Discurso durante a 95ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância de uma campanha contundente para a devida coibição do consumo de álcool por condutores de veículos automotores.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE TRANSPORTES. SAUDE.:
  • Importância de uma campanha contundente para a devida coibição do consumo de álcool por condutores de veículos automotores.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti, Paulo Elifas.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2004 - Página 20586
Assunto
Outros > POLITICA DE TRANSPORTES. SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, DADOS, ESTATISTICA, COMPROVAÇÃO, AUMENTO, NUMERO, MUTILAÇÃO, MORTE, ACIDENTE DE TRANSITO, ABUSO, BEBIDA ALCOOLICA, CONDUTOR, VEICULO AUTOMOTOR.
  • DEFESA, EFICACIA, CAMPANHA, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, JUVENTUDE, RISCOS, EXCESSO, BEBIDA ALCOOLICA, TRANSITO.
  • COMENTARIO, ESTUDO, PESQUISA, DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, EFEITO, EXCESSO, BEBIDA ALCOOLICA, COMPORTAMENTO, CONDUTOR, VEICULO AUTOMOTOR.
  • IMPORTANCIA, PROPOSIÇÃO, ENTIDADE, PROIBIÇÃO, PROPAGANDA, ALCOOL, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, CRIAÇÃO, IMPOSTOS, AUMENTO, ALIQUOTA, FORMA, REDUÇÃO, CONSUMO, BEBIDA ALCOOLICA, EFICACIA, FISCALIZAÇÃO, VENDA, BEBIDA, MENOR, MOTORISTA.

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente Luiz Otávio, Srªs e Srs. Senadores, ninguém ignora que o abuso de bebidas alcoólicas seja um dos mais graves problemas da sociedade contemporânea. No Brasil, não é diferente. O consumo excessivo de álcool é responsável por inúmeras doenças que flagelam grande parcela do nosso povo. Não raro é também motivo de desentendimentos familiares, de perda da capacidade de trabalho, de acidentes e de conflitos que resultam em violências e mortes.

           Ninguém ignora que o trânsito seja um dos grandes assassinos da nossa época. No Brasil, não é diferente. As mutilações e as mortes ocasionadas principalmente por colisões e atropelamentos fazem do trânsito um dos grandes vilões da vida moderna. Quando a direção irresponsável e freqüentemente impune se junta ao consumo de álcool, o resultado é fatidicamente previsível: imensas legiões de brasileiros mortos, gravemente feridos, não raro incapacitados para o trabalho, numa estatística macabra que se repete todos os anos.

           Essa é uma realidade do conhecimento de todos. Não há qualquer novidade, o que não significa, em absoluto, que devemos cruzar os braços e assistir passivamente a esse verdadeiro extermínio. Na verdade, temo-nos preocupado historicamente com essa situação. Mas, por falta de conhecimento aprofundado da questão, por erros estratégicos ou por acomodamento, não estamos conseguindo reverter essa conjuntura. As leis e as ações repressivas têm-se revelado insuficientes, seja por deficiências intrínsecas dos diplomas legais, seja por apatia, seja por excessiva tolerância para colocá-los em prática.

           Urge que o Brasil, a exemplo do que promete fazer em relação ao tabagismo, se una numa ampla campanha de conscientização popular, especialmente da juventude, para escancarar os males ocasionados pela bebida. Urge igualmente que essa campanha, que pretendemos duradoura, se faça acompanhar de uma ação coibente eficaz.

           As estatísticas sobre esse assunto não coincidem, mas revelam que pelo menos 30 mil pessoas morrem anualmente no Brasil em conseqüência dos acidentes de trânsito. Desse total, segundo se apurou, 47% são provocados por motoristas alcoolizados. Uma ação efetiva para mudar essa realidade não permitiria apenas reduzir esse quadro de violência e extermínio - que é o mais importante -, mas traria efeitos positivos até no domínio econômico, pois os prejuízos causados por acidentes nas cidades e nas rodovias são estimados pelo Denatran em cerca de R$10 bilhões por ano.

