Discurso durante a 95ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o projeto de parcerias público-privadas.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Considerações sobre o projeto de parcerias público-privadas.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2004 - Página 20568
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, PREFEITO, MUNICIPIO, PIMENTA BUENO (RO), CACOAL (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO), RECEBIMENTO, PREMIO, APOIO, INCLUSÃO, CRIANÇA, SOCIEDADE.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, PROJETO DE LEI, CRIAÇÃO, PROGRAMA, PARCERIA, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO, GARANTIA, REQUISITOS, ATRAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA, DESTINAÇÃO, RECURSOS, INVESTIMENTO, ESTADO, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PAIS.

           O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de iniciar o meu pronunciamento - vou falar sobre as parcerias público-privadas para que a população do nosso País possa conhecer melhor este projeto -, eu gostaria de parabenizar duas prefeitas do meu Estado de Rondônia: a Prefeita Inês Zanol, de Pimenta Bueno, e a Prefeita Sueli Aragão, do meu Partido, do PMDB de Cacoal, porque foram premiadas ontem com o selo Prefeito Amigo da Criança. Por que Amigo da Criança? Porque fizeram grandes trabalhos de integralidade, de apoio e de inclusão da criança na sociedade.

           Tem-se destacado na administração pública a Prefeita Sueli Aragão, cujo marido, Ronaldo Aragão, já foi Senador. Deputada Estadual por dois mandatos, hoje é uma das Prefeitas que se destacou junto com os 126 Prefeitos homenageados, seis dos quais no Norte do País.

           Portanto, são dignas de elogio as Srªs Sueli Aragão e Inês Zanol, Prefeitas respectivamente de Cacoal e Pimenta Bueno.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os últimos anos verificaram acentuada diminuição da capacidade de investimento do Estado brasileiro. Esse encolhimento ocorreu porque o Estado não teve condições, particularmente a partir de meados da década de 80, de desempenhar papel proeminente em muitas áreas ao mesmo tempo. A partir de um determinado momento, verificou-se que o importante era o combate ao déficit público e a redução da inflação.

           Desde então, deixou de ser factível ao Governo, diretamente ou por meio de suas empresas estatais, realizar grandes projetos de infra-estrutura, como fora feito no passado. Ressalte-se que isso não aconteceu somente no Brasil, mas em todo o mundo.

           O que fazer quando sabemos que os investimentos em infra-estrutura não são apenas necessários, mas determinantes pra a promoção do desenvolvimento econômico? A resposta está na busca de parcerias com a iniciativa privada.

           Isso, porém, leva a outra questão: como atrair a iniciativa privada? Como sabemos, ninguém investe em um País se não houver condições que assegurem o lucro e impeçam a perda do capital investido. Entre outras, tais condições incluem a estabilidade econômica; a credibilidade do Governo e do País; a existência de um marco regulatório adequado; um sistema financeiro; um mercado de capitais e um mercado de seguros bem desenvolvidos; e fundos de pensão com ativos de porte considerável.

           Na minha missão como Relator, no Senado Federal, do Projeto de Lei que institui as Parcerias Público-Privadas, a intenção foi a de criar um marco regulatório que garanta condições para que a iniciativa privada se interesse pela implantação ou operação de empreendimentos ou serviços de interesse público, especialmente daqueles com baixa rentabilidade econômica.

           Além disso, pareceu-me vital a criação de uma regulação adequada para evitar prejuízos para o consumidor.

           Posto isso, quero me deter com mais cuidado em alguns pontos do projeto que me parecem mais sensíveis. Então, vejamos:

           O primeiro ponto importante é em relação à própria natureza da relação público-privada. O art. 2º define o que é o contrato de parceria; qual a sua duração; quem pode firmá-lo; qual é o seu objeto, bem como estabelece o papel de parceiro privado. Nesse artigo, uma das minhas preocupações foi a de estabelecer um prazo razoável de vigência para os contratos firmados. Por isso, ficou estabelecido que os contratos poderão viger entre 05 e 45 anos, o que afirma o estabelecimento de relações duradouras entre o Estado e o setor privado.

           Os incisos desse artigo - é preciso dizer - definem quais são as diretrizes de parceria. A principal delas, principalmente neste momento, é a que está disposta no inciso IV do art. 2º: responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias. As PPPs não podem, dessa forma, contrariar o significado de sua existência. Elas existem porque o Estado não mais possui capacidade econômica para levar adiante obras de infra-estrutura. Seria irracional se o Estado viesse a ser ainda mais drenado de recursos pelas PPPs. Outras importantes diretrizes são: a eficiência, a transparência, a repartição do risco e a sustentabilidade financeira.

