Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a questão do racismo no Brasil.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Comentários sobre a questão do racismo no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 24/06/2004 - Página 19269
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REGISTRO, DENUNCIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, FESTA, TRADIÇÃO, ZONA RURAL, MUNICIPIO, CACHOEIRA DO SUL (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), LIMITAÇÃO, PROIBIÇÃO, PARTICIPAÇÃO, NEGRO.
  • REPUDIO, OCULTAÇÃO, CONFLITO, RAÇA, BRASIL, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO.
  • DENUNCIA, INFERIORIDADE, REAJUSTE, SALARIO MINIMO, MANUTENÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, MAIORIA, TRABALHADOR, NEGRO, PROTESTO, ADIAMENTO, DISCUSSÃO, ESTATUTO, IGUALDADE, RAÇA.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, não poderia deixar de registrar mais uma denúncia que recebi em meu gabinete de um ato de discriminação contra a comunidade negra. De tantos que recebi, é com tristeza que trago esse, que veio do interior do meu Rio Grande do Sul, do interior de Cachoeira do Sul, onde se realiza um baile em junho e outro no final do ano. O evento festivo é uma espécie de “kerb”, com música e comidas típicas. O baile acontece perto de Barragem do Capané, distante do núcleo urbano.

De acordo com a denúncia, os organizadores do baile criam obstáculos à participação dos negros. Houve reação às barreiras raciais, e os organizadores decidiram que os negros podem ficar no saguão da entrada, onde existe um bar, tendo acesso somente à bebida. Não podem passar para o salão do baile, não podem dançar, nem ter acesso a outro bar, localizado do outro lado do salão. Quanto aos banheiros, os negros só podem utilizar aqueles que ficam do lado de fora da dita casa. Para os demais freqüentadores o acesso é livre a todas as dependências.

Não existe - nosso estilo é o racismo disfarçado - nenhuma placa ou aviso ostensivo, proibindo a entrada de pessoas negras. Tudo é falado na hora, na porta, pelo porteiro ou segurança, que controla a entrada dos participantes.

Por isso, Sr. Presidente, é com muita tristeza que trago à tribuna uma denúncia como essa. Entramos no século XXI arrastando, infelizmente, o peso dos velhos preconceitos. Poucos países poderiam, como o Brasil, aproveitar o enorme potencial e a riqueza de possibilidades que têm origem na diversidade racial e étnica de toda a nossa população. E jogamos tudo isso fora.

Podemos até compreender a importância da biodiversidade para o mundo da natureza, mas resistimos ao entendimento da riqueza das diversidades nas relações sociais. E recusamos o pluralismo.

O discurso é hipócrita quando usa as palavras para esconder a verdade. No Brasil temos sido, com freqüência, hipócritas quando nos referimos às nossas relações raciais. Utilizamos as palavras para esconder as desigualdades e as injustiças criadas pelas barreiras raciais.

Somos capazes de divulgar estatísticas sobre as desigualdades raciais no mercado de trabalho, na educação, na saúde, no acesso à terra, saneamento básico, meios de comunicação, ao salário, mas nem por um minuto somos capazes de assumir que essas desigualdades têm origem, no nosso próprio comportamento discriminatório.

E tudo se perde no diz-que-diz, no adiamento e na recusa sistemática de encaminhar medidas práticas que permitam dar início a um profundo processo de mudança de mentalidades.

Vejam bem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a própria resistência que existe ao reajuste de 15 reais, na verdade, revelam um grande preconceito porque os negros é que ficam, Sr. Presidente, na base da pirâmide. A maioria dos trabalhadores é negra por um processo histórico de exclusão social que acentuamos quando não elevamos o salário mínimo para um patamar decente.

O aumento do salário mínimo está sendo derrotado na Câmara dos Deputados. Vejam o que é a ironia do destino: isso acontece justamente no momento em que, no Rio Grande do Sul e em todo o Brasil, prestam-se homenagens ao grande líder histórico do trabalhismo e da defesa dos interesses dos trabalhadores, Leonel Brizola.

Sr. Presidente, quero lembrar aqui a figura de outros gaúchos que tombaram pela mesma causa: Luís Carlos Prestes, Getúlio Vargas, Alberto Pasqualini, João Goulart, todos enterrados lá em nosso Rio Grande. Estarei amanhã, junto com a Senadora Heloísa Helena, com o Senador Cristovam Buarque, com o Vice-Presidente da República, com o Senador Sérgio Zambiasi, com o Senador Pedro Simon, acompanhando o enterro de Brizola.

Com certeza, a maioria desses líderes já falecidos aqui citados estão sepultados em São Borja, naquele cemitério, e Leonel Brizola também o será. Se pudessem falar neste momento, creio que dariam um grito contra os preconceitos e pela melhoria das condições de vida de todo o nosso povo e principalmente dos assalariados.

Termino dizendo que o adiamento da discussão do Estatuto da Igualdade Racial é também um exemplo do descaso que estamos dedicando às causas populares, fingindo que elas não existem: não existe o salário mínimo, não existe o Estatuto da Igualdade Racial. Na verdade, estamos frustrando a expectativa de milhões de pessoas. A pauta se enche de outras prioridades, sempre outras, e os trabalhadores e os discriminados continuam fora do baile no interior de Cachoeira do Sul e no resto do Brasil.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Agradeço a V. Exª. Fiquei dentro do tempo combinado, que seria, no máximo, de dez minutos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/06/2004 - Página 19269