Discurso durante a 91ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reconhecimento da iniciativa do ex-governador Leonel Brizola na instituição dos Cieps, lamentando a paralisação do projeto de educação integral iniciado no governo Lula.

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • Reconhecimento da iniciativa do ex-governador Leonel Brizola na instituição dos Cieps, lamentando a paralisação do projeto de educação integral iniciado no governo Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/2004 - Página 19835
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, LEONEL BRIZOLA, PRESIDENTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), EX GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, EDUCAÇÃO, PAIS.
  • IMPORTANCIA, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, GARANTIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, TEMPO INTEGRAL, REFORMULAÇÃO, SISTEMA DE ENSINO, MELHORIA, SALARIO, CAPACIDADE PROFISSIONAL, PROFESSOR, SERVIDOR, AMPLIAÇÃO, MODERNIZAÇÃO, INSTALAÇÕES, INCENTIVO, MANUTENÇÃO, CRIANÇA, ESCOLA PUBLICA, COMBATE, ANALFABETISMO, PROSTITUIÇÃO, TRABALHO, INFANCIA.
  • EXPECTATIVA, MANUTENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROGRAMA, TRANSFORMAÇÃO, EDUCAÇÃO, PAIS.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, tivemos a oportunidade de ir, juntos, a Porto Alegre e dar o nosso adeus a Leonel Brizola. Creio que, na história do Brasil, essa quarta semana de junho ficará conhecida como a semana de Brizola. E vale a pena se perguntar por que um político que perdeu as últimas eleições, que, no último Governo no Rio de Janeiro, foi tão criticado, que comprou tantas brigas, termine como uma unanimidade. Se fosse escolher uma coisa, diria: é porque Brizola fez escolas.

Há uma figura lendária do século XX, um neozelandês, chamado Edmund Hillary, que foi o primeiro homem a chegar ao topo do monte Everest. Um aventureiro que não apenas chegou ao topo do Everest, mas esteve nos dois pólos, cortou rios, atravessou desertos, e ele, hoje um homem velho, costuma dizer que, de tudo o que fez na vida, do que ele mais se orgulha não é ter sido o primeiro homem a atingir o pico do Everest, mas é ter construído algumas escolas nas montanhas do Himalaia para atender às necessidades das crianças pobres daquela região.

Brizola fez isso. Lembrei-me dele, do neozelandês Hillary, quando vi o reconhecimento nacional por Brizola, mas, entre as escolas que Brizola fez desde o começo, quando prefeito em Porto Alegre, nada marcou tanto a sua vida como os chamados Cieps. E é disso que quero falar, Presidente. Mas quero falar dos Cieps do Presidente Lula, um projeto que tem passado despercebido, mas que tem a mesma ambição, e talvez até maior, do que aquela dos Cieps de Brizola.

Os Cieps de Brizola, que saíram também da cabeça do genial Darcy Ribeiro, eram um projeto que visava a que as crianças ficassem na escola em horário integral. Isso já ocorre hoje com as classes média e alta, que matriculam seus filhos em cursos de judô, ginástica, francês, inglês, piano. A criança se dedica durante as seis horas que ela precisa ocupar.

Brizola e Darcy retomaram a idéia de Anísio Teixeira no Brasil - que já tem um século no mundo - e disseram que não mais seria possível continuarmos, como hoje ainda, com duas horas de aula por dia em muitos lugares, ou quatro horas de aula por dia. Seria necessário que nossas crianças estudassem seis horas e que tivessem não apenas aulas, mas atividades complementares. Esse foi o projeto que Leonel Brizola criou e que nos marcou muito. Tanto que o ponto alto de tudo o que se fez nesses dias por S. Exª foi uma parada em frente ao primeiro Ciep inaugurado por ele no Rio de Janeiro.

Pouca gente percebe que o Presidente Lula, desde os primeiros dias de seu Governo, no Ministério da Educação, iniciou também os seus Cieps. No entanto, com uma diferença: os Cieps do Presidente Lula não visam a uma escola com qualidade por seis horas, mas visam a que a cidade inteira dê um salto educacional. No Governo do Presidente Lula, os Cieps receberam o nome de Escola Ideal. Não se trata de uma escola individual, mas de uma escola em sentido global, ou seja, do conjunto de todas as escolas de uma cidade. O projeto Escola Ideal poderia até ter sido chamado de Cidade Ideal da Escola Pública, que daria certinho com a sigla de Brizola! Pois bem, os Cieps de Lula têm essa grande diferença: não querem resolver o problema por uma escola, mas por todas as escolas de uma cidade.

Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, como Ministro do Presidente Lula, o programa começou a ser implantado em 2003, e foram dirigidos os recursos necessários para 29 cidades do Brasil. Foram escolhidas cidades entre as mais pobres, com menor IDH e com população pequena. E queríamos mostrar que, mesmo nessas cidades, é possível que todas as escolas funcionem em horário integral, com professores bem remunerados, com programas para erradicar o trabalho e a prostituição infantil, com computadores, bibliotecas e prédios bonitos.

O projeto Ciep do Presidente Lula chamado Escola Ideal não se concentrava na arquitetura, mas tinha como objetivo a recuperação de todos os prédios daquela cidade. Todos os prédios seriam reformados, embora não com padrão único como os Cieps; seriam bem equipados, com bibliotecas. Todas as escolas participariam de outro programa iniciado pelo Presidente Lula no ano passado, chamado de Escola Interativa, que une as escolas de uma cidade com o resto do mundo. Queríamos dar o salto para mostrar ao resto do Brasil que é possível mudar as escolas de todas as cidades do País.

A concepção e metas apresentadas pelo MEC, em janeiro de 2003, previa um prazo de 15 anos para completar a revolução educacional de que o Brasil precisa em todas as suas 5.561 diferentes cidades. Um programa com essa ambição não se realizaria em poucos meses; seria preciso que o Brasil começasse imediatamente sua implantação para recuperar o tempo perdido, mas sabendo que demoraria até 15 anos para chegar a todas as cidades.

Foram definidos itens que comporiam a Escola Ideal: os professores, os prédios, os equipamentos. Foram escolhidas as cidades. Conseguimos, aqui nesta Casa e na Câmara Federal, o que poderia parecer milagre naquela época de orçamento tão apertado: conseguimos os recursos necessários, remanejando de uma área para outra do Ministério da Educação, para pôr esse dinheiro à disposição das cidades.

Tudo isso foi feito ainda em 2003. O Congresso, com apoio da Oposição, teve a sensibilidade de mudar o Orçamento. Muitos Parlamentares aceitaram inclusive abrir mão de suas emendas para financiar o Ciep do Presidente Lula.

Em 2003, tornaram-se disponíveis R$95,6 milhões. Ainda em 2003, escolhemos 29 Municípios dos Estados do Maranhão, Piauí, Paraíba, Ceará, Mato Grosso, Goiás e Santa Catarina para beneficiar quase 82 mil alunos de 633 escolas. Esses Municípios foram escolhidos entre os mais pobres, mas, para entrar nesse projeto, as cidades tiveram de fazer algo inédito neste País, um pacto com todas as lideranças da cidade, dizendo: “Aqui, educação será prioridade”. Esse acordo foi firmado até porque, neste ano, podem mudar muitos desses prefeitos, e o programa vai demorar para ser implantado e dar os seus resultados.

Conseguimos, ainda em 2003, no dia 10 de dezembro, assinar um protocolo entre o MEC e os Governos estaduais e municipais que permitiu transferir para cada Estado a totalidade dos R$95 milhões.

Assim, Sr. Presidente, o Governo Lula mostrou que seu Ciep começava no seu primeiro ano, para garantir a todos os brasileiros, dentro de 15 anos, uma escola bem equipada, com modernas tecnologias, com professores e funcionários bem preparados, bem remunerados e motivados, dispondo de material didático e apoio pedagógico de primeira qualidade e com horário integral em todas as escolas. No lugar de construir um prédio, quisemos refazer todo o sistema educacional.

Com esse objetivo, o MEC iniciou o financiamento para reforma e ampliação dos prédios, aquisição de mobiliário, instalação de ambientes tecnológicos (composto por laboratório de informática, TV, vídeo e antena parabólica) e de laboratórios de física e química, reforço no transporte escolar, implantação de bibliotecas e de Casas da Leitura, distribuição de uniforme escolar a todos os alunos. Em um ano, foi possível dar o passo inicial para o que levaria tempo para aparecer, mas que certamente já estaria aparecendo neste momento.

Em contrapartida ao que o Governo Federal dava, os Governos estaduais se comprometeriam com a capacitação dos professores, diretores e funcionários e a melhora na remuneração dos docentes. E os Governos municipais ficariam responsáveis pela eliminação do analfabetismo, combate à prostituição e ao trabalho infantil, manutenção de todas as crianças na escola e melhora do salário do professor. Era o passo para a federalização da Educação Básica, o que este País continua esperando.

