Discurso durante a 89ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Participação de S.Exa. na décima primeira Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Participação de S.Exa. na décima primeira Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/2004 - Página 19460
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DECLARAÇÃO, RESULTADO, REUNIÃO, UNIÃO INTERPARLAMENTAR, CONFERENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), COMERCIO, DESENVOLVIMENTO, REALIZAÇÃO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como membro do Comitê Executivo da União Interparlamentar, onde represento a América do Sul, participei da 11ª Conferência das Nações Unidas Sobre Comércio e Desenvolvimento, mais conhecida como Unctad.

A Conferência, que ocorreu em São Paulo, nos dias 13 a 18 do corrente, atingiu todos os seus objetivos, tanto no que diz respeito à representatividade, pelo número de nações que a ela compareceram, quanto à importância dos temas debatidos.

A União Interparlamentar, como organismo internacional que congrega representantes dos parlamentos de todo o mundo, não poderia faltar a um encontro desta envergadura. Para tanto, produziu e aprovou uma declaração que foi apresentada à Unctad e que representa o consenso de todos os seus membros.

Para dar conhecimento a esta Casa da referida Declaração, passo a reproduzi-la na íntegra:

Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento11° período de sessões

São Paulo, 13 a 18 de junho de 2004

DECLARAÇÃO ADOTADA PELA REUNIÃO PARLAMENTAR POR OCASIÃO DA XI Unctad

Adotada por consenso na sessão de encerramento, em 12 de junho de 2004.

Nós, os parlamentares eleitos pelo nosso povo para representá-lo, reunidos em São Paulo por ocasião da XI Unctad, para celebrar 40 anos de cooperação internacional nas esferas do comércio e desenvolvimento. Os desafios com que se enfrenta a XI Unctad têm uma importância transcendental e são de caráter urgente. A pobreza e o subdesenvolvimento que afetam milhões de pessoas do mundo em desenvolvimento provocam grandes sofrimentos e privações. Alguns países em desenvolvimento estão realizando progressos significativos em relação ao alcance dos objetivos do Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas para 2015, mas um grande número deles esta longe de atingi-los.

2. Embora nas negociações comerciais internacionais se considerem cada vez mais os interesses dos países em desenvolvimento e tenha crescido a proporção do comércio internacional que lhes corresponde, a maioria deles tropeça, em diversos setores, com problemas que ensombram suas perspectivas de desenvolvimento. É evidente que, se quiserem promover o crescimento e o desenvolvimento, esses países devem aceitar, pelo seu próprio interesse, uma maior responsabilidade e recorrer mais aos seus próprios recursos, como, por exemplo, adotando políticas públicas apropriadas, para poder desempenhar um papel ativo na promoção do seu crescimento e desenvolvimento para não serem vítimas da globalização.

3. Os Estados têm realizado importantes avanços na aplicação de políticas públicas adequadas, inclusive em circunstâncias econômicas difíceis, mediante a consagração da boa governabilidade dentro da legalidade, graças a processos eleitorais livres e eqüitativos, à igualdade do homem e da mulher, a sistemas judiciais de caráter imparcial e a medidas de combate à corrupção. Trata-se de uma tarefa em andamento.

Estratégias de desenvolvimento numa economia mundial em processo de globalização

4. Há quatro anos, a X Unctad adotou o Plano de Ação de Bangkok, que é considerado como importante diretriz para gerenciar a globalização. Na Declaração do Milênio das Nações Unidas também se estabeleceram metas e objetivos ambiciosos. Várias outras conferências internacionais importantes relativas às questões do desenvolvimento sustentável, inclusive o financiamento do desenvolvimento, têm assumido compromissos para erradicar a pobreza e superar o subdesenvolvimento. Promessas feitas devem ser promessas cumpridas. No entanto, hoje em dia esses objetivos continuam sendo cada vez mais difíceis de alcançar, e o problema tem se agravado pela incerteza globalizada e por uma crescente insegurança.