           O art. 3º define quais serão os objetos passíveis de parceria público-privada. Procedi à elevação do valor mínimo dos contratos de parceria para R$20 milhões. Além disso, esse limite se estendeu a qualquer PPP.

           Incumbe à Administração Pública ainda declarar de utilidade pública os bens necessários à execução da obra ou do serviço, promovendo as desapropriações ou a instituição de servidões administrativas, diretamente ou mediante outorga de poderes ao parceiro privado, caso em que será deste, desde que prevista no edital a responsabilidade pelas indenizações cabíveis.

           Também nesse art. 3º ficou estabelecida a vedação de contrato cujo objeto fosse somente o fornecimento de mão-de-obra, o que impede que o instituto se transforme, no futuro, em terceirização indevida da mão-de-obra do serviço público.

           O art. 4º traz importantes marcos. O primeiro é a manutenção do inicial equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Além disso, esse artigo estabelece que são cláusulas necessárias dos contratos de parceria público-privada: fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização, e a forma de notificação de inadimplência ao gestor do fundo fiduciário pelo parceiro privado. As cláusulas contratuais de atualização automática de valores, baseadas em índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão ainda aplicadas sem necessidade de homologação por parte da administração pública...

           O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Valdir Raupp.

           O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - …exceto se esta publicar, até o advento do primeiro vencimento de fatura após a data da atualização, razões fundamentadas na lei ou no contrato para a não homologação.

           Concedo um aparte, com muito prazer, ao nobre Senador Mozarildo Cavalcanti.

           O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Nobre Senador, V. Exª aborda um assunto que realmente tem chamado a atenção do País todo, notadamente desta Casa, pois estamos em vias de votar o projeto. Amazônida como V. Exª, homem da Amazônia, inquieta-me a possibilidade de o projeto de parceria público-privada terminar por privilegiar investimentos das regiões ricas, onde possa haver retorno. Eu me preocupo, por exemplo, que, na Amazônia, as grandes obras não tenham essa parceria. É até uma indagação que faço a V. Exª como Relator: qual a salvaguarda que têm as regiões mais pobres, como o Norte e o Centro-Oeste, de que essas parcerias vão beneficiá-las também e, portanto, contribuir para seu desenvolvimento?

           O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - Muito pertinente a sua indagação, nobre Senador. Ocorre que as parcerias público-privadas poderão investir também em saneamento básico, habitação, energia elétrica, transportes, portos, hidrovias, ferrovias. Em suma, uma gama de obras poderá ser construída com as parcerias público-privadas. Cito, na Amazônia, os gasodutos, as usinas hidroelétricas, que custarão R$5 bilhões, R$10 bilhões, R$15 bilhões. Quanto às ferrovias talvez, não sei se Roraima, um dia, poderá chegar, quem sabe, a ter ligação com a Venezuela com a construção de uma ferrovia de grande porte. Qualquer obra acima de R$20 milhões - e não precisa ser uma obra muito grande; pode ser até mesmo um presídio federal - poderá ser construída com a parceria público-privada. É preciso que a obra custe mais de R$20 milhões, porque investimentos menores poderiam banalizar muito a idéia. Acredito que a Amazônia poderá, sim, ser contemplada com as parcerias, e o País precisa dessa infra-estrutura para sustentar o crescimento econômico.

           Continuo:

           Ao término do contrato de parceria público-privada ou nos casos de extinção antecipada do contrato, a propriedade das obras pública e dos bens, móveis e imóveis, necessários à continuidade dos serviços objeto da parceria reverte-se em administração pública, independentemente de indenização, salvo disposições contratuais em contrário ou na hipótese de existência de bens com investimentos não amortizados ou não depreciados realizados com o objetivo de garantir a continuidade ou a atualidade do objeto da parceira, desde que os investimentos tenham sido autorizados prévia e expressamente pela Administração Pública.

           O art. 6º determina que as contraprestações da Administração Pública decorrentes dos contratos de parcerias público-privadas, havendo disponibilidade financeira no órgão ou ente contratante, terão precedência de pagamento sobre as contraprestações relativas às obrigações contratuais que tenham por objeto a execução de obras públicas contratadas na forma da Lei nº 8.666, de 1993. Essa precedência não viola a Lei de Responsabilidade Fiscal, por não se atribuir prioridade às PPPs na programação orçamentária, mas sim na execução financeira.

