Discurso durante a 89ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da concessão de aposentadoria para as donas de casa.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Defesa da concessão de aposentadoria para as donas de casa.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/2004 - Página 19433
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • RESPONSABILIDADE, EXECUTIVO, EXCESSO, CONVOCAÇÃO EXTRAORDINARIA, CONGRESSO NACIONAL, DEFESA, PRESERVAÇÃO, RECESSO.
  • ANALISE, HISTORIA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, EVOLUÇÃO, FEMINISMO, ATUALIDADE, EXISTENCIA, EXCESSO, CARGA, TRABALHO, MULHER, RESIDENCIA, FALTA, DIVISÃO, CONJUGE, DEFESA, VALORIZAÇÃO, COLABORAÇÃO, DONA DE CASA.
  • ANALISE, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, ESPECIFICAÇÃO, AUSENCIA, CONTRIBUIÇÃO, TRABALHADOR RURAL, PROVOCAÇÃO, DEFICIT, NECESSIDADE, DEBATE, SITUAÇÃO, DONA DE CASA.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda há pouco, eu ouvia o Senador Heráclito Fortes, meu companheiro de Partido eleito brilhantemente pelo Piauí, que se queixava das notícias que não são deste ano e são de todo o tempo. Todas as vezes que se convoca extraordinariamente o Congresso Nacional, os Deputados e os Senadores são estigmatizados, apresentados como responsáveis por essa convocação dita indevida e com a finalidade subalterna.

Ora, Srªs e Srs. Senadores, estamos já há muitos anos sem recesso parlamentar. O que mais os Deputados e Senadores desejam é ter preservado, pelo menos uma vez, o seu recesso. E a iniciativa da convocação é sempre do Poder Executivo, por motivos explicáveis, e não do Poder Legislativo. Portanto, se algum Poder deve ser responsabilizado pela convocação, não há de ser o Poder Legislativo, que deseja ter o seu recesso preservado.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as sociedades, no contexto da história da humanidade, sempre se organizam ao redor do gênero humano: homens e mulheres sempre desempenharam papéis e tarefas distintos. O mundo, na maioria das sociedades, atribui papel proeminente aos homens e papel discreto, quando não subalterno, às mulheres. Pouco tempo faz que essa organização social revelou indícios de que sofreria mudanças expressivas.

Com a evolução dos conceitos de sociedade e de relação entre seres humanos, com a expansão da cultura e da informação, paulatinamente tem havido uma aproximação dos espaços de atuação em sociedade para homens e mulheres. Ressalve-se, porém, que isso é recente, muito recente mesmo.

O voto feminino, por exemplo, é algo que só começou a ser aceito no Século XX e bem depois do seu início. Há, contudo, um espaço em que as relações ainda não atingiram o equilíbrio, pelo menos em termos gerais: a harmonização do trabalho externo, dito profissional, com o trabalho doméstico, por aí entendido todas as tarefas realizadas no lar, que vão desde a manutenção e a organização da casa, a educação dos filhos e os cuidados com a saúde deles. É comum ainda ver famílias em que o marido não participa dessas tarefas consideradas na esfera de competência da esposa.

Com tal divisão, ou melhor, falta de divisão de atribuições no seio familiar, acaba ficando sobrecarregada a jornada da mulher, que, além de trabalhar para ajudar no sustento da família, deve encarregar-se praticamente só dos cuidados de todos na casa. Pode ser até um costume social ainda bem arraigado em muitos setores da nossa sociedade e mesmo em setores importantes, mas é evidente uma injustiça para com as mulheres que trabalham fora. Não há justificativa moral para sustentar tal desequilibro entre as atribuições de homens e mulheres. Mais ainda, não há justificativa para achar lícito que as mulheres sejam responsáveis pela manutenção organização e crescimento da célula familiar, sem que tais tarefas sejam socialmente reconhecidas como meritórias e necessárias à construção da cidadania brasileira.

Esse, Srª. Presidente, é o aspecto crucial do problema da posição na mulher na sociedade em que vivemos. Como fazer com que as mulheres que optaram por se dedicar inteiramente ao lar sejam consideradas socialmente produtivas? Ou melhor, como dar à mulher dedicada a sua família a importância social que seu papel tem na construção da sociedade brasileira?