5. A Unctad goza da confiança dos países em desenvolvimento por causa de sua independência e do seu firme compromisso a favor do desenvolvimento. Assim, a Unctad é especialmente eficaz em tudo o relativo à realização de análises macroeconômicas e prestar assessoria em matéria de políticas, assim como na qualidade de organismo de execução de programas de assistência técnica. Incentivamos a Unctad para que no futuro se concentre nas esferas em que possui atributos especiais e uma vantagem comparativa e, portanto, que os priorize. Os países doadores deveriam proporcionar fundos extra-orçamentários a Unctad para que realize esta tarefa.

6. Os países em desenvolvimento tropeçam em limitações especiais e contam com menor número de mecanismos para efetuar ajustes e transformações. A maioria deles está dotada de recursos específicos, de infra-estrutura, de conhecimentos e aptidões, e de tecnologia. Individualmente e em conjunto, estes fatores influenciam na estrutura da sua economia, nas modalidades e pautas do seu comercio e no seu acesso ao capital. Além disso, a integração desses países na economia mundial tem acontecido em vários graus e em distintos níveis e velocidade, causada por uma combinação de fatores de caráter sub-regional, regional, inter-regional e internacional.

7. A coerência normativa e a margem para a formulação de políticas são os grandes temas em torno aos quais está estruturada a XI Unctad. Conviemos que é indispensável garantir a coerência entre o Plano de Ação de Bangkok e o futuro Programa de trabalho do mecanismo inter governamental da Unctad. Contudo, é ainda mais importante que haja coerência entre as políticas do setor público e os programas que aplicam as instituições econômicas de âmbito bilateral, regional e multilateral.

8. O processo de globalização comporta uma ampla integração entre as diversas economias nacionais. A adoção de normas internacionais estabelece limites à liberdade de formulação de políticas públicas no plano nacional. É preciso que os governos, atuem a nível nacional e internacional, encontrem urgentemente um ponto de equilíbrio apropriado entre esses dois pólos, garantindo que os países formulem suas próprias estratégias de desenvolvimento, e que estas e as normas internacionais convirjam para gerar emprego, crescimento e um desenvolvimento geral. A questão da existência de uma margem para a formulação de políticas nacionais no caso dos países em desenvolvimento exige uma análise séria e profunda.

Fomento da capacidade produtiva e da competitividade internacional

9. A capacidade produtiva de qualquer país radica na possibilidade que oferece aos seus cidadãos de trabalhar sobre a base de um marco regulador claramente definido e de instituições estatais eficazes que apliquem políticas públicas nacionais apropriadas voltadas para atingir um desenvolvimento sustentável de natureza endógena. Estamos convencidos de que o desemprego e uma proteção social deficiente se destacam como as causas e efeitos principais da crescente brecha entre os distintos grupos de cidadãos, tanto dentro dos Estados como entre eles. O firme compromisso em favor do pleno emprego com condições dignas de trabalho deve ser o eixo principal de todas as políticas e programas sociais, que são elementos essenciais de luta contra a pobreza.

10. A capacidade de produção dos países em desenvolvimento é menosprezada, entre outras coisas, pela falta de tecnologia, de financiamento e de instituições de apoio. A aplicação da tecnologia da informação e da comunicação nos processos de produção tem incrementado a produtividade e está desempenhando um papel fundamental na transição para uma economia baseada no conhecimento, e não na transformação da matéria prima. Os programas que fomentam a capacidade mediante uma ação centrada no conhecimento e qualificação, a educação básica e o fortalecimento das instituições, são indispensáveis para superar o subdesenvolvimento e as limitações ao estímulo da oferta.

11. É indispensável garantir a plena participação das mulheres e os jovens através da educação acadêmica e as atividades cívicas e comunitárias. Não será exagero frisar a necessidade que cada país tem de contar com meios de informação nacionais fortes, diversificados e pluralistas, e que sejam acessíveis aos setores pobres da população. Para pôr em prática estas medidas devem considerar-se as distintas sensibilidades nacionais e regionais e se basear no reconhecimento de que as reformas não podem ser objeto de uma microgestão a distância por parte de instituições que não tenham que prestar contas.

