Discurso durante a 95ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância de que o Sr. Ministro da Agricultura esclareça o episódio da contaminação da soja brasileira exportada para a China.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • Importância de que o Sr. Ministro da Agricultura esclareça o episódio da contaminação da soja brasileira exportada para a China.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/2004 - Página 20592
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, AUSENCIA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO (MAPA), ESCLARECIMENTOS, PROBLEMA, CONTAMINAÇÃO, SOJA, BRASIL, EXPORTAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, RISCOS, PERDA, CONFIANÇA, PRODUTO NACIONAL.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, EX-CHEFE, SECRETARIA DE ESTADO, AGRICULTURA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), DENUNCIA, NEGLIGENCIA, GOVERNO, FISCALIZAÇÃO, CONDUTA, PRODUTOR, MISTURA, SEMENTE, SOJA, TRATAMENTO, AGROTOXICO, PRODUTO TRANSGENICO, EXPORTAÇÃO, SUJEIÇÃO, EMBARGOS, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada, o País ficou paralisado diante do suspense promovido pela Rede Globo. “Quem matou Lineu?” era a pergunta que estava em todas as bocas. Todos arriscavam um palpite: foi o mordomo! Não, não foi o mordomo, e sim a secretária! Outro apostava na figura do motorista. Outros designavam o vilão-mor da intriga. Finalmente, o culpado, ou melhor, a culpada era uma personagem de que poucos telespectadores suspeitavam, ainda que se tratasse de uma vilã irredutível - talvez por isso mesmo.

O enredo da Globo finalmente ofuscou o desenrolar de uma outra novela, Senador Jonas Pinheiro, muito mais cara, que custou ao País a bagatela de mais de US$1 bilhão. Os principais protagonistas dessa charada são os Governos chinês e brasileiro. O enigma da peça em vários atos é: quem envenenou a soja?

Pois bem, essa questão deve ser desvendada. É responsabilidade do Sr. Ministro da Agricultura fazer a verdade vir à tona, evitando dissimulações e sendo claro. A pergunta que não quer calar é: quem envenenou a soja? De início, o Sr. Ministro sibilinamente, indiretamente imputou aos chineses a responsabilidade pelo retorno da soja. Na verdade, a soja seria de excelente qualidade, e os chineses, agindo como gangsteres, teriam devolvido o produto porque o teriam comprado na alta e o recebiam quando o preço havia caído no mercado internacional. É bom que se saiba que os preços de produtos agrícolas caem todos os anos. Isso é histórico, desde a época da borracha, passando pelo café, pelo suco de laranja, pela soja. Todos os anos há uma queda de pelo menos 3% no valor de nossos produtos de exportação, que são essencialmente agrícolas. Até o Le Monde veiculou essa versão extra-oficial. Entretanto, o Governo brasileiro, diante de tal fato grave, não tomou nenhuma posição drástica contra os chineses. Ora, se os chineses resolveram agir com oportunismo devolvendo a soja porque compraram no momento em que o preço estava alto, o Governo brasileiro teria de agir duramente. No entanto, não os denunciou formalmente em nenhuma instância internacional, nem sequer por intermédio de um funcionário pouco qualificado. Não exibiu os laudos sanitários feitos pelos chineses. Ao mesmo tempo em que veiculava a versão soturna, o Ministro da Agricultura, em vez de impropérios, como parece ser do seu feitio, negociava com extrema deferência com a outra parte, demonstrando que o Brasil tinha a maior boa vontade para resolver essa pendência com o governo chinês. Ao final, o Senhor Ministro da Agricultura fez o nosso mea culpa, dizendo que “o cliente tem sempre razão”! Esse princípio, portanto, valeria mesmo em se tratando de gângsteres? Afinal, a culpa foi dos chineses.

Enquanto isso, o Ministério da Agricultura evita a transparência. Ainda hoje, evita informar o endereço e o nome, ou os nomes, do armazém de soja que está interditado no Rio Grande do Sul, onde foram encontradas sementes tratadas com fungicidas misturadas a grãos de soja destinados à comercialização. Em um só silo, encontraram mais de 563 sacas de sementes tratadas com agrotóxicos misturadas aos grãos comerciais. Porém, o Ministério não diz onde se encontra esse silo, nem a quem pertence. Será que esse silo pertence aos chineses?

Mas, voltemos à questão inicial: quem envenenou a soja? Existe outra pista. Essa pista foi seguida pelo Sr. José Hermeto Hoffmann, engenheiro agrônomo, ex-Secretário da Agricultura do Rio Grande do Sul, durante a gestão Olívio Dutra. Suas conclusões são bem diferentes da versão semi-oficial. Hoffmann expôs suas idéias em artigo publicado em jornal de Porto Alegre. Trata-se de uma grave denúncia, da qual passo a ler os principais pontos.

