Discurso durante a 96ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Complicadores ao ciclo de vida das empresas no Brasil, conforme estudo intitulado "Fazendo Negócios em 2004".

Autor
Marcos Guerra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Marcos Guerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO COMERCIAL. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Complicadores ao ciclo de vida das empresas no Brasil, conforme estudo intitulado "Fazendo Negócios em 2004".
Publicação
Publicação no DSF de 06/07/2004 - Página 20865
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO COMERCIAL. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, BANCO MUNDIAL, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CLASSIFICAÇÃO, CAPACIDADE, EMPRESA, INCENTIVO, CRESCIMENTO ECONOMICO, CRIAÇÃO, EMPREGO, DEMONSTRAÇÃO, INFERIORIDADE, POSIÇÃO, BRASIL, INEFICACIA, FALTA, FLEXIBILIDADE, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, DEMORA, JUSTIÇA, BUROCRACIA, ABERTURA, FECHAMENTO, EMPRESA NACIONAL, OBSTACULO, DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA NACIONAL, SONEGAÇÃO, CORRUPÇÃO.
  • COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, PROPOSIÇÃO, AGILIZAÇÃO, PROCESSO ADMINISTRATIVO, AMBITO, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, INCENTIVO, EMPRESARIO, COMBATE, CORRUPÇÃO, SERVIDOR, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

O SR. MARCOS GUERRA (PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, segundo classificação do Banco Mundial, o ambiente para abrir, tocar e fechar empresas no Brasil é um dos mais sufocantes dentre 133 países pesquisados.

No documento publicado por aquela entidade financeira, os países foram classificados por sua capacidade de incentivar o crescimento econômico e a geração de empregos.

É um trabalho sério e importante, Srªs e Srs. Senadores, que analisou detalhadamente a forma como a legislação e o emaranhado burocrático brasileiro asfixiam a atividade empresarial. São poderosos obstáculos à criação de empregos e incentivam a sonegação e a corrupção.

Quero deixar bem claro, portanto, Sr. Presidente, que as afirmações nada lisonjeiras que enfoco na primeira parte deste pronunciamento são resultantes desse estudo, no qual 2 mil pesquisadores produziram o primeiro atlas da vida empresarial no mundo. Não se trata de um trabalho elaborado pelos partidos de oposição, Srªs e Srs. Senadores. Os comentários foram extraídos da edição de 28 de janeiro de 2004 da revista Veja.

Acredito que, dentre os nobres colegas, aqueles mais preocupados com a economia brasileira devem estar cientes das informações que lhes trago.

Como tudo em nosso mundo, as empresas também possuem um ciclo de vida: nascem, desenvolvem-se e morrem. A ação exercida pelos Governos sobre esses períodos é decisiva para que se realizem de forma saudável e equilibrada ou, ao contrário, para “envenená-los, e até asfixiá-los”.

O citado documento, intitulado “Fazendo Negócios 2004”, mostra que a atividade empreendedora no Brasil atingiu a fase do envenenamento. Vem sendo confrontada com fatores institucionais adversos, quase sem paralelo no planeta: Justiça lenta, leis trabalhistas ultrapassadas, burocracia dantesca e desestimuladora para abrir uma empresa e até mesmo para fechá-la. Na opinião do coordenador da pesquisa, Simeon Djankov, “em seu conjunto, o número de regras e complicações no Brasil supera o da maioria dos países pesquisados”, e algumas dessas nações que se movem de modo mais ágil para eliminar os entraves ao crescimento, se encontram ainda em um patamar de desenvolvimento inferior ao de nosso País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, enfocamos aqui, rapidamente, quatro desses complicadores ao ciclo de vida das empresas no Brasil, dos quais pretendo destacar os dois últimos:

1º - Considerando-se a qualidade das leis trabalhistas, isto é, o grau de adequação dessas leis à necessidade de geração de empregos formais, dos 133 países pesquisadores, o Brasil ficou em penúltimo lugar. Repito, Sr. Presidente, o Brasil ficou em penúltimo lugar! Somente o Panamá e Portugal, empatados em último lugar, têm legislações trabalhistas menos flexíveis. À nossa frente, portanto, entre dezenas de outros, estão Nova Guiné, Zimbábue, Quênia, Botsuana e Gana.

