Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questão da demarcação contínua de reservas indígenas.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Questão da demarcação contínua de reservas indígenas.
Aparteantes
Paulo Elifas.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/2004 - Página 19260
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, ABANDONO, INDIO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), CRITICA, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), EPOCA, DEMARCAÇÃO, INTERESSE, RESERVA, MINERIO, DESAPROPRIAÇÃO, PRODUTOR, AREA, AUSENCIA, ASSISTENCIA, COMUNIDADE INDIGENA, DIFICULDADE, SUBSISTENCIA.
  • CRITICA, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), IMPEDIMENTO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ARRENDAMENTO, TERRAS, RESERVA INDIGENA, DENUNCIA, PRISÃO, INDIO, POLICIA FEDERAL, PROTESTO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, ACUSAÇÃO, CONTRABANDO.
  • COMENTARIO, CRESCIMENTO ECONOMICO, ESTADO DE RONDONIA (RO), CRIAÇÃO, EMPREGO, CONCILIAÇÃO, PROTEÇÃO, ECOLOGIA.
  • REGISTRO, DECISÃO JUDICIAL, LIMINAR, RELAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR), CRITICA, LOBBY, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SOLICITAÇÃO, ATENÇÃO, GOVERNO FEDERAL.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Exmº Sr. Presidente Valdir Raupp, Srªs e Srs. Senadores, venho relatar um fato ocorrido no meu Estado, na região de São Marcos, numa área indígena de 800 mil hectares definida em 1996 e habitada por aproximadamente cinco mil indígenas. Desde que essa área foi demarcada, os indígenas praticamente ficaram abandonados na região, porque as ONGs que vivem lutando para demarcar áreas indígenas no meu Estado sempre em cima das reservas minerais só querem demarcar. Depois da demarcação, param de faturar dinheiro e abandonam os indígenas. Na região a que me refiro, os índios estão abandonados desde 1996.

Em virtude desse abandono que os indígenas dessa áreas têm sofrido, outros indígenas da Raposa/Serra do Sol são contra a homologação de área contínua. Na área de São Marcos, foram retirados mais ou menos 800 pequenos produtores rurais, pessoas que tinham 50, 100, até 200 cabeças de gado. Parece que um ou dois produtores tinham perto de 1000 cabeças de gado. Essas pessoas foram retiradas de suas áreas e receberam indenização pela benfeitoria. Aliás, alguns receberam indenização de um valor abaixo do valor real. Poucos tiveram condições de continuar sua vida; nenhum foi reassentado numa área rural equivalente para continuar trabalhando.

Esses meus irmãos índios que vivem na região São Marcos estão sem opção de sobrevivência. Houve época em que arrendaram um pedaço de terra, uma área de 400 hectares, para plantar arroz irrigado, mas só conseguiram trabalhar por dois anos, porque a Funai proibiu o arrendamento. Com o lucro obtido com esse arrendamento, eles conseguiram comprar gado e se tornaram pequenos produtores. Quer dizer, se esse arrendamento tivesse ocorrido nesses anos todos, talvez tivessem melhorado de vida, mas a Funai atrapalhou. A política indígena da Funai implantada em meu Estado tem que ser mudada, porque na verdade a Funai quer que os índios de Roraima fiquem andando de tanga, passando mal e fome na floresta, dentro da mata ou no campo.

A área Raposa/Serra do Sol é praticamente composta de campos. Nela, está incluído o Município de Pacaraima, omitido no laudo antropológico da Funai. A cidade tem duas mil casas, que não apareceram no laudo antropológico, e, agora, a Justiça tem movido ações para desocupação. Primeiro, foram os cem comerciantes, agora as pessoas estão recebendo em suas casas notificação para que abandonem suas propriedades, criando instabilidades, desvalorizando. Mas não tem volta, essa cidade não vai acabar. Ela fica na fronteira com a Venezuela, quando há uma oscilação de comércio, quando o dólar está mais barato, compra-se na Venezuela; quando o dólar sobe de preço, eles vêm comprar aqui em nossa cidade. Então, esses indígenas que vivem nessa região, por estarem mais próximos da Venezuela, utilizam gasolina daquele país para trabalhar, para motosserra, alguns têm veículo e o utilizam também. Eles não têm uma opção de sobrevivência, porque lá no campo, lá no lavrado, ou a pessoa vai criar gado, carneiro, porco e peixe, ou vai viver matando um tatu ou outro, às vezes a caça está escassa, porque é na área de campo. Como não têm opção, esses indígenas vivem de descaminho. Trazem gasolina da Venezuela, deixam-na na aldeia e depois transportam para Boa Vista pequenas quantidades: 50 litros, 100 litros, um tambor, dois tambores. Sobrevivem disso.