O SR. PRESIDENTE (Luiz Otávio. PMDB - PA) - Senador João Capiberibe, peço licença a V. Exª para prorrogar a sessão por dez minutos, para que V. Exª possa concluir o seu discurso.

A sessão está prorrogada por dez minutos.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

José Hermeto Hoffmann diz em seu artigo:

...muitas pessoas com responsabilidade se esforçam para nos convencer de que tudo não passa de uma barganha comercial dos chineses. Que bom se assim fosse. Mas infelizmente não é só isto. A China tem uma preocupação maior do que alguns países de primeiro mundo quanto ao controle da qualidade alimentar [é um país de 1,2 bilhão de seres humanos], tanto que possui um ministério estruturado só para isto.

Em outro trecho, Dr. Hoffmann diz::

[...] é no mínimo ingenuidade acreditar que a presença de sementes envenenadas é apenas um pretexto para a devolução de cargas. Os chineses teriam outros pretextos mais plausíveis, como o nível de resíduo de glifosato, que na soja transgênica é maior e, não raro, acima dos padrões admitidos pela Organização Mundial da Saúde (OMC).”

Continua Hoffmann:

Vamos ao que de fato aconteceu. No início de 2003, [esta Casa é testemunha], o Governo Federal proibiu o plantio de soja transgênica. Os sojicultores adquiriram a semente convencional, mas, meses depois, o mesmo Governo que proibiu, atendendo a pressões políticas das mais diversas, liberou o plantio de mais uma safra de soja modificada. Com isso, muita soja transgênica foi plantada e sobrou a semente convencional. [São as sementes que empurraram aos chineses e que eles devolveram.]

Aí reside o fato novo relevante: a semente tratada com veneno ficou na mão de produtores por ocasião da colheita da safra [porque eles plantaram grãos de sementes modificadas]. Até então, a semente excedente ficava com as sementeiras e nem por isso elas eram misturadas nas cargas de soja comercial. Qualquer agricultor sabe que semente de cor avermelhada contém veneno. Assim, misturar semente envenenada com grão comercial foi um ato consciente, portanto, criminoso.

Por que chegamos a esse ponto? Uma análise honesta e isenta indicará que essa contaminação tem relação direta com o plantio ilegal da soja transgênica. Sem ela não teríamos chegado a ponto de ter excedente de semente envenenada na mão de agricultores. E, principalmente, sem ela não teríamos chegado a essa cultura da desobediência civil generalizada no campo. [Fala-se muito no MST, nas invasões de terras, nas ilegalidades, mas a desobediência civil é dos dois lados.] Se pudemos plantar soja transgênica, que é proibida [esse é o raciocínio do produtor], por que não misturar semente envenenada com grão comercial?

Portanto, além dos autores da mistura, tem mais gente responsável. Falo das lideranças que estimularam o plantio ilegal, que venderam facilidades, que iludiram e enganaram os agricultores, os mesmos que esconderam dos agricultores sobre o pagamento dos royalties para a indústria. [Royalties sobre as sementes transgênicas que eles não sabiam que teriam que pagar, de acordo com a Lei de Patentes.]

Para Hoffmann, o embargo da soja pelos chineses é mais um capítulo da novela dos transgênicos. Além do mais, pode comprometer a credibilidade brasileira construída há décadas no mercado internacional. Além disso, muitos agricultores inocentes estão pagando a conta, perdendo 20% no preço do produto, ou seja, um bilhão e tantos milhões de dólares rateado entre os produtores, muitos deles inocentes.

A responsabilidade pelo embargo da soja pelos chineses deve ser totalmente esclarecida. Tanto mais que, mesmo antes da proibição imposta pelo chineses, muitas cooperativas do Rio Grande do Sul recusaram-se a comprar soja de vários produtores inescrupulosos, exatamente porque ela continha sementes tratadas com agrotóxicos.

Vamos aguardar e ver a quanto chega o ibope dessa novela de vilãos.

Não podemos nos queixar quando o mercado internacional nos coloca sob desconfiança, porque, nesse negócio da soja contaminada vendida aos chineses, um conjunto de forças contribuiu para que isso acontecesse, inclusive a negligência das autoridades responsáveis, que não fiscalizam como a lei determina.

Esse é um grave problema, que termina manchando a credibilidade do nosso País e fazendo com que ocorram, como historicamente ocorreram, perdas significativas de mercado e transferência de produções que eram nossas para outros países. Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/2004 - Página 20592