2º - O funcionamento da Justiça brasileira é o trigésimo mais lento do mundo. O tempo em tribunais para se conseguir receber uma dívida não paga é, em média, de 380 dias de tramitação.

A título de comparação, nobres Colegas, no Haiti - esse pequeno país da América Central, onde os soldados brasileiros, integrando as forças de paz da ONU, tentarão restaurar o equilíbrio social -, a duração desse processo é de 76 dias; 304 menos do que no nosso País.

3º - Ao analisar a burocracia para abrir uma empresa, os pesquisadores do Banco Mundial constataram a ocorrência de empates. Por isso distribuíram os países em 78 posições. Coube ao Brasil um péssimo 73º (septuagésimo terceiro) lugar, enquanto, por exemplo, Porto Rico ficou em 4º lugar e o Panamá em 10º.

O documento “Fazendo Negócios 2004” relata o esforço de diversos países pela racionalização da vida econômica e pela descomplicação da vida empresarial, como a forma mais viável, a curto prazo, de gerar empregos e promover o desenvolvimento econômico e social nos países.

Enquanto isso, nós continuamos presos à “ditadura do carimbo”. Com efeito, Srªs e Srs. Senadores, no Brasil, a burocracia é massacrante. As freqüentes inspeções fiscais; as exigências quanto aos detalhes mais irrelevantes; a necessidade de comprovar a inexistência de antecedentes criminais e o perfeito cumprimento de todas as obrigações legais, além de registros e identificações diversas.

São 15 etapas, que consumirão, em média, 152 dias úteis; logo, mais de 5 meses.

Em Moscou, Sr. Presidente, cidade recém-saída do comunismo, abrir uma empresa demora 29 dias - menos de 1 mês; um quinto do tempo gasto no Brasil. Na Austrália, esse período é curtíssimo, pois todo o processo é feito pela Internet.

Perdoem-me a irreverência, prezados Senadores e Senadoras, mas, em termos de exigências oficiais, é muito mais fácil tornar-se Deputado, Senador ou Ministro que dono de botequim. Isso porque os empresários são historicamente olhados e tratados com desconfiança pelas autoridades. Esquecem-se de que as médias, pequenas e microempresas são as verdadeiras fontes geradoras de emprego e, convenhamos, quem gera emprego, gera honra e dignidade para o trabalhador; e os empreendedores não são honrados neste País.

A pesquisa do Banco Mundial destaca ainda duas conseqüências importantes do excesso de burocracia:

- O grau de corrupção aumenta na razão direta do aumento da burocracia e diminui da mesma forma; isto é, quanto mais burocracia, mais corrupção, pois as exigências são minuciosamente detalhadas e os prazos alongados sine die, até que o “jeitinho brasileiro” seja a solução.

- Os países onde o número de etapas para abrir uma empresa é igual ou superior a cinco, costumam ter o dobro da população ativa na informalidade. Sabemos que a informalidade entrava o aumento da produtividade e, por conseguinte, impede que ocorram os surtos de desenvolvimento sustentável. Em nosso País, em que são 15 as etapas necessárias à abertura de uma empresa, a informalidade envolve quase 50 milhões de brasileiros.

4º - O último dos complicadores analisados pelo Banco Mundial se refere à burocracia para fechar uma empresa. Nesse aspecto, Srªs e Srs. Senadores, somos o segundo pior país do mundo, pois o encerramento de uma firma demora dez anos para tornar livre o empreendedor da empresa “baixada”. Nossa incompetência só é superada pela Índia, onde a tramitação do processo dura 11, 3 anos.

Em termos de referência, nobres Colegas, em países do Primeiro Mundo, a média é de 1,8 ano.