           O art. 7º, por sua vez, estabelece que, além das garantias concedidas ao parceiro privado no caput, o contrato de parceria poderá prever, em favor da entidade financiadora do projeto, a emissão, diretamente em seu nome, dos empenhos relativos às obrigações da Administração Pública e a legitimidade para receber pagamentos efetuados por intermédio dos fundos especiais e do fundo fiduciário referidos no caput do artigo.

           Outro ponto significativo é o da chamada sociedade de propósito específico. Aí é de se observar que a transparência nos negócios firmados com o Estado assumiu papel de destaque. De um lado, a sociedade criada para implantar e gerir objeto de parceria deverá ter normas bastante claras para o seu funcionamento, adotando, se assim desejar, a forma de sociedade anônima. O projeto, porém, traz um avanço: conforme disposto no § 4º do art. 8º, a sociedade de propósito específico deverá adotar contabilidade e demonstração financeira padronizadas, a serem fixadas pelo Poder Executivo Federal. É aquilo que hoje os especialistas em Administração qualificam de governança corporativa; ou seja, as contas e a forma como a empresa é administrada devem ser transparentes para os acionistas e para o Estado. Evita-se de tal maneira que os administradores da empresa tomem ações temerárias ou fraudulentas. Para a viabilidade do negócio o artigo estabelece que o prazo da parceria deve ser compatível com a amortização do investimento, o que serve para atrair a iniciativa privada para a parceria. No mesmo sentido, estão as aplicações de penalidades quanto ao inadimplemento das obrigações contratuais.

           Ainda para que o marco regulatório seja atrativo para a iniciativa privada, o art. 12 prevê a possibilidade do estabelecimento de garantias para o caso de incapacidade no cumprimento da proposta ou das obrigações contratuais. Além disso, a possibilidade de uso da arbitragem, sempre mais célere do que a Justiça comum para dirimir conflitos decorrentes da execução do contrato.

           Pensando na transparência, os arts. 13 e 14 estabelecem a forma como a licitação deverá ser conduzida formalmente e quais são os critérios a serem adotados na análise da proposta. De acordo com o art. 13, o edital definirá a forma de apresentação das propostas econômicas a ser aplicada no procedimento licitatório, admitindo-se propostas escritas em envelopes lacrados, lances em viva voz ou a combinação de ambos. Os lances seriam diferentes dos leilões, tal como previstos na Lei de Licitações, por buscarem o menor preço a ser pago pela Administração Pública, enquanto os leilões buscam o maior valor a ser recebido.

           O art. 15, por sua vez, vem coroar os dois artigos anteriores. Se ali a preocupação era a de estabelecer critérios para o processo de seleção, o art. 15 define o estabelecimento de um órgão gestor que terá a finalidade de fixar os procedimentos para a contratação das PPPs, definir quais serão as atividades, obras ou serviços a serem considerados prioritários, autorizar a abertura do processo licitatório e homologar os termos do respectivo instrumento convocatório. O órgão mencionado no caput do art. 15 será composto por indicação nominal de um representante titular e respectivo suplente de cada um dos seguintes órgãos: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Fazenda; e Casa Civil da Presidência da República.

           O art. 16 trata do acompanhamento das parcerias. Será prévio, quando Ministérios e agências reguladoras, nas suas áreas de competência, deverão examinar a compatibilidade da parceria com as normas próprias do setor. Ocorrerá, também, concomitante à execução do projeto.

           O art. 17 é importantíssimo. Ele define o estabelecimento de fundos fiduciários para o cumprimento das obrigações contratuais. De acordo com o art. 17, fica a União ou entidade de direito privado por ela controlada autorizada a subscrever ou adquirir quotas em fundo fiduciário de direito privado, gerido por uma ou mais instituições financeiras controladas, direta ou indiretamente, pela União, com o objetivo específico de prestar garantia de cumprimento das obrigações a que se refere o art. 7º, nos termos da legislação pertinente e na forma que dispuser ato do Poder Executivo.