Houve uma operação da Polícia Federal, no dia 17, em Roraima, juntamente com a Polícia Civil, e foram presos 11 indígenas da Alidicir - uma das associações indígenas de Roraima, independente, que não depende de ONG estrangeira e nada:

Manoel Bastista Flores, que era o Vice-Presidente, se encontra preso; Astromarino Flores, Magno da Silva Ramos - vou nominar todos eles, porque essas pessoas, essas vítimas de injustiça neste País, estão sofrendo ações que quero que sejam patenteadas e registradas aqui neste Congresso. Continuando, Valmir Simão Lima, Hélio Padilha Ramos, Francisco Simão Lima, Mizael Oliveira, Valdecyr Floriano Peixoto, Sebastião Ribeiro Santos, Mariano Padilha Ramos. Ainda há outra pessoa cujo nome não conseguimos.

A Polícia Federal, a autoridade que acompanhava a ação, colocou essas pessoas na cela da penitenciária de Roraima, onde ficaram vários dias, sem colchões - começou aí. Hoje, recebi a notícia de que essas pessoas tiveram suas cabeças raspadas, atitude que fere frontalmente o art. 5º da Constituição Federal.

Trago essa informação, mas tive a contra-informação de alguém que viu e disse que não tinha acontecido. Mas é uma coisa que está acontecendo, porque, primeiro, não existe culpa formada para as pessoas. Eles estão presos lá, são pequenos contrabandistas que foram induzidos pelo Governo Federal, que isolou a área deles e não deixou nenhuma opção de vida. Pessoas que sobrevivem daquilo estão sendo tratadas como marginais. Todos são pequenos agricultores que, para sobreviver, fazem isso. É um comércio formiga, e acho até uma injustiça o fato de não o permitir, como existe no Uruguai os US$150.00 de transporte. Lá, eles exageram e prendem qualquer quantidade de gasolina, se passar um volume de algum objeto, eles prendem.

O meu povo da área indígena São Marcos e a população de Pacaraima estão sofrendo com isso, Estou tornando isso público porque, se realmente rasparam a cabeça de todos eles para marcar, diferenciar os pobres dos cidadãos, vamos entrar com as ações devidas de indenização, para que o cidadão seja respeitado. Lá, em Roraima, não é muito freqüente essa violência contra prisioneiros, contra as pessoas, não.

Concedo com honra a palavra ao Senador Paulo Elifas, de Rondônia.

O Sr. Paulo Elifas (PMDB - RO) - Senador, essa preocupação de V. Exª com relação à demarcação de terras indígenas no seu Estado também é do nosso Estado, Rondônia, pois 17% do nosso território é de reservas indígenas. É de conhecimento público que, recentemente, houve um grande massacre na Reserva Rooselvelt, onde há uma mina de diamante. Por estar dentro da sua área, os índios reservam-se o direito de explorá-la, e, pela cobiça generalizada, há uma constante invasão da área por garimpeiros que tentam garimpar às escondidas, trazendo o conflito que acabou gerando esse massacre no nosso Estado, na Reserva Roosevelt. Concluímos que isso é realmente uma grande ausência, uma irresponsabilidade do Estado com relação a essas áreas de ocupação, permitindo que haja uma ocupação desorganizada, desenfreada, sem que o Estado possa coordenar, reprimir e organizar. É inadmissível que se faça um limite de reserva florestal onde há cidade, que inclua uma cidade, lote de produtores rurais dentro da reserva indígena já demarcada. A nossa preocupação é muito grande com a omissão do Estado na questão da demarcação e proteção dessas reservas indígenas, porque sabemos que a ocupação da Amazônia, a partir deste momento, será de uma grande intensidade e teremos grandes problemas com relação, primeiro, ao desmatamento da Amazônia, segundo, com a definição da posse das terras indígenas pelos índios. Teremos problemas também com a definição das áreas que devem ser preservadas na Amazônia. Então, queríamos somar ao discurso de V. Exª, que achamos muito próprio e muito importante para a nossa região, a Amazônia, e também fazer, como V. Exª, um apelo, para que o Estado esteja mais presente nessas questões da Amazônia, atuando, eficientemente, sem se omitir, como tem feito até o presente momento. Muito obrigado.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Agradeço a V. Exª pelas palavras, nobre Senador Paulo Elifas, e aproveito para dizer que na recente visita que fiz, no fim de semana, ao Estado de V. Exª e do Senador Valdir Raupp, para analisar a situação da reserva indígena Rooselvelt, fiquei impressionado com o desenvolvimento e com a riqueza do Estado. Eu acho gozado criticarem a forma de desenvolvimento de Rondônia, quando vemos o número de empregos criados lá e a qualidade de vida das pessoas, com propriedades rurais produtivas, plantações e mais plantações de café e cacau. É isso que vimos quando sobrevoamos a região. Quer dizer, foram gerados empregos. Realmente, a cobertura florestal de alguma parte da área da Amazônia foi substituída para produzir conforto para o ser humano, para dar emprego e alimento para as pessoas, deixando as reservas, para que os nossos netos e bisnetos possam ter uma forma de sobrevivência. Eu acho o método utilizado em Rondônia louvável, considerando ainda que vocês já são a 15ª economia do País. Esse é outro fator que deve ser levado em conta em relação ao modelo de desenvolvimento de Rondônia, muito criticado pelos ecologistas. Talvez tenham ocorrido exageros em algumas áreas, mas se chegarmos a um meio termo entre o Amapá e Rondônia, conseguiremos melhorar a vida das pessoas. É pena que não esteja presente aqui nenhum Senador do Acre. Eu iria lamentar, porque o IDH jovem do Acre é o pior do País, se bem que o Acre também não é tão ecologista como falam, pois vi também muitas fazendas, grandes e bonitas, quando estive lá.

