Discurso durante a 95ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Ameaça da soberania brasileira na região Amazônica.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SOBERANIA NACIONAL. ENSINO SUPERIOR.:
  • Ameaça da soberania brasileira na região Amazônica.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2004 - Página 20575
Assunto
Outros > SOBERANIA NACIONAL. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE DINHEIRO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, IRREGULARIDADE, OCUPAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, NECESSIDADE, COMBATE, DOMINIO, INDIO, GARIMPEIRO, MEMBROS, GUERRILHA, TRAFICO, DROGA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PRESERVAÇÃO, SOBERANIA NACIONAL.
  • IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, DESTINAÇÃO, PERCENTAGEM, ARRECADAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, IMPOSTO DE RENDA, IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI), INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO, UNIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA.

           O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como amazônida, fico muito satisfeito em perceber que ultimamente o nosso País começa a despertar para o problema das constantes ameaças à soberania brasileira na região amazônica.

           Extensa reportagem na revista IstoÉ Dinheiro, publicada na semana passada, demonstra que, longe de ser paranóia de alguns poucos, a ocupação indevida de nosso território amazônico é hoje uma realidade a ser duramente combatida. Diversas autoridades militares já se pronunciaram de maneira incisiva sobre essa questão.

           Segundo o ex-Ministro do Exército, General Leônidas Pires Gonçalves, “há uma partida geopolítica poderosa sendo jogada, neste momento, na Amazônia”. O General Paulo Studart, comandante das tropas brasileiras em Roraima, afirma categoricamente “que se detectou um ambiente internacional que pode nos levar, no médio prazo, a uma situação de defesa territorial efetiva”.

           Vejam, Srªs e Srs. Senadores, que a situação é séria, não se trata de devaneio conspiratório, como ainda insistem em dizer alguns céticos. Na faixa de mais de 11 mil quilômetros que separa a Amazônia brasileira dos nossos vizinhos, já há trechos em que não se pode circular livremente, onde cancelas delimitam a passagem de veículos e impedem que cidadãos brasileiros possam exercer qualquer tipo de atividade econômica.

           Praticamente não há ingerência governamental naquela região, dominada por uma babel de índios, garimpeiros, guerrilheiros e traficantes internacionais, além de ONGs das mais diversas espécies que desconhecem completamente a soberania brasileira.

           Mais de 150 etnias indígenas se espalham ao longo dos dois lados da fronteira brasileira, tendo a maioria delas fortes vínculos com ONGs estrangeiras. Guerrilheiros das Farc - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, costumam transitar por terras brasileiras para fugir de eventuais perseguições. Os garimpeiros, por sua vez, abrem pistas clandestinas de pouso e negociam abertamente com traficantes internacionais, entrando em conflitos sistemáticos e sangrentos com os índios, como aconteceu recentemente em Rondônia, quando 29 garimpeiros foram mortos pelos índios. E nessa história, na verdade, as vítimas são tanto os garimpeiros quanto os índios, porque são forças transnacionais que lidam com esse mercado do diamante que estão a manipular essa questão em plena selva amazônica. E o Estado Brasileiro onde está?

           Diariamente, Sr. Presidente, o Sistema de Vigilância da Amazônia - Sivam - detecta aviões clandestinos sobrevoando o nosso território. Dados do Ministério da Defesa indicam que, nos primeiros meses do ano, a violação do espaço aéreo brasileiro cresceu em 20%. O patrulhamento funciona, mas não há mecanismos legais para a caça dessas aeronaves, pois a chamada Lei do Abate continua adormecida no Gabinete da Presidência da República. E não é só do atual Presidente, já está desde o governo passado!

           É diante desse quadro preocupante que, nas próximas semanas, Exército, Marinha e Aeronáutica, conjuntamente, desencadearão a edição 2004 da Operação Timbó, mobilizando cerca de 22 mil soldados para o patrulhamento de nossas fronteiras amazônicas. Compreendendo uma área de 520.000 m2, maior que o território do Iraque - e aqui, até por coincidência, queria lembrar o que foi feito no Iraque, portanto, a região que será lá objeto dessa operação corresponde à área do Iraque -, serão priorizadas as ações de vigilância das calhas dos rios e de controle e fiscalização dos transportes da região.