           Destaca-se a possibilidade de que a entidade de direito privado controlada pela União poderá controlar o fundo fiduciário, evitando que os recursos do fundo sejam objeto de contingenciamentos ou usados para pagar, por exemplo, precatórios. Além disso, é importante observar que o contrato de parceria público-privada poderá, na forma do regulamento, estabelecer que, na hipótese de falta de cumprimento das obrigações pecuniárias por parte do parceiro público, o gestor do fundo fiduciário, desde que notificado, transferirá ao parceiro privado credor a titularidade de quotas em montante suficiente para a liquidação do débito gerador da situação de inadimplência.

           Sobre o art. 17, ainda, cumpre anotar que a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, na forma das diretrizes estabelecidas em ato do Poder Executivo, disporá sobre: regime fiduciário do patrimônio do fundo; responsabilidade dos agentes fiduciários; condições de constituição, funcionamento e extinção do fundo fiduciário; e operações ativas e passivas do fundo fiduciário, as quais visarão manter em níveis adequados a sua rentabilidade e liquidez. Entre as operações ativas possíveis está a compra de títulos da dívida pública, assegurando liquidez às garantias oferecidas, ou seja, em caso de inadimplemento do setor público, as garantias poderão ser levantadas rapidamente por meio da venda de títulos em carteira.

           O art. 18, por sua vez, cria uma nova forma de financiamento para atender as PPPs. Tal artigo estende aos fundos de investimento baseados nos direitos creditórios oriundos de contratos de parceria os incentivos previstos no Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de Interesse Social (PIPS), estimulando o surgimento de um mercado secundário de títulos lastreados em frações de PPPs. A maior pulverização dos capitais investidos assegurará liquidez aos títulos negociados, atraindo um amplo leque de potenciais investidores, inclusive pequenos, sem que sejam contrariadas as restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal sobre a concessão de incentivos fiscais.

           Ainda sobre esse tópico, cabe uma pertinente observação política. Todos aqui assistimos a constantes acusações sobre um suposto patrocínio oficial aos investimentos financeiros tidos como “especuladores”, em detrimento daqueles voltados ao financiamento da produção.

           (O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

           O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - Já estou concluindo, Sr. Presidente.

           Por meio dessa nova forma de financiamento baseada nos direitos creditórios, teremos opção concreta de combater tais argumentos, tão comuns em teses e discursos oposicionistas, favorecendo os projetos de ampla repercussão social, com geração de empregos e renda.

           O art. 20, por fim, determina que os valores arrecadados pela administração pública, na forma do inciso II do parágrafo único do art. 14, deverão ser utilizados exclusivamente como fonte de recursos para despesas de investimento.

           Srªs e Srs. Senadores, dessa breve análise, podemos obter algumas conclusões. A primeira diz respeito à transparência. Com a previsão de normas contábeis e financeiras uniformes e comprometidas com a governança corporativa, desaparece o risco de que a parceria se torne uma arapuca para o Estado ou para investidores incautos.

           Sr. Presidente, já que meu tempo se esgotou e pretendo contribuir com os próximos oradores, gostaria que meu pronunciamento fosse transcrito na íntegra para os Anais do Senado Federal. Afirmo, mais uma vez, que o Programa de Parceria Público-Privada é muito importante para o País, tendo em vista que não há neste momento recursos para investimentos em grandes obras. Se desejamos um crescimento econômico e sustentável, precisamos de investimentos urgentes, não para amanhã, mas para ontem. O projeto será muito importante para o País.

           Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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           SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR VALDIR RAUPP.

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O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os últimos anos verificaram uma acentuada diminuição da capacidade de investimento do Estado Brasileiro. Esse encolhimento ocorreu porque o Estado não teve condições, particularmente a partir de meados dos anos 80, de ter um papel proeminente em muitas áreas ao mesmo tempo. A partir de um determinado momento se verificou que o importante era o combate ao déficit público e a redução da inflação.

A partir desse cenário, deixou de ser factível ao governo, diretamente ou por meio de suas empresas estatais, realizar grandes projetos de infra-estrutura, como fora feito no passado. Frise-se que isso não aconteceu somente no Brasil, mas em todo o mundo.

O que fazer, quando sabemos que os investimentos em infra-estrutura não são apenas necessários, mas determinantes para a promoção do desenvolvimento econômico? A resposta é a busca de parcerias com a iniciativa privada.

Isso, porém, leva a outra questão. Como atrair a iniciativa privada? Como sabemos, ninguém investe em um país se não houver condições que assegurem o lucro e impeçam a perda do capital investido. Entre outras, tais condições incluem a estabilidade econômica; a credibilidade do governo e do país; a existência de um marco regulatório adequado; um sistema financeiro; um mercado de capitais e um mercado de seguros bem desenvolvidos; e fundos de pensão com ativos de porte considerável.

