Discurso durante a 94ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transplante de órgãos no Brasil.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Transplante de órgãos no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2004 - Página 20202
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, TRANSPLANTE DE ORGÃO, BRASIL.
  • NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, ATUAÇÃO, ESTADO, COORDENAÇÃO, SISTEMA NACIONAL, TRANSPLANTE DE ORGÃO, COMBATE, IRREGULARIDADE, COMERCIALIZAÇÃO, ORGÃO HUMANO, DIVULGAÇÃO, INFORMAÇÃO, POPULAÇÃO, INCENTIVO, CADASTRAMENTO, DOADOR, ATENDIMENTO, CRESCIMENTO, DEMANDA, TRANSPLANTE.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há um ano fiz um discurso, nesta mesma tribuna, sobre a necessidade de voltarmos nossa atenção para o problema dos transplantes em nosso País. Esse importante tema demanda, novamente, nossa atenção, especialmente depois que um jornal internacional ressuscitou a questão da existência de rotas internacionais de tráfico de órgãos, com ramificações no Brasil.

Infelizmente, a captação de órgãos para transplantes e o tráfico de órgãos freqüentemente se confundem na cabeça dos brasileiros menos informados. O resultado, quase sempre, é a diminuição de doadores, da mesma forma que notícias divulgadas, nos últimos meses, sobre a existência da máfia dos hemoderivados acabaram provocando a redução de doações de sangue em vários hemocentros.

Vamos iniciar nossa análise com um balanço do setor nos últimos anos. Como já disse no ano passado, a generosidade do brasileiro nos garante a posição de segundo lugar no mundo em número absoluto de doações, só perdendo para os Estados Unidos da América do Norte. Entretanto, em relação ao tamanho da nossa população, ficamos apenas em nona posição. Isso significa que a quantidade de transplantes efetivamente realizados em nosso País poderia ser muito maior do que já é, salvando pessoas, recuperando qualidade de vida, devolvendo plena capacidade produtiva a brasileiros.

Estamos mantendo um crescimento constante do número de doações desde o ano de 1997. Fechamos o ano passado com o total de 8.544 transplantes realizados, segundo dados do Ministério da Saúde. Contudo, a observação da taxa de crescimento anual nos mostra que está na hora de intensificarmos campanhas pró-doação. Essa taxa atingiu 9%, 19% e 23% entre 1998 e 2000. Nos últimos três anos, entretanto, o ritmo desceu para 15%, 10% e 7%. Já a lista de espera para os transplantes cresceu 13% só no ano passado, chegando aos 58,5 mil pacientes.

Existe um esforço para melhorar essa situação, tanto da parte de autoridades de saúde quanto de várias entidades organizadas da sociedade civil, dedicadas ao tema. Existiam, no ano passado, vinte centrais estaduais e mais três centrais regionais, articuladas pelo Sistema Nacional de Transplantes, do Ministério da Saúde. Hoje, já há vinte e duas estaduais e oito regionais funcionando. E tenho o prazer de anunciar que o meu Estado do Amapá começou agora a implantação de sua central.

A criação da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos - CNCDO em Macapá, em conjunto com um banco de olhos, permitirá, em pouco tempo, tornar corriqueiras cirurgias de transplante no Estado do Amapá. É esperado que, em três ou quatro anos, possamos estar realizando, no próprio Estado, intervenções de maior complexidade, como transplantes de coração, fígado e rins.

A criação dessas instituições é apenas o primeiro passo para se atingir esse objetivo. Serão necessários, ainda, investimentos em capacitação de cirurgiões e em aquisição de equipamentos de alta precisão.

Mas tudo isso pode ser em vão, se não conseguirmos incentivar o cadastramento de doadores e melhorar a captação dos órgãos quando esses se tornam disponíveis. Atingir esse objetivo envolveria não apenas campanhas pelo aumento das doações, mas uma ação informativa mais incisiva, trazendo o tema, por exemplo, para as escolas, nas aulas de biologia, ciências e outras disciplinas afins.

É necessário informar o grande público sobre as diferentes técnicas de transplantes. Existem alguns que podem ser feitos a partir de doadores vivos, sem maiores riscos ou seqüelas. Existem outros em que é fundamental a logística de captação e transplante, haja vista que nem todos os tecidos e órgãos podem ser armazenados por longo período de tempo. Para aqueles cuja armazenagem é impossível, devemos encontrar receptores e realizar o transplante poucas horas após a coleta.

A legislação atual obriga obter o consentimento da família antes da retirada de órgãos de doadores com morte cerebral confirmada. É comum que o curto prazo dificulte o convencimento. Mesmo em caso de doadores pré-cadastrados, acontece a família não conhecer o desejo do morto, impedindo a retirada dos órgãos. Acaba, assim, perdendo o parente e a oportunidade de ajudar outras pessoas.

A educação, portanto, deve ser o principal meio para conseguirmos aumentar, de forma perene, a disponibilidade de órgãos, servindo as campanhas publicitárias mais para manter vivo o interesse pelo assunto.

A ampliação da ação do Estado na coordenação do Sistema Nacional de Transplantes - SNT -, por outro lado, pode ter um efeito extremamente positivo para eliminar os lamentáveis episódios de comercialização de órgãos.

Obviamente não se pode culpar, de todo, a família de um paciente que está à espera de um transplante, por tentar encurtar essa agonia. E o desespero causado pela situação financeira, de sua parte, leva à existência de brasileiros dispostos a vender órgãos, especialmente rins e fígado, que podem ser retirados de doadores vivos.

Nesses casos, mais eficaz do que a repressão policial é garantir o funcionamento pleno do SNT, tanto na parte da organização da fila única de receptores, quanto na parte de cadastramento de doadores e da logística de captação e distribuição de tecidos e órgãos, entre as várias cidades brasileiras. Potencialmente, somos capazes de atender quase a totalidade da fila existente, com medidas relativamente simples e baratas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ainda vai demorar para que os transplantes possam ser substituídos por outras soluções. Reconstrução de órgãos e terapias de base genética para doenças degenerativas poderão ser, no futuro, soluções definitivas para os pacientes, dispensando-os do hoje extenuante processo de espera por doações e, enfim, do próprio trauma físico e psicológico que uma cirurgia de alta complexidade envolve.

Enquanto isso, cuidemos da medicina preventiva, para que doenças controláveis nas fases iniciais não avancem, forçando a necessidade de transplantes. Vamos incentivar a educação e as campanhas em favor da doação de órgãos e, por fim, vamos zelar para que o Sistema Nacional de Transplantes continue a funcionar de maneira séria e respeitável, conforme foi planejado. A respeitabilidade do sistema perante a população, contando com a generosidade do nosso povo, garantirá, reitero, mais vidas salvas e condições menos estressantes para os que eventualmente ainda estiverem esperando o doador compatível.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2004 - Página 20202