Discurso durante a 91ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Expectativas de elevação da taxa de juros norte-americanas e seus desdobramentos para a economia global. Incapacidade de gerenciamento e aplicação dos recursos públicos pelo governo, o que favorece o crescimento do superávit primário.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL. ECONOMIA NACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Expectativas de elevação da taxa de juros norte-americanas e seus desdobramentos para a economia global. Incapacidade de gerenciamento e aplicação dos recursos públicos pelo governo, o que favorece o crescimento do superávit primário.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 29/06/2004 - Página 19837
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL. ECONOMIA NACIONAL. GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ANUNCIO, AUMENTO, JUROS, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), POSSIBILIDADE, DESEQUILIBRIO, ECONOMIA INTERNACIONAL, ECONOMIA NACIONAL.
  • CRITICA, CONTRADIÇÃO, GRUPO, ECONOMIA, GOVERNO FEDERAL, ESPECIFICAÇÃO, HENRIQUE MEIRELLES, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DA REPUBLICA DO BRASIL (BCB), CONSELHO, POLITICA MONETARIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), APOIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATIVIDADE AGRICOLA, SETOR PRIVADO, SEM-TERRA.
  • CRITICA, POLITICA FISCAL, GOVERNO FEDERAL, OBJETIVO, SUPERAVIT, IMPOSIÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), AUMENTO, DIVIDA PUBLICA, EFEITO, INFERIORIDADE, JUROS.
  • CRITICA, INCAPACIDADE, GOVERNO FEDERAL, APLICAÇÃO, RECURSOS, SETOR PUBLICO, INEFICACIA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, SETOR, SEGURANÇA PUBLICA, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, VIOLENCIA, INFERIORIDADE, INVESTIMENTO, SANEAMENTO, EDUCAÇÃO, TRANSPORTE.
  • REPUDIO, DECISÃO, JUIZ, MUNICIPIO, TAUBATE (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIZAÇÃO, BANCO PARTICULAR, CONTRATAÇÃO, SEGURANÇA, INICIATIVA PRIVADA, REINTEGRAÇÃO DE POSSE, INVASÃO, SEM-TERRA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na próxima quarta-feira o Banco Central dos Estados Unidos deve elevar as taxas de juros. Esse será o principal evento de interesse de investidores de todo o mundo na semana. É de se indagar o que nos importa a elevação das taxas de juros nos Estados Unidos. É claro que nos importa.

Não haverá mais dúvida, com essa atitude norte-americana, de que a economia global entrará, muito em breve, em um ciclo importante de políticas de arrocho monetário. Certamente, o Banco Central Europeu adotará medidas similares. Mesmo que não as adote, certamente, nesta semana, teremos informações de natureza econômica, provenientes dos dois lados do Atlântico.

O que importa destacar, no Brasil, nesta hora, é que certamente esse equilíbrio instável - se é que podemos considerar equilíbrio instável - dos mercados globais provocará uma exacerbação nas fragilidades de nossa economia. O Presidente do Banco Central disse que não. Henrique Meirelles afirma que o Brasil não será afetado pela possível alta dos juros nos Estados, mas essa não é a opinião unânime no Governo. As contradições afloram, especialmente quando se trata de discutir o impacto no Brasil de atitudes econômicas tomadas nos Estados Unidos ou na Europa. O Conselho de Política Monetária (Copom), nas duas últimas reuniões, justificou a manutenção das taxas de juros em 16% à volatilidade externa. Isso contradiz frontalmente, portanto, o discurso do Presidente do Banco Central. As contradições se tornam rotina no Governo do Presidente Lula e o próprio Presidente da República as acentua de forma visível. Sua Excelência tem assumido duas posturas diametralmente opostas, dependendo da platéia e da audiência. Lá nos Estados Unidos, por exemplo, no Hotel Waldorf Astoria, em Nova York, o Presidente Lula incorporou o líder de Esquerda, que é capaz de conciliar o social e o mercado, um papel moldado à comunidade econômica internacional. Portanto adotou o discurso que sentiu agradar à platéia naquele momento. Em outros eventos, o discurso é diferente. Por exemplo, em São Paulo, quando da Conferência da ONU para Cooperação e Desenvolvimento, o Presidente adotou retórica esquerdista e faz críticas às misérias do mundo causadas pelas regras impostas pelas organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional.

A dualidade flagrante da postura presidencial, uma espécie de “dupla personalidade”, não é um fenômeno tão corriqueiro e folclórico como pode parecer para alguns. Na verdade, sob a influência de alguns “assessores”, a “composição” desses dois “papéis contraditórios” é “alimentada” constantemente. É como se o Presidente Lula fosse capaz de minimizar a repercussão do fato de atrelar sua política econômica ao receituário ultra-ortodoxo do FMI, ao adotar, em alguns momentos, uma retórica de esquerda.