Esse longo período de dez anos transforma a etapa de liquidação de uma empresa em verdadeiro calvário para o seu proprietário. Mais uma vez as dificuldades estimulam o surgimento e o sucesso das verdadeiras máfias de exploradores, que enriquecem à custa da corrupção, como bem o demonstra a mídia nacional.

O documento do Banco Mundial, além das análises detalhadas, apresenta exemplos de pequenos ajustes que levaram a grandes soluções. Destacamos as seguintes:

- Na China, abrir uma empresa tornou-se um processo simplesmente administrativo, e não judicial.

- A Turquia unificou o processo de registro em um único órgão federal e eliminou dezenas de documentos. O empreendedor precisava passar por oito órgãos públicos para abrir uma empresa. Agora todo o procedimento resumiu-se a um único órgão.

- Na Austrália, mais de 60% das novas empresas são abertas eletronicamente, com burocracia zero.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos muito longe de soluções brilhantes como as desses países. Entretanto, de alguma forma, precisamos remover o entulho burocrático que dificulta cada etapa de vida das empresas nacionais.

Assim sendo, apresentei à Mesa desta Casa o Projeto de Lei que recebeu o número 182, de 2004, que tem por objetivo “tornar mais célere o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”, para o qual peço a atenção dos nobres Colegas. Ao analisarem essa proposição, reflitam que a minha intenção é dar maior estímulo aos novos empreendedores e tornar mais ágeis as ações daqueles que realmente geram empregos neste País.

A Lei nº 9.784, de 1999, andou bem ao fixar prazos razoáveis para a prática dos atos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal. Conjugam-se os princípios da finalidade, do interesse público e da eficiência, tendentes à rapidez na solução, e os princípios da motivação, da ampla defesa e da segurança jurídica, que pedem maior delonga na apreciação do processo. Na hipótese de descumprimento dos prazos pela Administração, contudo, a lei não prevê mecanismos que possam viabilizar o prosseguimento do processo e, conseqüentemente, acarreta prejuízos ao interessado e à própria Administração Pública.

O descumprimento dos prazos, Sr. Presidente, gera o acúmulo de processos nas repartições públicas e, conseqüentemente, a desmoralização da Administração Pública, com a corrupção de seus servidores, o que reforça no imaginário social a cultura do “jeitinho” e a liderança daqueles que conseguem desengavetar processos, com a conivência, muitas vezes, de funcionários corrompidos ou mal-intencionados, que criam dificuldades para vender facilidades.

Forma-se, então, nobres Colegas, uma barreira à iniciativa privada, com o descrédito do aparelho estatal, que passa a ser visto apenas como um custo a ser removido.

A omissão da Administração configura abuso de poder, atacável pela via judicial e, conseqüentemente, gera o dever de reparação dos danos suportados pelo administrado, o que não ocorreria se a lei estabelecesse o prosseguimento do processo administrativo. Além disso, está prevista no projeto de lei a responsabilização daquele que deu causa à omissão, ficando, por conseguinte, resguardado o interesse público.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para finalizar este pronunciamento, peço a V. Exªs que ouçam com atenção a transcrição que lhes trago de trecho da citada reportagem da revista Veja:

A imagem negativa do Brasil que aparece na pesquisa contrasta fortemente com a pomposa retórica oficial brasileira. Em seus discursos no exterior, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fala em levar os projetos sociais de seu governo para toda a América Latina [...]. Sua política externa se coloca o delirante objetivo de “redesenhar a geografia do comércio e da política internacionais”. Enfim, o Brasil oferece idéias de como o mundo deveria funcionar.

A leitura cuidadosa do documento do Banco Mundial e o exame comparativo de suas tabelas indicam que seria mais apropriado, antes de tentar reformar o mundo, começar pela limpeza da selva burocrática brasileira.

Sr. Presidente, por conhecer de perto a realidade dos problemas enfrentados pelos empresários brasileiros, infelizmente não posso deixar de dar o meu aval à revista Veja, o que poderia ser diferente, caso as reivindicações do setor produtivo fossem observadas, com mais atenção, pelos governos brasileiros.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/07/2004 - Página 20865