Voltando à minha região, o Governo, pressionado pelas ONGs, demarca áreas indígenas imensas. Senador Paulo Elifas, alerto V. Exª para mais um fato: a reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima, foi expandida três vezes. A última expansão atingiu uma área produtora de arroz. Em meu Estado, a principal atividade econômica é o cultivo de arroz irrigado. Observe que 80% dos recursos estaduais são oriundos do Governo Federal e que, dos 20% restantes, 10% provêm da cultura do arroz irrigado. Então, na terceira expansão da área indígena, os produtores de arroz irrigado foram atingidos, o que demonstra a persistência, a insistência em se acabar com esse cultivo no meu Estado.

Mas querem acabar não apenas com a produção de arroz, como também com os Municípios de Normandia - que, segundo proposta da Funai, ficaria com apenas 1,6% do total de sua área -, Uiramutã e, praticamente, Pacaraima. Todavia, os indígenas que vivem nessa região não querem que isso ocorra. Está aí onde eles querem jogar o pessoal da reserva Raposa/Serra do Sol! Só que, na reserva, não vai haver descaminhos de gasolina, não. Lá, se eles resolverem entrar para a ilegalidade, vão se envolver com tráfico de drogas, porque na Guiana existe cultura de maconha livre ou incontrolada, posso dizer assim - não sei se é livre, mas é incontrolada. Naquela região, planta-se maconha com a maior facilidade, e, para quem planta maconha, plantar coca é também muito fácil.

Então, acho que o Governo Federal deve ficar atento em relação à demarcação da Raposa/Serra do Sol, pois deve ser respeitada a vontade das pessoas que lá habitam e do povo de Roraima. Também deve ser respeitada a Justiça, porque, felizmente, a desembargadora que esteve no local e viu a situação deu um parecer favorável em relação à liminar concedida pelo Juiz Helder Girão Barreto, de Roraima.

Foi confirmado que os onze índios presos por descaminho, sem culpa formal determinada ainda pelo juiz, tiveram a cabeça raspada e ficaram por vários dias numa cela que comportaria três ou quatro pessoas, sem colchões. Os colchões só foram colocadas nas celas no sábado, mas, ontem, já melhoraram as condições e puseram uns colchões melhores. Conversei com um rapaz da Secretaria do Índio, que me disse que as condições foram melhoradas. Mas rasparam a cabeça dos indígenas! Raspar a cabeça ou fazer qualquer coisa física com um prisioneiro é uma agressão ao ser humano. O cidadão deve ser punido por seus crimes, mas não deve ser ofendido, humilhado, receber marcas no corpo. Raspar a cabeça não é uma agressão física igual a choques, pancadas ou ao pau-de-arara, mas é uma agressão à integridade, à dignidade da pessoa, principalmente dos indígenas, que são mais sensíveis quanto a essa parte.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, deixo patente o meu protesto contra essa atitude. Não sei se a responsabilidade é do Governo Federal ou se é do Estado. Atribuo ao Governo Federal a responsabilidade por ter demarcado a área indígena daquele modo, deixando os índios sem opção, isolados naquela região. Espero que não seja feito o mesmo com a reserva Raposa/Serra do Sol. Naquela reserva, pode haver conflito entre as cinco etnias lá existentes, algumas já com quase 200 anos de contato com a nossa civilização. Pode haver conflito e morte, e o Governo Federal será responsabilizado se ocorrer isso lá.

Gostaria de deixar bem clara a posição do povo de Roraima, que não é contrário à demarcação de áreas indígenas, mas deseja que a demarcação seja feita respeitando-se o direito das pessoas que já vivem no local há duas, três gerações, dando a elas a oportunidade de sobreviverem em outro lugar.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/2004 - Página 19260