Numa comparação feliz, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, hoje no jornal O Estado de S. Paulo, diz o seguinte: “O Lula só pode apoiar o agronegócio (privado e globalizado) se der a outra mão ao MST”. Portanto, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg retrata bem essa dualidade do Presidente da República, essa postura que acentua as contradições internas do seu Governo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesse cenário de alterações econômicas que nascem lá fora, os números revelados no final da última semana mostram que, no Brasil, o “aperto fiscal” se amplia de forma vertiginosa e o Governo, graças a esse arrocho fiscal sem precedentes, conseguiu, com um mês de antecedência, cumprir a meta do superávit fiscal imposto pelo Fundo Monetário Internacional.

Entre janeiro e maio, o setor público economizou R$38,268 bilhões para o pagamento de juros, R$5,568 bilhões a mais do que deveria ser acumulado em todo o primeiro semestre.

O superávit primário obtido até maio pela União, Estados e Municípios estatais representou 5,87% do PIB. Portanto foi bem acima do compromisso do Governo Brasileiro, que é um superávit primário de 4,25% do PIB.

Apesar desse enorme esforço fiscal, o Brasil não conseguiu conter o avanço da dívida. No mês de maio, o endividamento do Governo chegou a R$946,669 bilhões, valor equivalente a 56,8% do PIB.

Quando o Presidente Lula assumiu, essa proporção era de 55,5%. O aumento da dívida pública brasileira é conseqüência da prática das altas taxas de juros. O Governo atual sempre criticou, de forma contundente, o Governo anterior por permitir o crescimento da dívida pública. É evidente, como os números atestam, que há uma repetição do fenômeno. Ao manter as taxas de juros elevadas, sem outra alternativa, o crescimento da dívida pública brasileira supera todos os percentuais relativamente ao Produto Interno Bruto. Essa paralisia governamental contribui para a obtenção do superávit primário mesmo antes do tempo.

Pelos dados do Siafi, até o último dia 10 de junho, as despesas efetivas com investimentos do Governo Federal ficaram em apenas R$395,85 milhões dos R$12,4 bilhões previstos no Orçamento de 2004. Esse volume de gastos corresponde a 3,71% do total previsto.

Essa incapacidade de gerenciamento dos recursos públicos, essa incapacidade, eu diria, de aplicação dos recursos públicos, já que o Governo não consegue aplicar sequer os recursos disponibilizados no Orçamento para investimentos produtivos, contribui para que se obtenha, antes da hora, o superávit primário imposto pelo Fundo Monetário Internacional e que se suplante até aquele superávit primário assumido como compromisso pelo Governo.

Há alguns exemplos que devem ser reiterados aqui desta tribuna. Por exemplo, com segurança pública, até o último dia 10 de junho, o Governo havia investido apenas 1,87% do volume autorizado. Do volume autorizado de R$563.317.586,00, o Governo gastou apenas R$10.525.451,00.

É evidente que seria motivo de aplausos a economia se ela se desse em setores que poderemos considerar de desperdício, setores supérfluos, que não atendem as necessidades básicas da população. Mas esse tipo de economia deve ser condenado. Economizar recursos públicos e permitir que a violência cresça de forma avassaladora, como vem crescendo não apenas nas grandes cidades, mas em todo o País, é evidente que não pode ser admitido como postura competente de Governo. Somente a paralisia governamental, a incapacidade de gerenciamento e a incompetência administrativa é que justificam esse resultado financeiro neste setor tão importante para o brasileiro, que é o de segurança pública.

Esse descalabro se reflete na recente decisão do Juiz de Taubaté, que, de forma inusitada, validou a falência jurídica do Estado brasileiro ao determinar que o Unibanco contrate milícia particular se quiser ter de volta área invadida pelos sem-terra. O fato é inusitado. O Juiz de Taubaté decreta, com tal decisão, a falência jurídica do Estado brasileiro.