12. A capacidade produtiva nacional pode ser vista facilmente menosprezada quando não existem acordos favoráveis de financiamento regional e internacional, tanto em épocas normais como em situações de emergência. Na sua configuração atual, o sistema financeiro e monetário internacional tem demonstrado não estar à altura das suas tarefas de financiamento das crises de liquidez a curto prazo, amortização das flutuações dos preços dos produtos básicos, reciclagem dos excedentes, solução da crises endêmica da dívida e financiamento de bens e serviços de capital do setor público que os países em desenvolvimento necessitam desesperadamente.

13. O setor privado tem uma contribuição essencial para promover o desenvolvimento. Recomendamos que todos os países reforcem as condições econômicas e jurídicas favoráveis ao investimento privado. Todas as empresas privadas devem aderir à legislação nacional e assumir suas responsabilidades sociais.

Obtenção de benefícios em matéria de desenvolvimento a partir do sistema comercial internacional e as negociações comerciais

14. Não é possível obter benefícios em matéria de desenvolvimento a partir do sistema comercial internacional e as negociações comerciais se não existirem condições justas para o comércio dos produtos básicos agrícolas. Por conseguinte, é urgente realizar progressos nas negociações multilaterais em curso. Os Estados devem se comprometer a pôr um fim a toda política agrícola que contribua para o empobrecimento e o subdesenvolvimento. Devem reafirmar a sua adesão à Declaração Ministerial de Doha, estabelecer um calendário claro para a eliminação gradual de todas as formas de subvenções à exportação e à produção que distorcem o comércio, e acertar um aumento considerável de acesso aos mercados, permitindo a aplicação de tratamento especial e diferenciado como um elemento essencial, por exemplo, em apoio à segurança alimentar. Convidamos os membros da OMC para que se comprometam a enfrentar essas questões de modo que não haja distorção comercial, e pedimos à XI Unctad que no seu documento de resultados aborde as inquietudes expressas neste parágrafo.

15. Considerando a função de apoio da Unctad ao funcionamento do sistema comercial multilateral aberto, pedimos dar aos seus recursos o melhor uso possível para que o comércio internacional, as finanças, as atividades ambientais, o transporte e a tecnologia sejam orientados a satisfazer as necessidades gerais de desenvolvimento, e em particular as necessidades dos países menos desenvolvidos, os pequenos Estados insulares e os Estados sem litoral. A Unctad pode servir de foro aberto para o debate de temas que no momento constituem empecilhos para a negociação de acordos vinculantes da OMC.

16. Estamos convencidos de que os compromissos vinculantes são de interesse de todos os associados na negociação. Os conjuntos comuns e compartilhados de princípios, normas e regras são de interesse de cada país. Ao mesmo tempo, estamos convencidos de que os acordos da OMC deveriam ser abertamente negociados e livremente aceitos. As exceções e medidas especiais que são parte integrante dos acordos devem especificar-se claramente e se aplicar plenamente, em particular as que revestem importância primordial para os países em desenvolvimento, alguns dos que sustentam que o programa e o funcionamento atual da OMC são desfavoráveis para suas perspectivas de crescimento e, por conseguinte, para o seu desenvolvimento.

17. Deve dispor-se, como requisito para medir os progressos, de dados confiáveis e de uma adequada metodologia para fazer observações qualitativas e formular uma política idônea. Durante as rodadas de negociações multilaterais, o Banco Mundial e a OMC declaram que a liberalização dará lugar a enormes benefícios sócio econômicos. Estas afirmações devem desmembrar-se, de forma que cada país em desenvolvimento possa medir seus próprios ganhos socioeconômicos líquidos na geração de postos de trabalho digno. Os 40 anos da Unctad no setor do comércio e o desenvolvimento deveriam ajudar a responder a essas expectativas. Para tal propósito, pode servir a proposta dos pontos de referência do desenvolvimento.

