Discurso durante a 94ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Decenário do Plano Real e sua relação com os 180 dias do Governo Lula, destacando a necessidade do "Plano Real Social".

Autor
Cristovam Buarque (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIAL.:
  • Decenário do Plano Real e sua relação com os 180 dias do Governo Lula, destacando a necessidade do "Plano Real Social".
Aparteantes
Mão Santa, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2004 - Página 20211
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, COMEMORAÇÃO, DECENIO, PLANO, REAL, GOVERNO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EFICACIA, CONTROLE, ESTABILIDADE, POLITICA MONETARIA, INSUFICIENCIA, POLITICA SOCIAL, ERRADICAÇÃO, POBREZA, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DISCRIMINAÇÃO, MAIORIA, POPULAÇÃO, PAIS.
  • SOLICITAÇÃO, CONGRESSISTA, CONSCIENTIZAÇÃO, APROVAÇÃO, ORÇAMENTO, DESTINAÇÃO, RECURSOS, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, SAUDE, EDUCAÇÃO, COMBATE, POBREZA, GARANTIA, DIGNIDADE, CIDADANIA, POPULAÇÃO.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil comemora, hoje, dez anos do Plano Real e 180 dias do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esses dois fatos, aparentemente desconectados, têm uma relação profunda.

Com a tranqüilidade de quem, sendo do Partido dos Trabalhadores, há dez anos apoiou a criatividade do Plano Real e previu nele a possibilidade de resolvermos o trágico problema da inflação do País; com a tranqüilidade também de quem, naquele momento, levantou o risco de que o Plano Real traria a estabilidade monetária mas poderia criar desemprego e aumentar a desigualdade, venho reconhecer que os dez anos do Plano Real são um exemplo de programa que o Brasil mostrou ao mundo inteiro.

Não há dúvida alguma que, depois de 30 anos de inflação, que já estava arraigada dentro do corpo social brasileiro tanto quanto a escravidão estava antes, aquele gesto de criatividade conseguiu romper uma inércia e conseguiu trazer uma estabilidade que para nós, hoje, parece permanente, tranqüila, mas que, há algum tempo, era impossível imaginar que ocorreria.

Ao mesmo tempo em que nós temos que comemorar a criatividade dos economistas que, naquele momento, criaram o Plano Real, do Presidente Itamar Franco que, naquele momento, foi capaz de bancar o programa, assim como o Presidente Fernando Henrique Cardoso, temos que reconhecer isso, precisamos reconhecer que, nesses dez anos, muito pouco foi feito para termos um Plano Real social, que traga o Nordeste para o mesmo padrão de economia do resto do País - nem falo de São Paulo, falo da média brasileira -, que traga todas as crianças para dentro da escola. Houve avanços, sim, nesses dez anos, no que se refere ao aumento da matrícula, mas temos, ainda, 1,5 milhão de crianças fora da escola e apenas 40% terminando o ensino médio. Conseguimos, sim, dar saltos na Saúde, mas insuficientes para a grandeza que demos no plano da moeda.

Sr. Presidente, quando eu disse que correlacionava os dez anos do Plano Real com os 180 dias do tempo do Governo do meu Partido, o que eu quero dizer é que se durante os primeiros oito anos e meio do Plano Real não houve avanço social significativo - apesar de termos que reconhecer, no Governo do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, a criação do Bolsa-Escola em nível nacional, mas com valor insignificante; apesar de termos que reconhecer que houve um programa para cuidar do trabalho e da prostituição infantil, mas de uma maneira absoluta e vergonhosamente tímida -, ao chegarmos aos 180 dias de Governo do Presidente Lula, do meu Partido, temos que reconhecer, ainda não demos o salto necessário na área social. Ainda não fizemos o Plano Real para a pobreza; ainda não fizemos um Plano Real para o social no Brasil.

Durante as discussões do salário-mínimo, tivemos um avanço, sim, quando ficou acertado que, na LDO, se incorporaria a lista de objetivos que comporiam um choque social no Brasil. Ali está escrito, graças, inclusive, ao trabalho do Senador Garibaldi como Relator da LDO, que o Governo Federal se compromete a enviar para esta Casa, antes do final do ano, o Programa de Criação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e, embutido nisso, o piso salarial para o professor brasileiro que, dez anos depois do Plano Real, apesar de não ter havido inflações substanciais como antigamente, não subiu como este País precisa. Para o choque social, está embutido na LDO um programa para contratar 500 mil trabalhadores que sejam capazes de fazer as obras de água e esgoto para as populações pobres do Brasil. Ali está, sim, no choque social, a idéia de um programa ambicioso, com meta determinada para a abolição do trabalho e da prostituição infantil.

Se no Governo Fernando Henrique Cardoso foram criados o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - Peti - e a Bolsa-Escola, temos que reconhecer que foi em nível insuficiente e, com lealdade crítica, que nosso Governo não deu um salto maior do que aquele que foi dado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Sr. Presidente, esse choque social que estará embutido na LDO que vamos votar em algum momento é um passo, mas ainda é muito tímido. Ficará inexplicável, na História de nossa geração para o futuro, como foi possível que um conjunto de pessoas tenha dado o salto do Plano Real no controle da estabilidade monetária e não tenha dado um salto minimamente substancial para erradicar, no Brasil, a situação de pobreza em que vivem, pelo menos, 50 milhões de brasileiros.

Sr. Presidente, ao mesmo tempo que lembro os dez anos do Plano Real e os 180 dias do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, quero propor que esta Casa não fique apenas passiva, esperando que venham do Poder Executivo propostas no sentido de levarmos adiante um choque social, um Plano Real social pela abolição da pobreza, Senador Mão Santa, como o Piauí tanto precisa, como o meu Pernambuco de origem precisa e o Distrito Federal, que represento, também precisa.