           Mas as dificuldades da operação são igualmente gigantescas. Dentro de um ambiente inóspito e sorrateiro, nossos soldados enfrentarão inimigos que não mostram a sua cara e que conhecem muito bem os perigos da selva. A imensidão e a dificuldade de acesso da área será outro complicador: para percorrer apenas dois quilômetros um pelotão leva cerca de oito horas.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o fantasma da internacionalização da maior floresta tropical do mundo paira sobre nossas cabeças. Como lembrou o Deputado Delfim Netto, dias atrás, diversos estadistas internacionais já evocaram essa malfadada tese. Em 1989, François Mitterrand afirmou que “o Brasil tem de aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia”. O ex-vice-presidente norte-americano, Al Gore, também já ecoava o assunto, no mesmo ano, dizendo que “diferentemente do que pensam os brasileiros, a Amazônia não é deles, mas de todos nós.” “Nós”, eles, os americanos!

           Construímos e delimitamos nossas fronteiras de forma pacífica e negociada, em grande parte devido ao gênio diplomático de José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco. Erguemos uma Nação pujante e coesa, que, com todos os percalços, segue irmanada sob uma mesma bandeira, um mesmo ideal. Não podemos permitir que esse legado se esvaeça assim, diante de nossas vistas. De outra forma, teremos que nos conformar com o Brasil que o Brasil perdeu. Esse Brasil que o Brasil pode perder é justamente a Amazônia, que corresponde a mais de 60% do território brasileiro.

           Peço, portanto, Sr. Presidente, que seja publicada na íntegra a reportagem da revista ISTOÉ Dinheiro sob o título “O Brasil que o Brasil perdeu”.

           Quero, Sr. Presidente - e V. Exª também é um amazônida, ilustre representante do Pará - fazer algumas considerações positivas sobre a Amazônia e até cobrar do Governo brasileiro mais atenção, pelo menos no que tange a ações para as quais não há proibições. Lá temos imensas reservas indígenas e ecológicas; inventaram os corredores ecológicos, para unir uma reserva ecológica a outra, para que os animais possam transitar livremente; e das terras de propriedades particulares só se podem utilizar 20%, conforme uma medida provisória em vigor. Portanto, atualmente o que se pode fazer na Amazônia legalmente é quase nada.

           Então, pensemos pelo menos na educação. É bom lembrar que temos, na Amazônia, uma população que corresponde à de um país como a Venezuela. Temos, na Amazônia, pela estimativa de 2003, 22,309 milhões de habitantes, correspondendo, portanto, a 12% da população nacional. Ou seja, lá não estão apenas os cerca de 300 mil índios. Existem na região mais de 21 milhões de habitantes, que, portanto, precisam ser vistos como cidadãos brasileiros até para que a Amazônia continue brasileira.

           Sr. Presidente, quero fazer um registro sobre uma importante proposta de emenda à Constituição - muito me honrou, aliás, ter sido seu primeiro signatário - aprovada por este Senado, intitulada PEC das Universidades da Amazônia, que destina 0,5% do que o Governo Federal arrecada com o Imposto de Renda e com o IPI para as Instituições Federais de Ensino Superior da Amazônia.

           Esta Casa aprovou a proposta por unanimidade, no primeiro turno, e com apenas um voto contrário no segundo turno. No entanto, a matéria já está há mais de um ano na Câmara dos Deputados, uma PEC que poderia destinar às nossas universidades, tendo como referência o Orçamento deste ano, algo em torno de R$500 a R$600 milhões a serem distribuídos entre as nossas Instituições Federais de Ensino Superior, que compreendem as universidades e os Centros Federais de Educação Tecnológica.