           Há algum tempo, a revista da Abramet, da Associação Brasileira de Medicina do Trânsito, publicou excelente artigo assinado pelo Professor David Duarte Lima, médico especialista em Segurança do Trânsito, e por Alexandre de Araújo Garcia, estatístico e pesquisador de Segurança do Trânsito. Denominado “A Ingestão de Álcool e o Ato de Dirigir: Medição e Conseqüências”, o artigo demonstra como o álcool afeta negativamente o comportamento no trânsito.

           Inicialmente, segundo relatam os pesquisadores, o álcool permite ao bebedor aplacar o estresse, passando daí à euforia. Quando consumido em excesso, o álcool pode ter conseqüências físicas e psicológicas irreversíveis. O abuso da bebida está relacionado com diversas causas de mortalidade, como as hemorragias gastrintestinais, a hepatite alcoólica, a cirrose, o enfisema, o diabetes, as doenças do miocárdio e a hipertensão, além de problemas neurológicos. “Mas é nas mortes violentas - homicídios, suicídios e acidentes - e em lesões corporais que seus efeitos causam impacto mais visível”, alertam os autores do artigo, acrescentando que “a maioria da população adulta sabe que beber e dirigir não dá certo. Mas, infelizmente, muita gente dirige depois de beber”.

           Os pesquisadores esclarecem que o álcool afeta negativamente o trânsito em três aspectos: o primeiro deles, e menos conhecido, diz respeito às chances de sobrevivência em caso de acidente. Quanto há impacto físico, mantidas todas as variáveis de um acidente, um indivíduo alcoolizado corre mais risco de morrer, já que o impacto lhe causa mais ferimentos que numa pessoa que não tenha bebido. O segundo aspecto relaciona-se com o próprio desempenho do motorista alcoolizado, já que o álcool reduz a percepção de velocidade, os reflexos, a habilidade de controlar o veículo e a visão periférica. Finalmente, o próprio comportamento do indivíduo que exagera no consumo de álcool é alterado antes mesmo de ele entrar no carro. A bebida diminui as barreiras morais e faz o indivíduo perder a autocrítica. Uma vez na direção do veículo, ele se empolga e passa a negligenciar os riscos.

           Como se vê, a combinação de álcool com direção tem um efeito potencialmente explosivo, o que explica a preocupação de autoridades em todo o mundo. No plano internacional, especialistas estimam que entre um quarto e metade dos acidentes com mortes são associados ao uso do álcool por algum dos envolvidos. Os dados epidemiológicos são muito diversificados.

           Nos Estados Unidos, em 1991, 19,9 mil pessoas morreram e 318 mil sofreram lesões em conseqüência de acidentes provocados pelo álcool. Isso equivale dizer que, em média, uma pessoa morreu a cada 26 minutos e uma ficou ferida a cada minuto e meio nesses acidentes. Os dados disponíveis não são recentes, porque existem dificuldades em levantar todas as circunstâncias dos acidentes.

           Na França, levantamentos demonstram que, em 40% dos acidentes com mortes, o indivíduo responsável pela ocorrência estava alcoolizado; no Chile, as autoridades concluíram que a bebida estava relacionada com 50% dos acidentes.

           Estudiosos do assunto, a Drª Ilana Pinsky, psiquiatra e pesquisadora da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD), da Unifesp, e o professor Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade, publicaram um trabalho intitulado O Fenômeno do Dirigir Alcoolizado no Brasil e no Mundo: Revisão da Literatura.

           Citando estudos de pesquisadores de várias partes do mundo, eles enfatizaram que o uso da bebida é especialmente perigoso quando se trata de jovens. “A probabilidade de que uma morte devido a um acidente de trânsito ocorra com um rapaz de 20 anos é 55 vezes maior do que com um homem de 65 anos. O dado - advertem os pesquisadores - decorre de vários fatores, como inexperiência e impulsividade à direção, alta velocidade, uso menos freqüente de cinto de segurança, mas as bebidas alcoólicas têm, sem dúvida, um papel de destaque em sua determinação”. Eles chamam a atenção para o fato de que a bebida ocasiona acidentes quando ingerida não somente pelo motorista, mas também pelo pedestre.

           Senador Mozarildo Cavalcanti, concedo-lhe um aparte com muita honra.