Na minha missão, como Relator, no Senado Federal, do projeto de lei que institui as Parcerias Público-Privadas, a intenção foi a de criar um marco regulatório que garanta condições para que a iniciativa privada se interesse pela implantação ou operação de empreendimentos ou serviços de interesse público, especialmente daqueles com baixa rentabilidade econômica. Além disso, pareceu-me vital a criação de uma regulação adequada para evitar prejuízos para o consumidor.

Posto isso, gostaria de me deter, com mais cuidado, em alguns pontos do projeto que me parecem mais sensíveis. Vejamos.

Apresentado em 19 de novembro de 2003, pelo Poder Executivo, o Projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, na forma de substitutivo da Comissão Especial, em 17 de março de 2004.

O Senado Federal recebeu a proposição em 24 de março de 2004, cabendo a análise à Comissão de Serviços de Infra-Estrutura (CI), à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), e a de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

Junto à CAE, apresentei Parecer favorável, na forma de substitutivo, na décima sexta reunião ordinária, realizada em 18 de maio de 2004. Com algumas modificações, o Parecer foi reiterado nas reuniões realizadas em 1º e 3 de junho de 2004.

O primeiro ponto importante é em relação à própria natureza da Parceria Público-Privada. O art. 2º define o que é o contrato de parceria, qual a sua duração, quem pode firmá-lo, qual é o seu objeto, bem como estabelece o papel do parceiro privado. Nesse artigo, uma das minhas preocupações foi a de estabelecer um prazo razoável de vigência para os contratos firmados. Por isso, ficou estabelecido que os contratos poderão viger entre cinco e quarenta e cinco anos, o que afirma o estabelecimento de relações duradouras entre o Estado e o setor privado.

Os incisos desse artigo, é preciso dizer, definem quais são as diretrizes da parceria. A principal delas, principalmente neste momento, é a que está disposta no inciso IV do artigo 2º: responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias. As PPPs não podem, dessa forma, contrariar o significado de sua existência. Elas existem porque o Estado não mais possui capacidade econômica para levar adiante obras de infra-estrutura. Seria irracional se o Estado viesse a ser ainda mais drenado de recursos pelas PPPs. Outras importantes diretrizes são a eficiência, a transparência, a repartição do risco e a sustentabilidade financeira.

O art. 3º define quais serão os objetos passíveis da parceria público-privada. Aí procedi à elevação do valor mínimo dos contratos de parceria para R$20 milhões. Além disso, esse limite se estendeu a qualquer PPP.

Incumbe à Administração Pública, ainda, declarar de utilidade pública os bens necessários à execução da obra ou do serviço, promovendo as desapropriações ou a instituição de servidões administrativas, diretamente ou mediante outorga de poderes ao parceiro privado, caso em que será deste, desde que prevista no edital, a responsabilidade pelas indenizações cabíveis.

Também, nesse art. 3º, ficou estabelecida a vedação de contrato cujo objeto fosse somente o fornecimento de mão-de-obra, o que impede que o instituto se transforme, no futuro, em terceirização indevida da mão-de-obra do serviço público. Esse dispositivo constava do substitutivo aprovado pela Comissão de Infra-Estrutura. O mesmo acontece com outros dispositivos comentados adiante.

O art. 4º traz importantes marcos. O primeiro é a manutenção do inicial equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Além disso, esse artigo estabelece que são cláusulas necessárias dos contratos de parceria público-privada: fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização, e a forma de notificação da inadimplência ao gestor do fundo fiduciário pelo parceiro privado. As cláusulas contratuais de atualização automática de valores, baseadas em índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão, ainda, aplicadas sem necessidade de homologação por parte da administração pública, exceto se esta publicar, até o advento do primeiro vencimento de fatura após a data da atualização, razões fundamentadas na lei ou no contrato para a não homologação.

Ao término do contrato de parceria público-privada ou nos casos de extinção antecipada do contrato, a propriedade das obras públicas e dos bens, móveis e imóveis, necessários à continuidade dos serviços objeto da parceria, revertem-se à administração pública, independentemente de indenização, salvo disposições contratuais em contrário ou na hipótese de existência de bens com investimentos não amortizados ou não depreciados realizados com o objetivo de garantir a continuidade ou a atualidade do objeto da parceria, desde que os investimentos tenham sido autorizados prévia e expressamente pela administração pública.