           É bom lembrar que, na Amazônia, temos atualmente nove Centros Federais de Educação Tecnológica, sendo que quatro situam-se no Estado do Pará. Parabéns ao Pará, Estado mais antigo da região e que foi a porta da Amazônia durante muitos anos. No Estado de Roraima, temos um Centro muito importante. Tive a honra de ter sido o autor da lei que autorizou a criação da Escola Técnica Federal, que depois se transformou em Centro Federal de Educação Tecnológica. Em suma, temos nove Centros Federais de Educação Tecnológica, que, portanto, têm curso superior.

           E há, Sr. Presidente, 12 universidades federais distribuídas por todos os Estados da Amazônia Legal, que compreende os Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso.

           Sr. Presidente, esse valor a que me referi, em torno de R$500 a R$600 milhões, seria dividido pelas 21 instituições de Ensino Superior. E, obviamente, o Ministério da Educação iria estabelecer um critério e regulamentar essa questão para repassar recursos de acordo com o número de alunos e de cursos, com a necessidade de equipamento dos laboratórios, com o investimento nas pesquisas.

           Então, uma vez que estamos aqui traçando um quadro preocupante de perda da soberania do Brasil sobre a Amazônia, por que não investir na educação naquela região? Seria uma forma de termos um povo mais apto para promover o desenvolvimento da região; mais esclarecido, para entender o que realmente se passa; muito mais atento, para ver que muitas vezes, por trás de bandeiras demagógicas da defesa do meio ambiente, por exemplo, existe, na verdade, o interesse de engessar a Amazônia e impedir que ela se desenvolva.

           O Brasil não pode continuar sendo um País litorâneo, onde, de uma faixa de 300 km a partir do litoral, concentram-se 80% da população. Temos que mudar essa geopolítica do País se quisermos ser dignos de estar no Século XXI. Precisamos, efetivamente, encarar a Amazônia não como um problema das pessoas que moram naquela região, mas como uma questão de agenda nacional. Se os portugueses, naquela época, tiveram a coragem e a condição de integrar a Amazônia ao Brasil e os que vieram depois souberam mantê-la, nós, no Século XXI, com a tecnologia e a capacidade de que dispomos, temos a obrigação de integrá-la ao País e afastar qualquer risco de a perdermos amanhã sob qualquer pretexto.

           Não se trata de nenhuma paranóia, Sr. Presidente. Há vários exemplos. Basta que aos poderosos do mundo, com ou sem o apoio da ONU, seja conveniente, por exemplo, criar um país ianomâmi englobando parte do Brasil e parte da Venezuela. Eles já têm todos os requisitos preenchidos, porque o Brasil demarcou mais de nove milhões de hectares, abrangendo os Estados de Roraima e do Amazonas, na fronteira com a Venezuela, que fez o mesmo na sua área. Portanto, há uma área de mais de 18 milhões de hectares, já demarcada e reconhecida pelos dois Países, e há uma etnia indígena que tem língua e costumes próprios. Então, amanhã, basta que eles inventem uma desculpa de que precisam proteger os índios, porque nós brasileiros não os estamos protegendo, para fazerem uma intervenção com ou sem o apoio da ONU.

           E o que estaremos fazendo aqui amanhã? Discursos de protestos. Estaremos apenas lamentando não termos tomado medidas preventivas adequadas quando tudo parecia estável para a maioria dos brasileiros, principalmente para os ambientalistas e indigenistas que moram na Avenida Paulista ou em Ipanema, que fazem uma utopia mentirosa e se esquecem de ver a realidade imposta.

           Ainda bem que uma revista de respeitabilidade, como é o caso da ISTOÉ Dinheiro - que eu trouxe para aditar ao meu pronunciamento - tem a coragem de abordar este tema. Tem havido, ultimamente, uma mudança na grande mídia nacional. Parece que está passando a anestesia que fazia com que a imprensa nacional repetisse o que pregavam as grandes ONGs internacionais, como o Green Peace, o WWF e outras que se dizem donas da verdade, ditando o que se deve ou não fazer na Amazônia.