Não podemos ficar apenas na expectativa de um dia votar “sim” ou “não”. Podemos, sim, tomar a iniciativa de lançar para o Brasil a idéia de um Plano Real social, concebido de maneira transpartidária nesta Casa, conversando com a Câmara dos Deputados se necessário for, e conveniente é. Vamos elaborar um programa para que o Brasil faça com a pobreza, com o social, o que fomos capazes de fazer com a moeda.

Concedo um aparte ao Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Cristovam Buarque, eu atentamente estava ouvindo, como todo o País, o discurso de V. Exª. Evidentemente V. Exª dá um grande ensinamento ao Presidente Lula. V. Exª acaba de dizer, sintetizando, que o Governo tem que ter metas, objetivos. Assim, Senador Jefferson Péres, foi D. Pedro I quem articulou a independência; foi D. Pedro II quem garantiu a unidade; foram os militares republicanos que, com Rui Barbosa, consolidaram a República; depois Getúlio, com todas as dificuldades, consolidou o respeito ao trabalho e ao trabalhador com as leis trabalhistas; Juscelino Kubitschek, com seu otimismo, com sua objetividade, industrializou o sul, construiu Brasília e criou a Sudene para amparar as desigualdades sociais, e assim sucessivamente. Fernando Henrique Cardoso e Itamar Franco tiveram como meta, sem dúvida a maior conquista do século, a estabilidade econômica com o real. Também gostaria de lembrar o nome, de fazer justiça a um anônimo, a um franciscano, cuja austeridade e obstinação ajudou muito. Refiro-me ao Ministro Ricupero. O Governo tem que aprender com a história, tem que seguir ensinamentos como o de V. Exª, tem que ter meta, porque até agora não apresentou nenhuma meta objetiva.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Agradeço as palavras de V. Exª, Senador Mão Santa.

Sr. Presidente, temos como dar, a partir desta Casa, alguns passos quando o Poder Executivo não os dá. A hora é esta. Daqui a pouco, daremos início à discussão do Orçamento para o ano de 2005. O Orçamento é a chance que o Congresso tem de mostrar o que é possível fazer, como fazer e o recurso necessário para isso. Tradicionalmente, o Congresso se limita a votar propostas. Constitucionalmente, temos restrições em apor rubricas ao Orçamento. Mas a Constituição, a criatividade e sobretudo a vontade desta Casa permitem encontrarmos caminhos para que o Orçamento para 2005 preveja, por exemplo, que dois milhões de professores da rede pública, professores que são funcionários dos Municípios e dos Estados, possam receber um piso salarial pago pelo Governo Federal, como o primeiro ano do Governo Luiz Inácio Lula da Silva deixou como projeto de lei, em que começou a aplicar por meio da idéia da certificação federal como complementação salarial aos professores. Como nos moldes do Governo Fernando Henrique Cardoso que criou, mesmo que de maneira tímida, como quase todo o social, o Fundef. Se formos capaz de ampliar os recursos para o Fundef, se é que não haverá tempo de termos o Fundo para todo o Ensino Básico, poderemos, sim, Sr. Presidente, dar um salto social.

Sr. Presidente, ouvi hoje o discurso proferido pelo Senador Ramez Tebet sobre trabalho infantil e acredito que podemos, a partir desta Casa, dar um salto para a erradicação do trabalho infantil. Programas existem, como o Peti. Vamos colocar os recursos necessários para que o Peti realize os planos deste País de, como V. Exª disse, Senador Ramez Tebet, abolir a vergonha do trabalho infantil. Lá está prevista a possibilidade do Peti, projeto que existe há seis anos. Vamos aumentar os recursos para isso e exigir que o Governo libere os recursos para abolir o trabalho infantil. Isso é possível e depende de nós.

O Senador Ramez Tebet pede-me um aparte, e concedo com muito prazer.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Peço o aparte, mesmo não tendo nada a acrescentar ao discurso de V. Exª, para lhe fazer um reconhecimento. V. Exª balizou sua vida pública em defesa do social, inclusive indicando, como salvação para o desenvolvimento e para a qualidade de vida da nossa população, justamente a educação. Hoje V. Exª fala da existência desse programas. O que precisamos, efetivamente, é de vontade política para injetarmos recursos nesses programas para que realmente possam atingir sua verdadeira finalidade. Cumprimento V. Exª.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PT - DF) - Agradeço as palavras de V. Exª.

Por isso, Senador, deixo aqui um apelo: que a votação do Orçamento por esta Casa não se dê de forma burocrática nem impessoal; que soframos na hora de decidir para onde vão os poucos recursos que temos; que votemos com a pessoalidade de quem tem compromisso com o povo brasileiro; não pensemos burocraticamente, mas sim politicamente, colocando os recursos em primeiro lugar para aqueles que mais precisam, e não como sempre acontece, quando deixamos por último aqueles que não põem gravata para entrar aqui, aqueles que não têm acesso a esta Casa, aqueles que não têm lobistas que venham lutar por mais recursos; coloquemos em primeiro lugar aqueles que mais precisam e evitemos a vergonha de, outra vez, na hora de votarmos o salário mínimo, discutir se vamos dar ou não R$0,50 a mais por dia ao trabalhador.

Sr. Presidente, concluo, deixando este apelo: transformemos o ato de aprovar o Orçamento em ato de verdadeira guerrilha cívica para que o povo brasileiro receba aquilo a que tem direito e que a história do Brasil espera há tanto tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2004 - Página 20211