           O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Augusto Botelho, o assunto que V. Exª aborda é muito oportuno. Coincidentemente, sou relator de um projeto que trata da publicidade das bebidas alcoólicas e define, com muita clareza, a veiculação da propaganda em horário em que haja audiência de crianças e adolescentes. Após o recesso, teremos de dar celeridade a esse projeto. Para melhorar esse quadro, não devemos proibir ou utilizar ações drásticas, mas campanhas educativas sérias e, para tanto, devemos normatizá-las. Atualmente, a propaganda de bebida alcoólica está sempre associada a mulheres bonitas, ao bom desempenho atlético, a apelos positivos que, na mente de um jovem, de um pré-adolescente, são muito fortes. No segundo semestre, devemos apreciar esse projeto, fazer os ajustes necessários, de modo a privilegiar a nossa juventude, os futuros homens deste País.

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Realmente, essa propaganda só fala em alegria. Nunca se fala da tristeza de ver um pai chegando alcoolizado, agredindo a família ou da morte de um alcoolizado em um acidente. Isso não aparece na propaganda.

           Sr. Presidente, Senador Luiz Otávio, entre nós, brasileiros - embora os dados sejam falhos e controversos -, há um consenso quanto à freqüente associação dos acidentes ao uso do álcool. Uma análise realizada pela Universidade de São Paulo, por sete anos consecutivos, concluiu que o uso excessivo do álcool é responsável por 95% das internações motivadas por drogas.

           Por sua vez, a Associação Brasileira do Departamento de Trânsito - Abdetran realizou uma pesquisa, em 1997, abrangendo quatro capitais - Salvador, Brasília, Recife e Curitiba -, e verificou que, em 61% dos acidentes registrados, os envolvidos tinham ingerido bebida alcoólica; e que 27,2% apresentavam uma quantidade de álcool no sangue superior à taxa permitida pelo Código de Trânsito Brasileiro, de seis decigramas por litro de sangue.

           A própria taxa de alcoolemia a ser tolerada entre motoristas gera controvérsias, variando de dois decigramas por litro de sangue, na Suécia, a oito decigramas por litro, no Canadá, e um grama em alguns estados norte-americanos. Pesquisadores têm apontado que um motorista adulto, com uma concentração entre cinco e nove decigramas de álcool por litro de sangue, corre risco nove vezes maior de vir a morrer em um acidente automobilístico.

           A nítida relação entre o uso do álcool e a ocorrência de acidentes de trânsito tem levado autoridades de todo mundo a buscar soluções para esse grave problema, as quais passam pela redução da taxa permitida de alcoolemia - a quantidade de álcool no sangue -, aumento da idade legal para consumo de bebida alcoólica, maior taxação da bebidas, visando à elevação dos preços e à redução do consumo, e ainda restrição dos dias e horários de venda de bebidas, prisão e apreensão das carteiras de habilitação dos infratores - são medidas tomadas no mundo todo, para tentar inibir essa relação entre acidente de trânsito e bebidas alcoólicas -, maior utilização dos bafômetros e responsabilização dos proprietários de estabelecimentos onde ocorrer a venda de bebidas para motoristas ou indivíduos já intoxicados.

           No Brasil, onde a taxa legal de álcool no sangue é de seis decigramas por litro, o Código de Trânsito dispõe que o motorista em comprovado estado de embriaguez pode ter apreendidos o veículo e a carteira de habilitação, sujeitando-se ainda à suspensão do direto de dirigir pelo prazo de um a 12 meses. Além disso, como a direção sob influência do álcool deixou de ser simples contravenção, passando a constituir crime, o motorista alcoolizado que se envolva em acidente com vítima pode ser julgado por lesão corporal culposa ou por homicídio culposo.

           A sociedade brasileira parece ter consciência do risco que representa a associação de direção de veículos à ingestão de bebidas alcoólicas. Entretanto, temos sido omissos e complacentes com essa prática culturalmente aceita. As ações preventivas são quase sempre eventuais, isto é, são desencadeadas em períodos de maior consumo do álcool, como o Carnaval ou as festas de fim de ano. Essas medidas deveriam incluir também festas como a de São João. Nesses períodos, diminuem os acidentes. Como médico de pronto-socorro, sei que, quando a Polícia é mais ativa, há um número menor de acidentados.