Todos nos lembramos da figura da Velhinha de Taubaté, personagem criada pelo escritor Luís Fernando Veríssimo, nos anos 80. O escritor afirma que a Velhinha ainda está muito viva e acredita em tudo que o Ministro Antônio Palocci diz na televisão. Só a Velhinha de Taubaté. A Velhinha de Taubaté do escritor Luís Fernando Veríssimo, aquela que não contesta nada e tende a acreditar em tudo, é a antítese do Juiz de Taubaté. Provavelmente, só a Velhinha acredite num Governo que investiu zero em saneamento. Com R$166,21 milhões de recursos autorizados, o Governo investiu apenas 1,95% em educação. É por isso, Senador Cristovam Buarque, que o Governo paralisa um importante programa como aquele de sua iniciativa, que repete Brizola, razão de todas as homenagens desta semana, os CIEPs. Apenas 1,95% do que estava previsto no Orçamento para a educação se investiu até dia 10 de junho. É claro que não se justifica essa contenção, já que não se trata de gastos, mas de investimentos. Repete-se insistentemente que aplicar recursos públicos em educação é investir - e investir naquele que tem que ser obviamente considerado o setor mais importante para qualquer obra administrativa de Governo. Em educação, investiu-se 1,95%; em transportes, 0,38%. É evidente que isso justifica o estado deplorável das rodovias brasileiras, verdadeiro estado de calamidade pública, destruição de um extraordinário patrimônio nacional, que é o nosso sistema viário, construído durante tantos governos, com investimentos fantásticos, oriundos do imposto pago pela população brasileira. Em agricultura, o Governo investiu 1,54%.

Senador Cristovam Buarque, concedo a V. Exª um aparte.

O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PT - DF) - Senador Alvaro Dias, escuto aqui atento a tudo que V. Exª vem falando, mas um ponto me motivou a iniciativa de lhe fazer um aparte. V. Exª traz para cá uma crise de lógica que há no Brasil: o que é investimento, o que é custo. Um pedreiro colocar tijolo em cima de outro para fazer um hotel de luxo é investimento. Um professor colocar sabedoria na cabeça de um aluno é considerado custo no Brasil. Isso é uma deformação completa. Educação é investimento. Salário de professor é investimento; não é custo. Por que salário para fazer uma parede é considerado investimento? Por que salário para fazer a sabedoria, o futuro, a melhoria da preparação da nossa mão-de-obra é considerado custo? É uma aberração dessa lógica que existe no Brasil nas últimas décadas e que continua nos últimos anos do nosso Governo, que é baseada apenas na economia e que despreza o povo.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Cristovam Buarque, sabemos da vocação para educação de V. Exª e sabemos o quanto estamos perdendo com o fato de V. Exª ter sido remetido de volta ao Senado Federal. É claro que aqui nos orgulhamos da sua presença, que nos inspira ao debate de assuntos da maior importância para o País. Sua participação nesses debates nos esclarece, nos embala a discutir questões centrais e de interesse maior para a nossa gente. Sobretudo quando se trata de educação, V. Exª é mestre e certamente sempre define com clareza as contradições existentes no nosso País em tantos governos e que são repetidas agora no atual Governo, quando encara o investimento em educação como gasto. Pelo contrário, a educação é um investimento com o retorno mais expressivo, mais representativo e mais assegurado que existe nessa relação custo/benefício do investimento realizado pelo Poder Público. Certamente a presença de V. Exª no Senado Federal nos levará a discutir essa questão muitas vezes, provavelmente levando-nos a uma evolução em matéria de conscientização no que diz respeito à importância dos investimentos em educação no nosso País.

E volto, Senador Paulo Paim, ao “Juiz de Taubaté” - que é a antítese da “Velhinha de Taubaté” - que, a despeito de reconhecer que a garantia da propriedade é um direito inviolável e que cabe ao Estado assegurá-la, reconhece que o Estado não tem condições reais de assegurar tal direito e, com olhos na realidade, estabelece um novo paradigma.

Não podemos aceitar que o absurdo se transforme em bom senso, como escreveu recentemente Clóvis Rossi.

O “Juiz de Taubaté” afirma: “Não é razoável e adequado ficar a todo momento tirando policiais da rua para cumprir uma reintegração de posse e, assim, privar a população do trabalho da polícia.”

É uma decisão que merece a reflexão de todos nós. No entanto, trata-se de uma decisão que reflete a falência jurídica do Estado brasileiro e que nos leva a protestar contra esses investimentos irrisórios do Governo em segurança pública. O Governo investe uma cifra que começa com zero em segurança pública, quando, na realidade, um juiz é obrigado a decretar a falência jurídica do Estado por entender que não existe segurança no País, por entender que não é possível retirar alguns policiais para cumprir uma decisão judicial de reintegração de posse. Os policiais farão falta - e como farão - para a manutenção da ordem pública.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é necessária esta reflexão: não podemos cerrar fileiras ao lado da “Velhinha da Taubaté” e acreditar que o Governo Lula não emite sinais, neste momento, de, no mínimo, uma governança temerária.

Os problemas estão em nossa frente. A fragilidade governamental é um retrato permanente em cada atitude, em cada passo do atual Governo. A reflexão que estamos hoje solicitando desta tribuna do Senado Federal deve ser especialmente dos que integram o Governo, e sobretudo daqueles que ao redor do Presidente da República, no 4º andar do Palácio do Planalto, devem levá-lo a refletir responsavelmente sobre o que vem ocorrendo no nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/06/2004 - Página 19837