Discurso durante a 90ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Relato de viagem ao Rio Grande do Sul, como representante desta Casa, para acompanhar o funeral de Leonel de Moura Brizola.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Relato de viagem ao Rio Grande do Sul, como representante desta Casa, para acompanhar o funeral de Leonel de Moura Brizola.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/2004 - Página 19747
Assunto
Outros > HOMENAGEM. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, COMISSÃO, SENADO, HONRAS FUNEBRES, LEONEL BRIZOLA, EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ELOGIO, VIDA PUBLICA, IMPORTANCIA, PERSONAGEM ILUSTRE, HISTORIA, BRASIL.
  • CRITICA, AUSENCIA, ETICA, CONDUTA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tive a honra de integrar a comitiva do Sr. Vice-Presidente da República ao Rio Grande do Sul e de acompanhar os últimos momentos dos funerais do Governador Leonel de Moura Brizola. A comitiva era composta, entre os que foram no avião presidencial e os que já se encontravam no Rio Grande do Sul, dos três Senadores gaúchos, Paulo Paim, Pedro Simon e Sérgio Zambiasi, mais eu próprio, o Senador Cristovam Buarque e a Senadora Heloísa Helena, além de um grupo expressivo de Deputados Federais e também o Ministro do Interior, o Sr. Ciro Gomes. Poucas vezes participei de evento tão tocante em toda a minha vida.

Registro, Senador Cristovam Buarque, que Brizola, três ou quatro semanas antes de sua morte, havia estado aqui no Congresso e convocara uma coletiva da imprensa. Por quaisquer razões, compareceram um ou dois jornalistas - e a imprensa se move basicamente atrás de notícias, o que não é notícia não haverá legitimamente de receber a atenção dos repórteres. Assim, quem olhasse de longe poderia pensar que Brizola estivesse acabado, que a sua figura política estivesse talvez exaurida, que sua figura pública estivesse fatigada, que seu nome estivesse desgastado; ele, que em 2002 disputara o Senado da República pelo Rio de Janeiro, logrando apenas um quarto lugar na eleição. Um analista apressado poderia novamente dizer que o Rio de Janeiro repudiou Brizola, que o Rio de Janeiro não queria Brizola no Senado Federal.

Três ou quatro semanas após essa malograda entrevista coletiva à imprensa, o Governador Brizola falece, e vimos o País inteiro se comover, a começar pelo Rio de Janeiro. Durante seu velório, presentes dezenas de milhares de pessoas que foram levar a sua última homenagem ao grande gaúcho, o Rio de Janeiro passou a idéia de que era de fato muito pouco relevante ele ser ou não Senador pelo Estado, afinal de contas, Barbosa Lima Sobrinho não era Senador e foi um grande homem. Não é preciso ser Senador para merecer uma homenagem - se é que nossa vida merece alguma homenagem.

No Rio Grande do Sul, terra que Brizola governou uma vez, o ambiente era absolutamente comovente. Retratos do tempo da resistência de 1961; a Cadeia da Legalidade pela posse de João Goulart. Brizola com o ar mais jovial e mais belamente quixotesco possível em um dos retratos, com um cigarro à mão, uma metralhadora Ina pendurada no ombro e toda aquela disposição que o acompanharia até a morte. O jovem Brizola não ganhava em coragem do velho Brizola em nenhum milímetro. Ambos eram extremamente corajosos. Ele, aliás, era portador de todas as coragens que conheço: a coragem moral, a física, a cívica, a política, a pessoal. Ele era portador de todos os ramos da coragem. Sua coragem não tinha arestas, era uma coragem redonda. E lá estava, no Palácio Piratini, toda a relembrança daquele belo momento da História brasileira.

De noite, antes de dormir - e eu praticamente não havia dormido entre a noite da véspera e o dia da viagem ao Rio Grande do Sul -, assisti ao programa de entrevistas Frente a Frente - no estilo do programa Roda Viva, da TV Cultura, em que a cadeira do entrevistado fica rodando. Quem estava sendo entrevistado era o jornalista Flávio Tavares, que sofreu tudo, sofreu o exílio, a tortura, a injustiça, o opróbrio, e que hoje se afirma como o intelectual talentoso que sempre foi. E ele dava um depoimento muito bonito sobre Leonel Brizola.