           Concedo o aparte ao Senador Paulo Elifas, do Estado de Rondônia.

           O Sr. Paulo Elifas (PMDB - RO) - Senador Augusto Botelho, é muito oportuna a abordagem de V. Exª sobre o problema do alcoolismo no Brasil relacionado aos acidentes. Mas gostaria de lembrar que o alcoolismo é um grande problema social. Acreditamos que o alcoolismo exerce uma influência social e traz um gasto público muito mais elevado do que o próprio tabagismo. Além do mais, o alcoolismo facilita o crime, provoca a evasão escolar e muitos dos delitos cometidos pela juventude. O alcoolismo tem uma influência nociva sobre a juventude. No Brasil, hoje, temos um grande consumo de álcool, principalmente por jovens de doze, treze, quatorze anos. O consumo excessivo decorre da permissividade. Gostaríamos de ter o Governo e os Poderes constituídos com o mesmo empenho dedicado ao fumo. Atualmente, o indivíduo não pode fumar em todos os locais, principalmente nos fechados. Em alguns países, há essa restrição até em locais ao ar livre. Mas o comprometimento do álcool é muito maior que o do cigarro, que põe em risco a saúde do fumante, que poderá ter câncer. Ao passo que o indivíduo alcoolizado, ao dirigir, corre o risco de bater, de interromper a vida ou hospitalizar pessoas. Em uma festa, indivíduos alcoolizados provocam brigas, dissensões. Então, devemos nos empenhar no controle do consumo de álcool, assim como temos tido empenho no controle do consumo de fumo. Foi muito oportuna a abordagem de V. Exª sobre o assunto. Admiramos V. Exª pela sua preocupação, que também é nossa, porque, como médicos, temos uma visão muito diferente de outras pessoas no tocante ao uso de álcool e de fumo. Muito obrigado.

           O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Agradeço o aparte de V. Exª, que enriquece o meu pronunciamento.

           Como comprovação inequívoca de que a sociedade brasileira reconhece os riscos do consumo excessivo de álcool, basta lembrar que existem mais de 30 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional relacionados com a bebida. A grande maioria dessas proposituras restringe a publicidade de bebidas alcoólicas, mas pelo menos cinco delas se referem explicitamente à condução de veículos por pessoas em estado de embriaguez.

           O professor e pesquisador Ronaldo Laranjeira, já citado, acredita que a sociedade brasileira, embora consciente desses riscos, não conseguiu ainda pressionar suficientemente as autoridades para que sejam tomadas medidas de médio e longo prazos que sejam eficazes na contenção do consumo de álcool. Citando a boa experiência brasileira na política de prevenção e tratamento da Aids, ele reafirma ser necessário fazer o mesmo em relação à bebida alcoólica.

           A entidade que coordena, a Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas, juntamente com entidades congêneres, propõe, entre outras medidas, a proibição da propaganda sobre álcool em todos os meios de comunicação; a criação de um novo imposto ou aumento de alíquota, de forma a forçar a redução do consumo das bebidas alcoólicas; a criminalização e a fiscalização mais rigorosa da venda de bebidas para menores de idade; e a fiscalização sistemática do consumo de álcool entre motoristas.

           Sr. Presidente Luiz Otávio, Srªs e Srs. Senadores, as medidas propostas pela Uniad se coadunam com a preocupação da sociedade brasileira de inibir o consumo de álcool e reduzir os índices de mortes violentas em nosso País, mortes que tiram do nosso convívio principalmente os jovens; mortes cujos índices sugerem a existência de uma guerra civil. É preciso que todos nós nos unamos para pressionar as autoridades e para aprofundar essa consciência sobre a perniciosa associação entre o consumo de álcool e a condução de veículos. Somente assim, Senador Jonas Pinheiro, poderemos salvar imensas legiões de brasileiros hoje saudáveis, os quais, infelizmente, estão destinados à infelicidade, à mutilação e à morte prematura.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2004 - Página 20586