na economia globalizada, a começar pelo comércio. Não é por acaso que o desempenho do comércio exterior, cuja contribuição para a economia nacional é crescente, ocupa um lugar importante nas avaliações e previsões que se fazem sobre o futuro de nossa economia e suas perspectivas de crescimento.
Paralelamente à conferência, e a pedido da própria Unctad, ocorreu o Fórum da Sociedade Civil, que reuniu organizações e movimentos sociais em torno da discussão de temas relacionados aos que constaram da pauta da conferência oficial.
Esse Fórum produziu uma declaração, e é sobre ela, Sr. Presidente, que gostaria agora de fazer alguns comentários.
A grande virtude dessa declaração é a de nos lembrar que, se não podemos, por um lado, ingenuamente desconsiderar ou negar teimosamente esse processo conhecido como “globalização”, não devemos, por outro, abandonar-nos de forma cega a ele, abdicando de espírito crítico. Infelizmente, se, como disse antes, é verdade que não podemos pensar o desenvolvimento sem levar em conta a inserção na economia globalizada, também é verdade que não há um alinhamento automático entre globalização e desenvolvimento. Para que a globalização seja, de fato, “uma força poderosa e significativa para o crescimento e o desenvolvimento”, como diz o documento oficial da Unctad, é preciso que alguns princípios sejam observados, especialmente pelos países mais ricos.
Creio que não é exagerado identificar, nos discursos provenientes desses países mais ricos, ecos, ainda que velados, da antiga postura colonialista, que, durante séculos, marcou sua relação com os países hoje em desenvolvimento.
Ora, não haverá verdadeiro desenvolvimento se esses países mais pobres não tomarem posse efetiva de suas riquezas, ao invés de simplesmente transferi-las para outros. Não haverá verdadeiro desenvolvimento, na esteira do processo de globalização, se ele significar, no final das contas, abrir mão da soberania sobre recursos naturais e biodiversidade, por exemplo. Já tive, aliás, oportunidade de me pronunciar sobre o episódio da tentativa de patenteamento, por uma empresa japonesa, do processo de fabricação do cupulat, criado pela nossa Embrapa. Não bastasse essa apropriação indevida, a empresa chegou ao absurdo de querer patentear o próprio nome “cupuaçu”, como se fosse uma marca, criando dificuldades para a comercialização de produtos fabricados com essa matéria-prima. Não vou me alongar mais sobre o absurdo dessa situação. Felizmente, o Brasil tem conseguido fazer o bom-senso prevalecer, frustrando algumas dessas tentativas bizarras.
Assim, faço coro ao Fórum da Sociedade Civil quando põe, entre suas recomendações à Unctad, “que seja assegurada a soberania sobre os recursos naturais, commodities e a biodiversidade. Que a transferência de tecnologia seja facilitada e que seja proibido o patenteamento de seres vivos”. Não seria tão peremptório, no entanto, quanto à proibição, também recomendada pela declaração do Fórum, de comercialização de medicamentos e organismos geneticamente modificados. Embora a prudência exija que tenhamos cautela no que diz respeito à manipulação genética, até porque nossa ciência ainda precisa avançar muito nesse tópico, não creio que a melhor saída seja a proibição pura e simples. Uma medida tão drástica, na verdade, teria o efeito de inibir qualquer possível progresso na promissora área da biotecnologia.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, creio que o desenvolvimento que tanto desejamos para nosso País não poderá ser alcançado com o ensimesmamento, com o fechamento do País sobre si mesmo. Cada vez mais, a prosperidade dependerá da maneira como nos inserimos no contexto global da economia mundial.
O que não podemos aceitar de forma alguma é que essa participação na economia global se dê na forma da colonização. Devemos resistir até o fim contra a arrogância de alguns dos países mais ricos do planeta, arrogância que se manifesta, às vezes, disfarçada e envergonhadamente, no discurso em louvor da globalização, da abertura comercial, hipocritamente, porém, combinado com a defesa de privilégios e subsídios; e, às vezes, aberta e violentamente, na truculência das guerras e das intervenções militares de todo tipo.
Queremos contribuir para a riqueza do mundo. Queremos também participar dos benefícios dessa riqueza. Mas só poderemos fazer isso cuidando, em primeiro lugar, de nossa própria prosperidade. E não poderemos prosperar simplesmente abrindo mão de nossa soberania sobre nossos recursos.
Essa mensagem, dirigida aos países mais ricos, está na declaração do Fórum da Sociedade Civil, que acompanhou a décima-primeira Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, e com ela concordo. Esperemos que tenha sido efetivamente ouvida e compreendida pelos países mais ricos, contribuindo, assim, para relações mais justas entre todos.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.