Flávio Tavares, que na época era ligado a Brizola e a seus métodos, reconhecia que Brizola havia radicalizado e que, em 1961, era natural que Brizola não quisesse a fórmula parlamentarista e que quisesse chegar, como Getúlio o fizera em 1930, quem sabe para amarrar seu cavalo no Obelisco do Rio de Janeiro mais uma vez. Ele disse que o tempo lhe mostrara que quem tinha razão àquela altura era João Goulart, o conciliador, porque qualquer atitude mais sectária poderia levar à precipitação da Ditadura, com a instalação de um regime ditatorial após um golpe. Foi muito interessante e muito corajosa a entrevista de alguém que viveu aqueles momentos de maneira intensa, o bravo jornalista Flávio Tavares.

Brizola, com sua vida, deixa um enorme exemplo. Vejo perguntas práticas postas no ar. Alguém diz que o Governo vai começar a recompor sua base no Senado Federal, investindo sobre a Bancada do PDT. Meu Deus, sinto uma pena tão grande pelo Governo, uma compaixão tão grande pelo Presidente Lula! Estamos falando de alguém com biografia bonita, e lá vem o Presidente Lula apequenar sua biografia, a cada momento. Nem se enterrou Brizola e já se está falando agora em dividir e retaliar a Bancada do PDT - integrada por Senadores altivos, bravos, corretos -, como se ela fosse composta de Senadores que pudessem ser colocados em uma prateleira com uma etiqueta de preço nas costas, para serem vitimados moralmente pela fisiologia planaltina.

O Governo lê mal os resultados que obtém aqui no Senado. Afinal de contas, se todos os oposicionistas votassem sempre unidos, chegar-se-ia no máximo a 34 ou 35 votos, contando com a Senadora Heloísa Helena, e pronto. Ocorre que à Oposição se agregam, muitas vezes, em teses comuns, as dissidências conjunturais da base governista - o caso do salário mínimo foi um exemplo muito claro -, e ela obtém uma maioria que se deve muito mais à falta de entendimento do Governo para com a sua base. O Governo não consegue conter sua própria base.

Ouço atualmente o meu querido amigo, colega na Câmara, José Genoíno, falando como se fosse um comissário do povo, em pleno regime de Stalin*: “vamos punir, prender, arrebentar, vamos fazer e acontecer”. E o que é pior, Senador Paulo Paim - V. Exª que é um dos puníveis -, é que não acredito em punição alguma. Creio que eles fingem que vão punir e ficarão mantendo essa Espada de Dâmocles sobre a cabeça dos senhores, mas não terão coragem de punir coisa alguma, porque, quando se vai punir, faz-se logo, não se fica mandando esse recado pífio pela imprensa.

Penso que isso é efeito do poder, talvez pelo despreparo de o exercerem. Tenho a impressão de que todos eles estão flutuando, todos eles estão andando com um balanço diferente no corpo, estão vaidosos, entendendo que chegaram ao nirvana. E o poder, longe de ser um meio de trabalho pelo povo, passa a ser um deleite pessoal, um deleite para afagar vaidades, enfim.

Eles dizem: “vamos agora cooptar alguns Senadores da Oposição”. Meu Deus, por que não conversam direito com os Senadores de sua própria base para, depois, avaliarem se cabe cooptar alguém da Oposição? Sentem essa incomodidade com o Senado, que se afirma bravo e independente, o que mexe com o próprio Presidente Lula, que disse, outro dia, que montamos aqui um bunker do PSDB. Bunker é uma casinha onde se resiste a algum assalto. Fico pensando como Sua Excelência pode ter na cabeça a idéia de que isso aqui é um bunker. Primeiro, não é do PSDB, que tem apenas 12 Senadores - como o PSDB poderia ser tão perigoso assim com apenas 12 Senadores? Entretanto, se o Presidente pensa que esta Casa é um bunker, talvez seu subconsciente esteja a lhe aconselhar a tomar de assalto o Senado. Aí, vira um bunker mesmo, que não se toma de assalto de jeito algum, porque aqui não estamos criticando acertos do Governo, mas desacertos do Governo.

O Presidente Lula tem que admitir a verdade tal como ela está posta. A renda, nas seis principais regiões metropolitanas, está 1,4% menor do que a do mês de maio daquele trágico ano de 2003, que representou um crescimento negativo de 0,2% do Produto Interno Bruto. Peço, Sr. Presidente, que este gráfico seja endereçado aos Anais.

Da mesma maneira, é de se registrar que o Presidente Lula está há 17 meses no Poder e que a avaliação corresponde a 16 meses, porque não se dispõe ainda dos dados do último mês.

Segundo a pesquisa, a renda média do trabalhador caiu pelo 15º mês consecutivo. A renda média dos trabalhadores das seis maiores regiões metropolitanas brasileiras registrou, em maio, a 15ª queda consecutiva. O rendimento caiu 1,4%, em comparação com maio do ano passado, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A renda do trabalhador vem caindo, nesse tipo de comparação, desde março de 2003. A renda média também também diminuiu 0,7% se comparada ao resultado apurado em abril.