O art. 6º determina que as contraprestações da administração pública decorrentes dos contratos de parcerias público-privadas, havendo disponibilidade financeira no órgão ou ente contratante, terão precedência de pagamento sobre as contraprestações relativas às obrigações contratuais que tenham por objeto a execução de obras públicas contratadas na forma da Lei nº 8.666, de 1993. Essa precedência não viola a Lei de Responsabilidade Fiscal, por não se atribuir prioridade às PPPs na programação orçamentária, mas sim na execução financeira.

O art. 7º, por sua vez, estabelece que, além das garantias concedidas ao parceiro privado no caput, o contrato de parceria poderá prever, em favor da entidade financiadora do projeto, a emissão, diretamente em seu nome, dos empenhos relativos às obrigações da administração pública e a legitimidade para receber pagamentos efetuados por intermédio dos fundos especiais e do fundo fiduciário referidos no caput do artigo.

Outro ponto significativo é o da chamada sociedade de propósito específico. Aí é de se observar que a transparência nos negócios firmados com o Estado assumiu papel de destaque. De um lado, a sociedade criada para implantar e gerir o objeto de parceria deverá ter normas bastante claras para o seu funcionamento, adotando, se assim desejar, a forma de sociedade anônima. O projeto, porém, traz um avanço: conforme disposto no parágrafo 4º do art. 8º, a sociedade de propósito específico deverá adotar contabilidade e demonstração financeira padronizadas a serem fixadas pelo Poder Executivo Federal. É aquilo que, hoje, os especialistas em Administração qualificam de governança corporativa, ou seja, as contas e a forma como a empresa é administrada devem ser transparentes para os acionistas e para o Estado. Evita-se, de tal maneira, que os administradores da empresa tomem ações temerárias ou fraudulentas.

Para a viabilidade do negócio, o artigo estabelece que o prazo da parceria deve ser compatível com a amortização do investimento, o que serve para atrair a iniciativa privada para a parceria. No mesmo sentido, estão as aplicações de penalidades quanto ao inadimplemento das obrigações contratuais.

Ainda para que o marco regulatório seja atrativo para a iniciativa privada, o art. 12 prevê a possibilidade do estabelecimento de garantias para o caso de incapacidade no cumprimento da proposta ou das obrigações contratuais. Além disso, há a possibilidade de uso de arbitragem, sempre mais célere do que a Justiça comum, para dirimir conflitos decorrentes da execução do contrato.

Pensando na transparência, os arts. 13 e 14 estabelecem a forma como a licitação deverá ser conduzida formalmente e quais são os critérios a serem adotados na análise das propostas. De acordo com o art. 13, o edital definirá a forma de apresentação das propostas econômicas a ser aplicada no procedimento licitatório, admitindo-se propostas escritas em envelopes lacrados, lances em viva voz ou a combinação de ambos. Os lances seriam diferentes dos leilões, tal como previstos na Lei de Licitações, por buscarem o menor preço a ser pago pela administração pública, enquanto os leilões buscam o maior valor a ser recebido.

O art. 15, por sua vez, vem coroar os dois artigos anteriores. Se ali a preocupação era a de estabelecer critérios para o processo de seleção, o artigo 15 define o estabelecimento de um órgão gestor que terá a finalidade de fixar os procedimentos para a contratação das PPPs, definir quais serão as atividades, obras ou serviços a serem considerados prioritários, autorizar a abertura do processo licitatório e homologar os termos do respectivo instrumento convocatório. O órgão mencionado no caput do art. 15 será composto por indicação nominal de um representante titular e respectivo suplente de cada um dos seguintes órgãos: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério da Fazenda; e Casa Civil da Presidência da República. A estrutura, assim, é igual à aprovada pela Câmara, mas diferente da aprovada pela Comissão de Serviços de Infra-Estrutura.

O art. 16 trata do acompanhamento das parcerias. Será prévio, quando Ministérios e agências reguladores, nas suas áreas de competência, deverão examinar a compatibilidade da parceria com as normas que regulam o setor. Ocorrerá, também, concomitante à execução do projeto.

O art. 17 é importantíssimo. Ele define o estabelecimento de fundos fiduciários para o cumprimento das obrigações contratuais. De acordo com o art. 17, fica a União ou entidade de direito privado por ela controlada autorizada a subscrever ou adquirir quotas em fundo fiduciário de direito privado, gerido por uma ou mais instituições financeiras controladas, direta ou indiretamente, pela União, com o objetivo específico de prestar garantia de cumprimento das obrigações a que se refere o art. 7º, nos termos da legislação pertinente e na forma que dispuser ato do Poder Executivo.