           Quero, portanto, encerrar meu pronunciamento, Sr. Presidente, com esse alerta e com esse pedido à Câmara dos Deputados, para que aprovemos essa proposta de emenda à Constituição relativa às Instituições Federais de Ensino Superior da Amazônia, para que aquela região tenha, pelo menos assim - já que é difícil pensar de outra forma, investir de outra forma -, condições de entregar essa Amazônia ao Brasil.

           Antes de encerrar, concedo um aparte ao Senador Augusto Botelho.

           O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª, como defensor ferrenho da Amazônia, faz um pronunciamento e traz mais luz a este assunto. V. Exª, que há muito tempo fala da internacionalização da Amazônia, agora tem a voz ouvida, como todos os outros aqui. Começou-se a perceber o que ocorria. Essas áreas indígenas demarcadas, começando da linha de fronteira, na realidade, transportam a linha de fronteira do Brasil mais para o interior do País. Temos o caso da área ianomâmi, que é de nove milhões de hectares, aqui no Brasil, e mais uma área equivalente na Guiana, todas contíguas, que já são suficientes para fazer um país razoável. A Amazônia realmente tem recebido só as sobras do orçamento do País, nossas obras são feitas com dificuldades. Aquela lei que V. Exª está pedindo para que a Câmara aprove dará um impulso à região. Só seremos donos da nossa biodiversidade quando a tivermos estudado e registrado cientificamente. Caso contrário, qualquer pirata poderá levar nossos vegetais, animais e também as nossas bactérias, porque existe biopirataria em relação às bactérias, que serão muito utilizadas na engenharia genética, porque esses organismos modificados que estão sendo usados no mundo usam genes de bactérias. Então, V. Exª faz um discurso oportuno nesta hora em que o Brasil está atento, principalmente em relação à nossa região da Raposa/Serra do Sol, pela qual V. Exª já vem brigando há quase seis anos e que agora se encaminha para uma solução final, pois espero que o Presidente Lula respeite o direito dos povos que lá habitam. Os indígenas da Amazônia, em sua maioria, sabem o que querem e não precisam de uma ONG para falar por eles. É isso que temos falado aqui e voltamos a repetir. Enalteço o seu discurso e espero que V. Exª continue um guerreiro em defesa da Amazônia.

           O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço muito o aparte de V. Exª, Senador Augusto Botelho, que honra a Bancada de Roraima no Senado Federal. Realmente, quando, há pouco, fiz um aparte ao pronunciamento do Senador Valdir Raupp sobre as parcerias público-privadas, eu quis registrar a minha preocupação de que essas parcerias somente beneficiem os Estados já ricos e de que não haja nenhuma condicionante para que quem vá participar das parcerias e investir na Amazônia tenha algum risco nesses investimentos. Senão, veremos a mesma história: os mais ricos ficarão mais ricos, e os mais pobres ainda mais pobres.

           Já que V. Exª abordou o assunto, quero encerrar dando uma notícia, por meio da TV Senado e da Rádio Senado, ao povo de Roraima: a Ministra Ellen Gracie acabou de julgar um recurso contra uma liminar que um Juiz Federal de Roraima concedeu, mudando a portaria da Funai que queria marcar uma área de 1,7 milhão hectares, na fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana. A Ministra negou o pedido feito pela Funai, mantendo a decisão do juiz liminarmente. Penso que isso é um passo. Lamentavelmente, no Congresso Nacional, não temos conseguido mudar essa realidade da política indigenista, trazendo para o Senado Federal a competência de também analisar esse caso. Portanto, o Poder Judiciário agora é o foro para dirimir uma questão dessas, que considero federativa.

           Sr. Presidente, reitero o pedido de que seja transcrito na íntegra todo o material que li.

           Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso II e § 1º do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“1) O Brasil que o Brasil Perdeu - revista Istoé Dinheiro”;

“2) Biomassa na Amazônia Legal Brasileira.”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2004 - Página 20575