Temos um Governo medíocre. Medíocre mesmo, no sentido pior. Poderíamos tentar aliviar a concepção e dizer que é medíocre porque na média. Não, não! É medíocre porque é incapaz da inventividade, da criatividade, de olhar largo, de olhar grande, de pensar de maneira generosa o País.

É um Governo que se marca pela própria declaração do Presidente aos Ministros na última reunião ministerial que presidiu: “Pelo amor Deus, gastem o dinheiro que vocês têm!” Pouco importa se o Ministro Palocci contingenciou 70% ou 80% dos recursos do Ministério do senhor fulano ou de dona beltrana, porque a verdade é que o senhor fulano e a dona beltrana não gastam um tostão porque não teriam competência para gastar o pouco dinheiro que estivesse descontingenciado.

Assim, o Governo é ruim mesmo. Ele pensa autoritariamente na hora em que ameaça o Congresso, fica atarantado, sem discurso, perdido, parece uma barata tonta, parece um Governo doidivanas, que fica de um lado para o outro, batendo cabeça, aparentando uma humildade que não convence a nós outros.

Quando vejo, no Governo, as pessoas humildes, causa até pena, porque, se a humildade fosse sincera, ela seria o ano inteiro. Como ela não é sincera, é uma humildade falsa. Se é uma humildade falsa, visa a engodar, engabelar, enganar as pessoas que possam ser vítimas de sua própria sensibilidade, que tantas vezes me vitimou. Vendo a humildade, costumo sempre dar a mão a quem se porta de maneira humilde.

É um Governo frágil, que a cada momento, a cada ano, desperdiça as oportunidades que 2003 e 2004 lhe apresentaram. Foi uma brutal janela de oportunidades, com ampla liquidez internacional, para que se pudesse ter consolidado crescimento expressivo nesses dois anos. No entanto, um ano foi de crescimento negativo e o outro é de mera reposição cíclica. A comparação com o ano passado é de tal maneira pífia, que não há como não se registrar um crescimento estatístico que não resolve no emprego, que não resolve na sensação de melhoria de vida das pessoas. Devo registrar isso na comparação com o homem que fez governos discutíveis do ponto de vista da eficiência, Leonel Brizola, mas com uma biografia impecável. Não se pode acusá-lo de incoerência e, em algum momento, de ter sido insincero ou dúbio.

Senador Cristovam Buarque, a quem, em seguida, concederei o aparte, o Presidente Lula pede algo muito forte, que não lhe posso conceder de minha modesta parte. O Presidente Lula pretende que todos entendamos suas mudanças de opinião, como se ele pudesse mudar de opinião de novo mais adiante sem fazer mea-culpa perante a Nação. O Presidente não faz mea-culpa e quer ser compreendido. Ou seja, ele ganha a eleição pensando de uma forma, governa pensando de outra e quer que, obrigatoriamente, nós, supostos servos do Poder - não sou servo de Poder algum -, que nós o entendamos de maneira obediente.

O Presidente Lula promete dobrar o valor de compra do salário mínimo em quatro anos. Depois, ele estigmatiza quem quer um salário mínimo um pouco maior do que o mísero salário mínimo concedido, como se fosse um grande pecado se cobrar dele que, longe de cumprir sua promessa, se limitasse a ser um pouco mais fiel a ela, mesmo não podendo cumpri-la.

Chego a imaginar o Presidente fazendo um discurso bonito para a Nação. Ele convocaria uma cadeia de televisão e rádio e pediria desculpas, dizendo que reconhece que se beneficiou de promessas irrealizáveis. Poderia dizer que não agiu de má-fé, que agiu por ignorância, por estupidez política, por falta de conhecimento da realidade brasileira, mas que se beneficiou, agindo de um jeito ou de outro, com boa-fé ou má-fé, que se beneficiou de votos que não seriam dele se não tivesse feito as promessas mirabolantes.

Mas o Presidente não faz isso. Ao contrário, quando fala é para achincalhar a Oposição, é para dar a entender que todo mundo tem que compreender as suas figuras de linguagem e aceitá-las, é para dar a entender que fica bem entendido que “tudo aquilo que eu, Lula, fizer hoje significa que posso mudar de idéia amanhã, e me entenda hoje e me entenda amanhã também, porque eu sou o Lula, porque fui torneiro mecânico, tenho uma vida muito bonita...” Isso ele, que não é operário há 30 anos, que há 30 anos é uma figura de classe média alta, que há 30 anos poderia ter virado químico quântico, mecânico nuclear, mecânico de avião, físico nuclear, médico, o que quisesse.