18. Após a ampliação das normas e disciplinas comerciais para novas esferas, a norma pela que os países mensuravam seus benefícios líquidos obtidos do intercâmbio de bens, conhecida como "a relação de intercâmbio", tem desaparecido da análise séria sobre o comércio e o desenvolvimento. Pedimos a Unctad que coordene um estudo teórico e empírico sobre o particular, prestando a devida atenção às diferentes conclusões relativas à globalização e seus efeitos para os pobres.

19. Apoiamos os esforços da Unctad para ajudar os países em desenvolvimento a estarem melhor preparados para as negociações da OMC. Ao mesmo tempo, insistimos em que o mesmo efeito de ligação que se aplica a outros compromissos tributários, não tributários e baseados em normas deveria aplicar-se também aos compromissos a respeito da assistência técnica e ao fortalecimento da capacidade. Os países em desenvolvimento que têm que aderir às normas e disciplinas ligadas a OMC deveriam dispor do "apoio técnico e serviços de pós venda" necessários e suficientes, em particular através do mecanismo de solução de diferenças da OMC. Só desta forma se conseguirá um autêntico equilíbrio de benefícios a partir da aplicação do conceito de "um só organismo" na OMC.

Regionalismo aberto e cooperação Sul-Sul

20. Os apelos a favor de uma "globalização justa" não terão um significado real se o gênio criativo da vasta maioria dos seres humanos continuarem ficando à margem da interação, salvo pela intermediação de terceiros. Convencidos de que as medidas em favor da cooperação Sul-Sul têm sido até agora provisórios e insuficientes, pedimos aos países em desenvolvimento para adotarem medidas agressivas para complementar os trilhados caminhos do diálogo e os acordos Norte-Sul. Pedimos também à Unctad que formule e aplique políticas e programas adequados de apoio à cooperação econômica e técnica entre os países em desenvolvimento.

21.Na medida em que se acelera a integração em círculos cada vez mais amplos de produção e de consumo, a importância dos fatores externos para os mercados nacionais aumenta. Uma política de regionalismo baseada na abertura dos mercados incrementa a competitividade internacional, melhora o bem-estar nacional e respalda a integração. Uma análise atual das tendências internacionais e a adoção de respostas de políticas prudentes ajudará a garantir que a integração e os processos de ajuste procedam de consenso. Acreditamos a este respeito que o mecanismo Intergovernamental da Unctad deveria seguir oferecendo um foro valioso para a análise das experiências comparativas, e que a Unctad deveria trabalhar na mais estreita colaboração com outras instituições internacionais, em particular com os acordos de integração regionais e as zonas de livre comércio.

As associações e a função dos parlamentos

22. A participação dos parlamentos pode aumentar enormemente a coerência entre as estratégias nacionais de desenvolvimento e os processos econômicos mundiais - tema da XI Unctad. Os parlamentos têm importantes responsabilidades nacionais em relação com a formulação e aplicação de políticas e estratégias de desenvolvimento. Os parlamentos e seus membros debatem os problemas mundiais de hoje, e podem ajudar também neste caso a aumentar a coerência. Além disso, necessariamente têm de entender as ligações entre a vida, a segurança e o bem-estar das pessoas e o comércio e o desenvolvimento. Portanto, é conveniente em todo sentido fortalecer a cooperação entre a Unctad e os parlamentos nacionais através da União Interparlamentar, como se pede na Declaração do Milênio.

23. Por conseguinte, congratulamo-nos de que no projeto do documento de resultados da XI Unctad se reconheça a importância da função dos parlamentos em apoio à cooperação internacional para o desenvolvimento. Convidamos à União Interparlamentar para que, junto com outras assembléias parlamentares regionais e internacionais pertinentes, mobilizem a participação dos parlamentares para as atividades de seguimento. Instamos a União Interparlamentar para que continue sendo o ponto de contato entre os parlamentos e a Unctad, concretamente mediante o intercâmbio mútuo de informação e medidas de fomento da capacidade no que diz respeito ao espaço normativo e à coerência na formulação de políticas a nível nacional e internacional.

     Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/2004 - Página 19460