Destaca-se a possibilidade de que a entidade de direito privado controlada pela União poderá controlar o fundo fiduciário, evitando que os recursos do fundo sejam objeto de contingenciamentos ou usados para pagar, por exemplo, precatórios. Além disso, é importante observar que o contrato de parceria público-privada poderá, na forma do regulamento, estabelecer que, na hipótese de falta de cumprimento das obrigações pecuniárias por parte do parceiro público, o gestor do fundo fiduciário, desde que notificado, transferirá ao parceiro privado credor a titularidade de quotas em montante suficiente para a liquidação do débito gerador da situação de inadimplência.

Sobre o art. 17, ainda, cumpre anotar que a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, na forma das diretrizes estabelecidas em ato do Poder Executivo, disporá sobre: regime fiduciário do patrimônio do fundo; responsabilidade dos agentes fiduciários; condições de constituição, funcionamento e extinção do fundo fiduciário; e operações ativas e passivas do fundo fiduciário, as quais visarão manter em níveis adequados a sua rentabilidade e liquidez. Entre as operações ativas possíveis está a compra de títulos da dívida pública, assegurando liquidez às garantias oferecidas, ou seja, em caso de inadimplemento do setor público, as garantias poderão ser levantadas rapidamente por meio da venda de títulos em carteira.

O art. 18, por sua vez, cria uma nova forma de financiamento para atender as PPPs. Tal artigo estende aos fundos de investimento baseados nos direitos creditórios oriundos de contratos de parceria os incentivos previstos no Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de Interesse Social (PIPS), estimulando o surgimento de um mercado secundário de títulos lastreados em frações de PPPs. A maior pulverização dos capitais investidos assegurará liquidez aos títulos negociados, atraindo um amplo leque de potenciais investidores, inclusive pequenos, sem que sejam contrariadas as restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal sobre a concessão de incentivos fiscais.

O art. 20, por fim, determina que os valores arrecadados pela administração pública, na forma do inciso II do parágrafo único do art. 14, deverão ser utilizados exclusivamente como fonte de recursos para despesas de investimento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dessa breve análise, podemos obter algumas conclusões. A primeira diz respeito à transparência. Com a previsão de normas contábeis e financeiras uniformes e comprometidas com a governança corporativa, desaparece o risco de que a parceria se torne uma arapuca para o Estado ou para investidores incautos. A sociedade de propósito específico deve assegurar meios para que tanto os seus acionistas quanto o Estado estejam corretamente informados sobre suas atividades.

A segunda conclusão diz respeito à delimitação do campo de atuação das parcerias. De um lado, estabeleci um valor mínimo de R$20 milhões e, de outro, um prazo mínimo e máximo.

A terceira conclusão diz respeito às garantias ao setor privado. Trata-se de um ponto delicadíssimo. Se as garantias forem poucas, a iniciativa privada não se interessará. Se excessivas, será o Estado, todavia, que não desejará firmá-las. Para encontrar um ponto de equilíbrio, uma das principais iniciativas é o estabelecimento de seguros por meio dos chamados fundos fiduciários.

A quarta conclusão diz respeito aos incentivos. Aqui falo, é claro, dos fundos de investimento em direitos creditórios. A principal vantagem desse mecanismo é a possibilidade de que frações do fundo sejam livremente negociadas, o que pode vir a atrair o interesse dos investidores.

Talvez me tenha me alongado um pouco mais do que o desejável, mas não poderia deixar passar em branco várias novidades trazidas pelo Projeto.

            De qualquer forma, como pudemos observar, a Lei das Parcerias Público-Privadas se caracteriza como ponto de inflexão na forma como os empreendimentos de interesse público são levados a cabo no Brasil. O estabelecimento desse marco regulatório, tal como ora o apresentamos, se mostra decisivo para que a iniciativa privada se interesse pelas parcerias, ao mesmo tempo em que o Estado poderá manter a responsabilidade fiscal e o cidadão não seja prejudicado. Tal Lei, portanto, se mostra como um dos pilares mais importantes para a promoção do desenvolvimento econômico e social do Brasil no século XXI.

Era o que tinha a dizer. 

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2004 - Página 20568