Então, não dá para ter como desculpa a vida inteira o seu despreparo, a sua pouca aplicação ao ensino formal, como se ter nascido em Garanhuns explicasse o seu próprio despreparo.

Quando comparo o Presidente Lula com o Governador Brizola, vejo que ele se apequena, vejo o Presidente Lula menor. Vejo Brizola, que nunca foi Presidente, maior, porque sabíamos o tempo inteiro como estava o Brizola. Ele era previsível, podia-se combatê-lo. Posso dizer, de peito cheio, que eu não concordava com Brizola em quase nada do mundo econômico, que eu não concordava em quase nada no administrativo, que eu discordava de muita coisa dele no político, mas eu não conseguia desrespeitá-lo. Eu não conseguia deixar de ver nele um homem extraordinariamente importante, relevante, enternecedor, uma figura humana bonita, capaz de morrer pelas suas convicções e com elas.

Antes de conceder o aparte ao Senador Cristovam Buarque, Senador Paulo Paim, devo dizer a V.Exª que participei, ontem, de um programa, na TV Assembléia - uma cobertura muito bonita, ao vivo --, com o Deputado Sanchotene Felice, Presidente do meu Partido no Rio Grande do Sul. No intervalo, quando saímos para entrar, ao vivo, a movimentação em São Borja, vi Brizola, ao final de um evento, junto com o Governador Germano Rigotto, aplaudindo. Muito vagarosamente, ele baixou a cabeça. Eu disse: “Olha, ele já ia morrer ali”. Foi a primeira vez que eu, que sempre o vi jovem psicologicamente, que eu o vi assim, velho fisicamente. Eu falei para o Sanchotene Felice e ao Hélio, que era o repórter: “Olha, ele já ia morrer ali. Preste a atenção!” Logo, passou de novo, e ele disse: “V.Exª tem razão, Senador, ele já ia morrer ali”. Porque aquilo ali era falta, alguma coisa de muito ruim, de muito complicado se passava com o organismo dele. E ainda assim ele morreu dando a impressão de que era imortal. Foi atendido, no pronto socorro - é até uma ironia bonita - por um pediatra. É uma prova de que o pediatra não acreditava que ele precisasse de um geriatra. O pediatra acreditava que a doença de uma pessoa com toda aquela saúde cívica, a doença de uma pessoa assim deveria ser tratada mesmo por um pediatra, por alguém que reconhecesse sempre a juventude daquele grande brasileiro.