V. Exª mesma, Srª Presidente, tem lutado para que esses direitos fundamentais sejam reconhecidos.

Houve tempo em que a unidade familiar podia ser mantida com o trabalho remunerado do marido e com o trabalho silencioso da esposa, dentro de casa. Hoje a sociedade dificulta muito que a família possa ser sustentada apenas com o trabalho do varão, embora geralmente não reconheça nem dê relevância ao trabalho doméstico da esposa.

Quando a mulher sai para trabalhar, considera-se algo normal, fruto da evolução das relações da sociedade moderna. Quando a mulher opta por ficar em casa, considera-se luxo de quem tem marido que a possa sustentar ou ócio de quem não deseja trabalhar, como se educar filhos, gerir uma casa e apoiar o marido fossem tarefas de menor importância ou complexidade que as demais.

Srª Presidente, quando o Presidente Lula afirmou, em recente pronunciamento público, que a aposentadoria para a dona de casa era um absurdo, quero crer que não estabeleceu juízo de valor sobre o trabalho dessas mulheres, mas apenas referiu-se à possibilidade de aposentadoria sem que houvesse contribuição em contrapartida.

Se assim o foi, estou de acordo com Sua Excelência. Se não o foi, quero me insurgir contra o que me pareceu um equívoco a pessoas que colaboram e muito para o engrandecimento da sociedade brasileira.

Do ponto de vista da contribuição previdenciária das donas de casa, o problema já está colocado na reforma da Previdência do próprio Governo, já que ela é que propõe a outorga de aposentadoria sem contrapartida contributiva. Trata-se exatamente do mesmo enfoque da aposentadoria rural, essa, sim, uma das principais causas do atual rombo na Previdência Social, embora geradora de um conceito carregado de imensa solidariedade humana.

Do ponto de vista da Administração Pública, há na proposta um grande equívoco, pois tais benefícios não são previdenciários, já que não houve contribuição que os viabilizassem no sistema existente. São eles benefício social no sentido estrito da palavra e, portanto, a serem financiados pelo Tesouro e não pelo caixa da Previdência.

Assim, Srªs e Srs. Senadores, temos que reconhecer que a outorga de benefício a grupos ou categorias sociais que não tenham contribuído para seu financiamento é um encargo que deveria ser sustentado pelo Tesouro Nacional e não pela Previdência. É claro que tais favores somente deviam ser concedidos em face de uma previdência organizada e superavitária.

Mas, no caso das donas de casa, o que discuto não é como seria criado um sistema para que elas, a exemplo dos trabalhadores rurais, possam usufruir uma aposentadoria. O importante é não se permitir a continuidade da visão de que a dona de casa sempre tem uma tarefa irrelevante à qual se dedicam apenas as que podem se dar a esse luxo, ou a visão de que a dona de casa não tem competência para o trabalho externo.

Essa é uma injustiça que se pratica contra as donas de casa, injustiça que considero inaceitável. Espero que possamos nos debruçar sobre a questão da regulação do sistema de previdência no Brasil, com o fito de dar-lhe regras estáveis e viabilizadoras para os fins a que se destina. Que não continuemos a remendar a Constituição Federal com periódicas reformas de cunho fiscal que apenas tenham o objetivo de solucionar problemas de caixa, sem mexer na questão de fundo, com o equacionamento de todo o sistema.

Outorgar benefícios sociais é uma ambição de todo governante. Nos tempos de inflação descontrolada era até fácil fazê-lo, mas difícil controlar seus custos. Hoje, sob um regime de inflação controlada e rígido aperto fiscal, fica muito difícil distribuir benesses para uns sem prejuízo de outros.

Respeitamos o mais do que meritório trabalho das mulheres dedicadas ao lar, aos filhos e aos seus maridos. Acrescente-se que nos países socialmente desenvolvidos e atentos às necessidades de apoio às famílias, para assegurar o equilíbrio social, as ditas donas-de-casa contam com benefícios sociais importantes, que lhes permitem trabalhar fora, profissionalmente.