O objetivo do programa Cidade Ideal na Educação Básica, do Presidente Lula, era mostrar que é possível mudar radicalmente a realidade da educação brasileira em cada cidade, iniciando, desde já, com aquelas 29 em que nós começamos.

No Orçamento de 2004, Sr. Presidente, o Governo do Presidente Lula conseguiu colocar R$244 milhões, suficientes para implantar o programa em outras 131 cidades, tendo como base o aprendizado das 29 primeiras. Não tenham dúvida, quando o povo brasileiro visse o milagre ocorrendo naquelas pequenas e pobres cidades, um movimento natural entre o Governo federal, os estaduais, os municipais e toda a população criaria o esforço necessário para o programa seguir adiante e induziria o surgimento dos recursos necessários.

Esperávamos abranger, em 2005, mais trezentas cidades. Para cumprir a meta de, em 15 anos, incluir todas as escolas de todas as cidades, seria necessário incorporar apenas quinhentas novas cidades por ano a partir de 2006. O Brasil seria um país diferente no momento em que concluíssemos esse trabalho.

Durante o enterro de Leonel Brizola, quando o caixão parou em frente ao primeiro Ciep inaugurado no seu Governo, pudemos ver pela televisão mais de um popular entrevistado dizer como teria sido diferente o Brasil se os governos seguintes tivessem continuado a implantação dos Cieps. O mesmo se pode dizer dos Cieps de Lula, com a diferença de que, agora, aparentemente, não foi preciso esperar outro Governo, o próprio Governo Lula parou os Cieps. O dinheiro transferido para os municípios em dezembro do ano passado não chegou a todos eles; estão parados nos Estados, porque o MEC não está acompanhando o repasse desses recursos. Mais grave ainda, nenhum novo acordo foi feito com nenhuma nova cidade, e, dos 244 milhões reservados para o Escola Ideal - pasmem todos! -, nem um centavo foi gasto para levar adiante o Ciep do Presidente Lula.

Tudo indica que, ainda no segundo semestre deste ano, o Governo proporá realocar os R$244 milhões previstos para realizar o Ciep do Lula, que morrerá ainda no segundo ano do seu mandato, como morreu o Ciep de Brizola no governo que o sucedeu. No caso do nosso Governo, nenhum número significativo será implantado, ao contrário do que ocorreu na gestão do então Governador Leonel Brizola, porque, de alguma forma, houve a continuidade do Ciep nos governos seguintes.

Venho à tribuna, Sr. Presidente, para homenagear novamente Leonel Brizola e mostrar que o Governo Lula, no primeiro ano, por intermédio do Ministério da Educação, deu os passos necessários para levar adiante a idéia de horário integral em todas as escolas brasileiras no prazo possível, começando em 2003.

Sr. Presidente, faço um apelo aos Parlamentares desta Casa e ao Presidente Lula no sentido de que não deixem morrer a idéia e o sonho de Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Leonel Brizola e, no começo, do Presidente Lula. Repito: não deixem morre o sonho de que escola, para ser de qualidade, deve ser em horário integral. Isso é possível e a hora é essa.

Em homenagem ao Governador Leonel Brizola, vamos levar adiante o sonho da escola integral, não copiando o conceito do prédio escolar como o símbolo do que acontece na escola porque, na verdade, o que vale na escola é menos o prédio e mais o professor; é menos o prédio e mais o equipamento; é menos o prédio e mais o livro, desde que o prédio tenha as condições necessárias para a criança sentir-se à vontade lá. O que vale, realmente, é o horário integral para todas as nossas crianças.

É possível isso que foi desenhado e iniciado no Governo Lula e é triste que estacione antes mesmo de vir um novo governo. Ainda é tempo, ainda é possível retomar esse trabalho. É preciso que o Senhor Presidente volte a despertar a esperança. Quem sabe a morte de um grande brasileiro não sirva como exemplo para que a esperança volte.

Presidente Paulo Paim, quero deixar registrado aqui o meu reconhecimento a Leonel Brizola; a minha lembrança do que se fez na educação no primeiro ano do Governo do Presidente Lula e o desafio para que Sua Excelência não deixe morrer o sonho e o compromisso que assumiu com o povo brasileiro.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/2004 - Página 19835