Senador Cristovam Buarque, com muita honra, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Senador Arthur Virgílio, também tive o prazer de estar com V. Exª e com o Senador Paulo Paim ontem, fazendo nossas homenagens a Brizola, no Rio Grande do Sul. Também senti o toque de emoção que V. Exª sentiu ao ver o povo chorando. Aliás, não só o povo, também a natureza chorava com tanta chuva ali. Eu queria aproveitar esta oportunidade do aparte para lembrar algo que, no discurso que fiz em homenagem a Brizola, imediatamente após sua morte não me foi possível falar, algo que agora V. Exª está me provocando lembrar. Fui brizolista desde os 17 anos de idade, quando, em 1961, via, em Recife, a Cadeia da Legalidade, vinda lá de Porto Alegre, defendendo a continuidade do regime democrático. Mas o que me fez ficar brizolista até hoje sem nunca ter sido do Partido do Brizola? Nunca fui do PDT. Meu primeiro Partido foi o PT, depois do MDB, de que fiz parte quando ainda estudante, indicado pelo movimento clandestino do qual fazia parte. Por que, sendo do PT, nunca tendo sido do PDT, fui sempre brizolista? Por que essa homenagem a Brizola? Senador Arthur Virgílio, penso que três coisas diferenciam Brizola de nós, políticos comuns. Primeiro, Brizola fazia política sem a impessoalidade, como hoje em dia nós fazemos. Brizola sofria o que o povo sofria. Brizola não votaria o salário mínimo sem sofrer. Acho até que o fundamental não seria R$260,00 ou R$275,00, porque dependia de uma certa aritmética e de certos valores se o objetivo central do bem-estar do trabalhador é o salário ou o serviço público que ele recebe. Mas o que é triste é que muitos de nós votam os R$260,00 ou os R$275,00 sem ter a consciência do que vai acontecer lá na ponta, sobre a cabeça de 30 milhões de pessoas. Lembrei neste plenário, certa vez, que o piloto que soltou a bomba atômica em Hiroshima havia dito que não sentiu nada na hora porque seu gesto foi impessoal. Nós, às vezes, apertamos os botõesinhos aqui impessoalmente, votando “sim” ou “não”. O Governo - senti isso no Poder Executivo - às vezes age impessoalmente. Brizola nunca foi impessoal em sua prática política. O segundo é que, diferente de muitos de nós hoje, Brizola não fazia política pensando apenas no dia-a-dia, no presente. Ele tinha um profundo sentimento da responsabilidade histórica depois da sua morte. Isso nos falta hoje. Às vezes, ficamos perdidos no dia-a-dia, sem saber que cada gesto aqui terá uma repercussão ao longo de décadas. Ele tinha esse sentimento. Ele sabia que ia ficar na história. Ele lutava mais para ficar na história que para ficar no poder. Muitos de nós rasgamos a nossa história para ficar no poder. Ele usava o poder, dentro ou fora, para continuar com a sua biografia na história. E o terceiro é que ele nunca foi corporativo. Não é possível lembrar qual a corporação que Brizola representava. Nenhuma. Ele representava o Brasil, tanto que nem a corporação que cada um de nós, Senadores, representa, que é o nosso Estado, ele representou: foi Governador em dois Estados. Nem a corporação gaúcha ele representava, mas também não a corporação carioca. Essas ele administrou e amava, mas ele sentia o Brasil inteiro. Ele sofria quando via ameaça nas fronteiras brasileiras, sofria quando via uma criança fora da escola, porque sabia que era o futuro do País ameaçado. Parabenizo V. Exª por estar dizendo essas coisas bonitas e aproveito para fazer este aparte. Mas não quero fugir de um tema: a idéia dessa corrida em busca do espólio que o Leonel Brizola poderia ter deixado. Considero isso uma falta de respeito ao grande líder Brizola. Isso lembra algumas pessoas que, quando morre um parente, correm para pegar a sua herança. Não temos direito de fazer isso. É uma falta de respeito ao Brizola e ao próprio PDT, Partido a que nunca pertenci, mas pelo qual tenho o maior respeito. Temos que respeitá-lo como Partido e não apenas como uma coisa de Leonel Brizola. Vamos dar tempo para que o PDT se encontre, escolha seus líderes novos, e depois conversam com eles a Oposição e o Governo para saberem qual é o melhor papel que esse Partido pode desempenhar para o Brasil. É uma falta de respeito ao Brizola querer entrar com o rolo compressor, tentar destruir uma coisa que ele sofreu tanto para fazer.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Agradeço, Senador Cristovam Buarque, pelo belo e fraterno aparte, que incorporo com muita honra ao meu discurso.

Encerro, Sr. Presidente, dizendo que é hora agora das avaliações, Brizola estava certo em 1961, liderando a cadeia da legalidade?

Creio que sim.

Brizola estava certo, não querendo aceitar a emenda parlamentarista?

Flávio Tavares disse ontem que reconhecia agora que não, que João Goulart estava ele próprio correto ao fazer aquele gesto de conciliação, evitando a guerra civil.

Brizola estava certo ao não conceder a João Goulart o estado de sítio que lhe permitiria enfrentar o golpe que vinha armado na parte civil por Magalhães Pinto, em Minas, por Ademar de Barros*, em São Paulo, e por Carlos Lacerda, na Guanabara? Ou, na verdade, João Goulart estaria exorbitando o pedido de sítio? Meu pai era líder dele no Senado e achava que era para se conceder o estado de sítio, sim. Brizola achava que não.

Brizola estava certo ao tentar resistir à mão armada contra o golpe ou João Goulart acertou, evitando mais uma vez o derramamento de sangue?

Brizola estava certo, chegando ao Brasil, não entrando no PMDB e criando o seu PDT, depois de ter perdido o PTB para a Deputada Ivete Vargas?

Ele estava certo, saindo da lógica de que era preciso um só Partido para enfrentar a força monolítica da ditadura militar? Ou era seu direito criar um Partido e continuar lutando pelo seu ideário trabalhista?

Ou seja, vamos agora ter muitas teses acadêmicas sobre Brizola e muita discussão política sobre esse grande homem que não precisava de mandato nenhum para ser grande como foi.

Tem toda razão V. Exª mais uma vez, Senador Cristovam Buarque. Brizola era, na verdade, um trabalhista, lascheano, pasqualiniano. Era um trabalhista. Brizola era alguém que, de tão assemelhado o tempo inteiro à sua raiz getulista, acabou de fazer exatamente como seu grande líder: saiu da vida para entrar na história.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Renda nas seis principais regiões metropolitanas


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/2004 - Página 19747