Srª Presidente, eliminemos, de uma vez por todas, esse ranço que desqualifica pessoas pelo fato de não apresentarem gordos contracheques salariais como elemento de reconhecimento social.

E nunca esqueçamos que foram as mulheres que se dedicaram aos filhos e aos maridos que ajudaram a forjar as grandes sociedades, no silêncio do seu trabalho doméstico.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR EDISON LOBÃO

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O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: as sociedades, no contexto da história da humanidade, sempre se organizaram ao redor do gênero. Homens e mulheres sempre desempenharam papéis e tarefas distintos. O mundo, na maioria de suas sociedades, atribui papel proeminente aos homens e papel discreto, quando não subalterno, às mulheres. Pouco tempo faz que essa organização social revelou indícios de que sofreria mudanças expressivas.

Com a evolução dos conceitos de sociedade e de relação entre os seres humanos, com a expansão da cultura e da informação, paulatinamente tem havido uma aproximação dos espaços de atuação em sociedade para homens e mulheres. Ressalve-se, porém, que isto é recente, muito recente mesmo. O voto feminino, por exemplo, é algo que só começou a ser aceito no Século XX, e bem depois de seu início.

Há, contudo, um espaço em que as relações ainda não atingiram um equilíbrio, pelo menos em termos gerais: a harmonização do trabalho externo, dito profissional, com o trabalho doméstico, por aí entendido todas as tarefas realizadas no lar, que vão desde a manutenção e organização da casa à educação dos filhos e aos cuidados com a saúde deles. É comum ainda ver famílias em que o marido não participa dessas tarefas, consideradas da esfera de competência da esposa.

Com tal divisão, ou melhor, falta de divisão de atribuições no seio familiar, acaba ficando sobrecarregada a jornada da mulher, que, além de trabalhar para ajudar no sustento da família, deve encarregar-se, praticamente só dos cuidados de todos na casa.

Pode ser até um costume social ainda bem arraigado em muitos setores da nossa sociedade, e mesmo em setores importantes, mas é, evidentemente, uma injustiça para com as mulheres que trabalham fora. Não há justificativa moral para sustentar tal desequilíbrio entre as atribuições de homens e mulheres. Mais ainda, não há justificativa para achar lícito que as mulheres sejam responsáveis pela manutenção, organização e crescimento da célula familiar, sem que tais tarefas sejam socialmente reconhecidas como meritórias e necessárias à construção da cidadania brasileira.

E esse, Sr. Presidente, é o aspecto crucial do problema da posição da mulher na sociedade em que vivemos. Como fazer com que as mulheres que optaram por se dedicar inteiramente ao lar sejam consideradas socialmente produtivas? Ou melhor, como dar à mulher dedicada à sua família a importância social que seu papel tem na construção da sociedade brasileira?

Houve tempo em que a unidade familiar podia ser mantida com o trabalho remunerado do marido e com o trabalho silencioso da esposa, dentro de casa. Hoje, a sociedade dificulta muito que uma família possa ser sustentada apenas com o trabalho do varão, embora geralmente não reconheça nem dê relevância ao trabalho doméstico da esposa.

Quando a mulher sai para trabalhar, considera-se algo normal, fruto da evolução das relações na sociedade moderna. Quando a mulher opta por ficar em casa, isso é considerado luxo de quem tem marido que a possa sustentar, ou ócio de quem não deseja trabalhar. Como se educar filhos, gerir uma casa e apoiar o marido fossem tarefas de menor importância ou complexidade do que as demais.

Sr. Presidente, quando o Presidente Lula afirmou, em recente pronunciamento público, que a aposentadoria para a dona de casa era um absurdo, quero crer que não estabeleceu juízo de valor sobre o trabalho dessas mulheres, mas apenas referiu-se à possibilidade de aposentadoria sem que houvesse contribuição em contrapartida.

Se assim o foi, estou de acordo com Sua Excelência. Se não o foi, quero me insurgir contra o que me parece um equívoco a pessoas que colaboram, e muito, para o engrandecimento da sociedade brasileira.

Do ponto de vista da contribuição previdenciária das donas de casa, o problema já está previsto na reforma da previdência do próprio Governo, uma vez que se propõe a outorga de aposentadoria sem contrapartida contributiva. É exatamente o mesmo enfoque da aposentadoria rural, essa sim, uma das principais causas do atual rombo na Previdência Social, embora geradora de um conceito carregado de imensa solidariedade humana.

Do ponto de vista da Administração Pública, há aí um grande equívoco, pois tais benefícios não são previdenciários, já que não houve contribuição que os viabilizasse dentro do sistema existente. São eles benefício social no sentido estrito da palavra e, portanto, a serem financiados pelo Tesouro e não pela caixa da Previdência.

Assim, Srªs e Srs. Senadores, temos de reconhecer que a outorga de benefício a grupos ou categorias sociais que não tenham contribuído para seu financiamento é um encargo que deveria ser sustentado pelo Tesouro nacional e não pela Previdência. É claro que tais favores somente deviam ser concedidos em face de uma previdência organizada e superavitária.

Mas no caso das donas de casa, o que discuto não é como seria criado um sistema para que elas, a exemplo dos trabalhadores rurais, possam usufruir uma aposentadoria. O importante é não se permitir a continuidade da visão de que a dona de casa cumpre uma tarefa irrelevante, à qual se dedicam apenas as que podem se dar esse luxo, ou a visão de que a dona de casa não tem competência para o trabalho externo.

Essa, Sr. Presidente, é uma injustiça que se pratica contra as donas de casa, injustiça que considero inaceitável. Espero, Srªs e Srs. Senadores, que possamos nos debruçar sobre a questão da regulação do sistema de previdência no Brasil, com o fito de dar-lhe regras estáveis e viabilizadoras dos fins a que se destina. Que não continuemos a remendar a Constituição Federal com periódicas reformas de cunho fiscal, que apenas tentam solucionar problemas de caixa, sem mexer na questão de fundo, isto é, a do equacionamento do sistema.

Outorgar benefícios sociais é uma ambição de todo governante. Nos tempos de inflação descontrolada era até fácil fazê-lo, mas difícil controlar seus custos. Hoje, sob um regime de inflação controlada e rígido aperto fiscal, fica muito difícil distribuir benesses para uns sem prejudicar outros. Não há recursos ilimitados, como a inflação fazia crer há alguns anos.

Respeitemos o mais do que meritório trabalho das mulheres dedicadas ao lar, aos filhos e a seus maridos. Afirmemos e reafirmemos seu papel fundamental na construção de uma sociedade saudável e consciente dos valores de família. Busquemos mecanismos de inclusão dessas mulheres no sistema previdenciário, com responsabilidade fiscal, de maneira a assegurar recursos e viabilidade para sua aposentadoria, benefício mais do que justo para essas silenciosas trabalhadoras.

Acrescente-se que nos países socialmente desenvolvidos e atentos às necessidades de apoio às famílias, para assegurar o equilíbrio social, as ditas donas de casa contam com benefícios sociais importantes, que lhes permitem trabalhar fora, profissionalmente. São creches, colégios em regime de tempo integral, auxílios para os primeiros meses após a gestação, postos de saúde e assistência pediátrica eficiente; enfim, uma ampla gama de ações sociais que lhes permitem trabalhar, ter filhos e educá-los, sem que tais tarefas prejudiquem seu crescimento profissional.

Sr. Presidente, eliminemos, de uma vez por todas, esse ranço que desqualifica pessoas, pelo fato de não apresentarem gordos contracheques salariais como elemento de reconhecimento social. Esse é um comportamento social discriminatório e condenável. E quando se volta contra mulheres indefesas em sua posição de anonimato social, parece-me ainda mais condenável. Construamos, ou melhor, repactuemos um sistema previdenciário que nos permita proteger todas as brasileiras, assim como os brasileiros, contra uma velhice desamparada. Mas o façamos com responsabilidade social.

E nunca esqueçamos que foram as mulheres que se dedicaram aos filhos e aos maridos que ajudaram a forjar as grandes sociedades, no silêncio do seu trabalho doméstico.

Era o que eu tinha a dizer.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/2004 - Página 19433